quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Contos de Ronda Alta



 Vai, Dinorá!! 
“- Agora vai!”. Assim gritava no teclado a turba de amigos e parentes de Dinorá, naquela rede social que mais parece uma comprida passarela reta de curtos egos tortos. Ano após ano, surgia um novo pretendente numa postagem decorada com flores e esperança, que a conduziria merecidamente por reputação ilibada e notório saber ao castelo dos sonhos. Lembrei-me da história do espermatozoide manco, que nunca havia conseguido vazar da bolsa escrotal para realizar ou ao menos tentar o seu sonho de fecundar um óvulo: de vez em quando, os outros sptz faziam uma corrente-pra-frente, abraçando-o, e partiam em retirada... até que o primeiro lá da frente gritava “para! volta tudo que é punheta!”. Uma piada, representava com excelência as relações da moceta quarentinha em corpo de vinte, mas com exagerados seios turbinados de sessenta. Alternava a duração das relações, só para não ficar tudo sempre igual, afinal toda rotina merece um impulso em forma de mudança, mesmo que ridícula. Ah, Dinorá...gabava-se de sua performance sexual, em qualidade e quantidade. Mas havia uma pedra filosofal em sua história: o grande amor de sua vida, Lobão era casado. Um grande covarde que se tornou um grande amor por fazê-la gozar dezoito vezes numa noite de São João. Covarde por fazer juras de amor com o pau na mão. Depois que ele ejaculava, era “thau que minha esposa me espera...um dia nós vamos casar...”. Um imperfeito político em campanha, e ela acreditava. E chorava. E quando copulava com um novo namorado das redes sociais, fechava os olhos verdes e pensava em Lobão, o covarde, para poder chegar ao clímax ao menos uma vez. O rodízio era variado, tinha de tudo. De auxiliar de padaria até médico, de gerente de concessionária de veículos até sócio de lava-car. Tais relacionamentos não duravam, cada qual por sua gota d’água, mas o líquido do copo era o mesmo, ela fingia que não sabia: o amor frustrado por Lobão, porque não era amor. Ainda esperava ele chegando num cavalo branco na noite de Natal. Pegava um vinho e contava as badaladas da meia-noite em solidão e silêncio, tentando escutar no portão ou no celular o chamado do covarde que nunca veio, jamais viria. Mas foi opção dela, conduzir sine die o sujeito em seu pódio, ao mesmo tempo em que anunciava outro voluntário. Trabalhadora, a mulher. Mas as pessoas não podem ser apenas trabalhadoras: há de se louvar o ganha-pão, entretanto, outras qualidades precisam estar presentes quando se trata de relações afetivas. Até porque, ninguém fica no trabalho o tempo todo pensando e desenhando seu amor num papel qualquer. Mas será que era mulher mesmo? Uma mulher pode ser considerada uma Mulher se ela for falsa, inventando amores que não passam de uma farsa e ainda sendo fraca na condução da coisa? Um homem pode ser Homem se for covarde? Até onde o gênero sexual determina o caráter de uma pessoa humana? Três efes, o filme que falta, já tem roteiro por aí, lá no bairro de cima. Dinorá tentou inovar uma vez, afinal aqueles sites de relacionamento estavam praticamente gastos feito as camisinhas que ela dizia que usava com os moços da hora, #sqn. Falando nisso, a dupla-penetração com amigos foi uma estória fantástica, teve um "namo" que quase quebrou o queixo quando ouviu tal narrativa numa tarde de ninar. Jamais deveria ser condenada por isso, a moral é algo tão relativo quanto o clima das estações em planalto de pinheirais. Voltando, largou um pouco dos sites e foi se envolver com um sujeito dez anos mais velho, conhecido de passagem do passado. Encantou o cara, o qual por isso demorou demais para sacar a jogada, o jogo, a cilada. Desta feita, ela fez juras, mas sem dizer que eram de amor. Pudera, Covarde nunca sairá do primeiro lugar. Feita a descoberta, Marcão a aconselhou sobre relacionamentos, sugeriu amizade. Mas ela sempre precisava mostrar na rede para o dito cujo do Lobão, que estava feliz, mesmo sendo mentira. Coitada, queria fazer ciúme, como se Lobão quisesse outras coisas com ela além de soprar sua vagina já reformada em motéis da floresta. Dinorá sentia ciume da mulher de Lobão, por vezes se achava a primeira, recusava a alcunha de amante. Qual o que. Lobão era fodão, mas não era Homem. Mesmo assim, era o "homem" que ela elegeu, o cara que ela quis, que ela construiu para ela. Toda mulher constrói seu príncipe. Do jeito que findava as relações, Lobão era rei. Mas a eternamente súdita sempre com insegurança e medo, mentiras e omissões, dando ouvidos à velha mãe, um tipo Madame Min da selva; e também ao filhinho Bambi, um adolescente muy delicado, caprichoso gostava de opinar sobre os machos da mami. Dina, quarenta e poucos anos de frustrações e fofocas, e ainda com um covarde no alto do coração. Sem chance pra ninguém. Nem rico, nem pobre. Ela apenas montava um barraco no final fazendo valer seu lema “homem é tudo igual, só muda o tamanho do pau”. Era por isso que começava, dava, não andava e acabava: sentia em cada fim de relação, uma porta abrindo para a entrada de Lobão. Mas este, só entrava nos motéis. Coitada de Dinorá, coitada dela. Mais um caso de submissão feminina ao machismo tipicamente bolsonarista de opressão e controle. Ela tinha um vibrador bem pequenininho. Jamais mudaria seu critério referencial de valorização de uma pessoa humana. Quem sabe o pinto de Lobão fosse diretamente proporcional à sua paixão; quem sabe, sua pomba com perineoplastia fosse inversamente proporcional a um amor verdadeiro: tolices! Escrevo isso para lembrar que o sexo, não sustenta sentimento. O sexo, quando alimentado com ilusão, é uma ponte para a infelicidade. Março. Lá estava ela se recadastrando nos sites de companhia. Lá estava ela apelando para encontrar alguém que fizesse Lobão sair definitivamente da toca. Ninguém mandou ela se entregar a um animal, foi voluntário. Suas condutas, tornaram-se animalescas. Pinto, pomba, lobo, galinha. É outra que não vive na cidade, sobrevive numa selva. Dingobel, mais um Natal sem ninguém. Dá nada não, todo ano tem vestibular, campeonato de futebol e cadastro em site de relacionamento. O pessoal, na pior repete: “Agora vai”... 






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