A M A R É
Falar de amor, é com os amantes.
Não aqueles que receberam tal alcunha - clássica e equivocada - por manterem relacionamentos
extraconjugais, faltou criatividade para o criador das palavras, corromperam o
significado. Amantes, são apenas os que se amam entre si. Mas só aqueles que se
amam mutuamente, em igualdade de sensações, emoções em paridade. Os que se
mantém em equilíbrio na maior parte do tempo, na gangorra da relação. E não precisa mais estampar rótulos nos vidros de quem se ama, é desnecessário, pode haver
qualquer tipo de compota. Sejam casados, em união estável, noivos, namorados, temporários; os de meia-idade diriam que eles têm um caso, amizade colorida. Outrora, eram chamados de amancebados,
mancebos, concubinos, amigados, amásios, o escambau. Minha quarta frase exclui
talvez a maioria dos candidatos que pensam estar habilitados para falar de
amor, sei disso, e eles fingem que não sabem. A maioria dos parquinhos está
deplorável. Em muitos, nem se brinca mais, é só conveniência; outros, deveriam ser interditados
por questão de segurança. Mas a sociedade cobra tal diversão, é como um
sentimento de pertencimento: quem “tem” alguém, é alguém; o resto, no máximo
está por aí, na berlinda das tias e seus crochês. Há muito preconceito sobre os solitários. Estes,
não têm capacidade ou aptidão para falar de amor. No máximo, possuem uma licença
imaginária para escrever. Escrever sobre o amor, é desenhar na areia da praia. Uma
hora, a maré leva embora. Falar com propriedade não, pois é voz que ecoa pelo
vento, avança pelos campos, transpõe montanhas, seus vales e rios, gravando a
superfície da terra. E foram os amantes que narraram as mais belas histórias de
amor, alguns autores as copiaram e as classificaram como romantismo. Os bons
romances são livros de sucesso. Trazem histórias doces, heroicas e triunfantes,
onde o amor sempre vence. Já vi até livro espírita onde o sujeito rebolou para
no final descobrir e ficar para sempre com sua cara metade, a cunhada. Estes, puderam falar
como era o amor para os outros, que tornaram isso público. Os intermediários, são
aptos a falarem sobre encrencas, desentendimentos, traições, e por que não e infelizmente,
violência. A violência que ronda a mentira, a desesperança e a teimosia em
continuar junto, mesmo sem felicidade: geralmente, não falam. Por último, os
escribas do sentir. Escrevem coisas lindas. Mas são coisas fugazes,
evanescentes até. Quem lê, o faz apenas uma vez. Estrada sem retorno. Cada texto
ou paisagem são únicos, não se repetirão na ótica dos passantes. Quase que nem dá
para ler direito, quando se vê, a onda da vida já apagou. Falando nisso, os amantes veem o título desse texto, como dois verbos, separando a última letra. Seus opostos não, o compreendem como um artigo definido mais um substantivo derivado, dividindo após a primeira letra. Estes, os escritores do
desamor, são pessoas avessas a parques, brinquedos, travessuras e gostosuras. Eles
ficam sentados na orla, olhando o azul do céu, ora o cintilar das estrelas. Num
instante rápido, correm para desenhar na areia. Não percebem que o instante é
mágico, e não rápido. A ciência do desamor, quase não fornece meios para que se
chegue da prática à teoria (e vice-versa), à doutrina, base de suas teses. O único instrumento para
tanto, é particular. É o que move o indivíduo a correr para a praia na hora do
recuo marinho. Sem alcunha, carimbo nem codinome. Tal impulso, chama-se
Solidão. Solidão é um estado de coisas que os amantes jamais poderiam falar
sobre. Sequer escrever, inclusive licença é proibido. Por isso, os amantes vivem em qualquer lugar. A Solidão, não. A Solidão é especialíssima. A Solidão, precisa
do Mar...
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