sábado, 15 de outubro de 2016

Contos de Eleição



Sem Anamnese 
Os médicos e as suas histórias...aiai. Dr. Gladstone, eu presumo. Um sangue ruim, misto de inglês com polaco, corria nas veias de um sujeito bom. E olhe que esse era o seu pré-nome, o pai escolheu como uma alusão a “gladiador de rocha”, queria que o filho fosse um novo medieval, imune às forças contrárias da vida. Formou-se em Medicina em universidade particular, mas foi para o mato trabalhar. Enfim, um bom motivo para que ele largasse daquela rotina citadina e vulgar demais para as pretensões do papi. Gladinho era tarado, mas com ligeira educação. Menores de idade, senhoras, parentes, ele atacava todas as pessoas que possuíam ventre em Y. Tem ele em quantidade um material vivido digno de um seriado nacional, 1, 2, 3... . Certa feita, Glad pegou no colo duas gêmeas anãs numa festa pública, e as levou para brincar de médico-atrás-da-porta, sua reminiscência favorita. Noutras, foi preso por duas vezes dentro de dois meses num parque da cidade, bolinando sua namorada menor de idade dentro do carro à luz do dia, pelo mesmo guarda; o delegado ficou amigo do pai dele. Lá no mato, conheceu Bety, uma auxiliar de enfermagem que o acompanhava no serviço. Foram comemorar o amigo secreto com a turma do hospital de ambulância, numa comunidade rio acima. Na volta, ela declarou que estava com muitas dores nas costas, perguntou se ele sabia fazer massagem. Ele desconversou e, estranhamente, recuou do abate: arrepende-se até hoje, quase que pratica autoflagelo por isso. Voltou à capital do pecado e foi para uma clínica no centro. Na recepção, uma secretária itinerante, mudava quase todo mês de local de trabalho. Cumpria apenas o período de experiência em cada serviço, só para ver se arrumava um doutor para casar; não deu, abraço para o pipoqueiro. Na noite do amigo secreto, conseguiu, Gladstone foi o eleito. Pegou-o pelo estômago, pelo pênis e pelo pescoço. Em síntese, arrumou um homem pra chamar de seu. Mais fundo ainda, Dominette (isso mesmo) domesticou dr Gladstone, como se fosse bicho. Lamentava ela, que Eike roubara sua ideia e aplicara a coleira em sua partner no carnaval, ela não patenteou. E assim ela manteve nosso personagem por toda a vida, longe das mulheres, dos amigos, dos parentes, de qualquer pessoa que tivesse um pingo de afinidade pelo maridão. Exemplar clássico, de tão típico foi convidada a participar de um trabalho científico por uma equipe de gaúchos profissionais da área de Psiquiatria da PUC, pesquisando sobre “Relações Possessórias & Ciúme – Fronteiras entre Objeto e Doença”. Já não dava mais para ele. Ela, não dava mais seu órgão sexual (a visão dele também permitia escrever assim). Por compensação, ele fez do chuveiro solitário sua cama imaginária, onde deitava em pé toda mulher que passasse pelo seu aguado pensamento. Meia hora de banho, mais meia hora de bronha. Uma hora inteira dedicada ao car(alh)inho solitário. Bastava para seguir dominado durante as outras 23 horas do dia, passava rápido, outra ideia compulsória que adotou. Barracos, pitis, confusões, desentendimentos de toda ordem e contra quem quer que fosse, essa era a práxis de Dominette. Tudo pelo seu “amor” a tiracolo. Há muitos homens-objeto por aí. O coitado, nem podia falar. Tantas vaginas que atravessou pela vida, foi logo estagnar numa peçonhenta. Ela se abria para os outros, fechava-se para ele. Pergunto-me, como pode um cônjuge ser feliz sacrificando a existência do outro. A igreja curava tudo, dezenas de orações limpavam vez por ano a barra suja dela no tocante às relações sociais do casal, digo, dela e a submissão dele. Num lampejo de coragem, ele arriscou um beijo na boca de uma paciente no meio da consulta, Dominette estava no mesmo hospital. Por segundos, a liberdade tão ilusória que ele só tinha nos sonhos vendados. Cúmulo dos cúmulos, ela nem deixava ele frequentar a web. E foi assim que ele morreu, dez anos antes de sua morte (alguém já disse isso uma vez por aqui, acho que fui eu mesmo). É a natureza contratualista do casamento como um negócio, um acordo formal, um pacto com um santo demônio. Dava pena de Gladstone, mas era por pouco tempo, logo a gente lembrava que foi sua escolha. Mãos dadas no shopping, perna amarrada no pé da cama, do sofá da sala, cabresto humano. Quando a mãe dele apanhou da esposa, a família pensou que seria a gota d’água. Qual o quê, uma vez presente, o poder domina tudo o que vier. Supera qualquer valor, princípio, virtude. A passividade do homem brasileiro ultrapassa os limites do suportável. Essa história não tem moral nenhum, resume-se na luta entre o vazio do sexismo dele versus o vazio de espírito dela, preenchendo sua fração ideal no condomínio que poderia ser considerado um circo decadente em função de seus domadores e respectivos animais. Dr Glad não soube prospectar o amanhã, colocou na própria urna um voto auto-cabresto: coisa de democracia contaminada. Os vizinhos do prédio juravam ouvir correntes se arrastando naquele ap.. Dr Glad usava as camisas gole rolê de seu pai sob o jaleco. Ela comia cheetos vendo TV na cama na hora da novela. Ele ia para o banheiro dar boa noite à infelicidade... 




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