Uma vida ganha. Não sem esforço. Mas
boa parte por herança, aquele capital inicial que raramente alguém adquire no
começo ou no meio. E quando o tem, saiam da frente, que o impulso não tem limites.
Após anos sem trabalhar e com estudo bancado via formal de partilha, fez
concurso para ingressar no serviço público. Mediatamente, aderiu ao discurso de
enxugamento do Estado. Claro, ele estava garantido, mas não precisava ser
assim. Incontável o número de funcionalistas que cospe onde não come mais.
Coisas do Brasil sem conhecimento da própria história com H, do Brasil com democracia F (drogada e prostituída), do Brasil que ao longo do tempo enfraquece o seu S assim como ocorre
com os homens em relação ao seu cromossomo Y. Genésio preocupava-se com sua
carreira no Tribunal. Muito dinheiro no bolso, cuidava preventivamente da saúde
por causa de seu medo de médicos curativos ou terapêuticos, imagine-se
cirúrgicos. Também havia o medo de redes sociais, de fotografias em público, de
todo e qualquer risco à sua reputação, desde um passeio no parque até um
flerte, o que dizer de uma relação sexual. Mas ele não era o magistrado que
queria ser, não precisava tanto. Tomou para si como se fosse. Ainda novo, fez
um contrato verbal de sentimento sem amor com uma mulher que há dez anos não
copulava mais com ele, há cinco dormia em quarto separado. Ela, Gláucia, se foi
para o norte atrás do dinheiro dela, deixando-lhe uma cláusula de controle, de
subserviência, orientação geral e irrestrita sobre os bens dele: tudo o que
acontecesse com ele, deveria passar por ela antes de qualquer superveniência.
Genésio, um cara extremamente educado, boa praça, gente fina. Por tudo isso,
refém de si mesmo. Ele, um exemplo de um eleitor. Justificou seu voto no
candidato da elite porque este iria ganhar segundo as pesquisas: voto descerebrado,
mas com validade. Cada um de nós vai levando a sua vida com nossas razões na
bagagem. Não importa mais se elas têm nexo, fundamento ou coisa parecida. A
velocidade do viver exige que se encaderne um motivo de qualquer jeito, ninguém
abrirá a capa à procura de argumentos convincentes em nossa cartilha de porquês.
Basta a superficialidade dos fatos, dos negócios, das relações. E assim, as
pessoas vão tratando seus assuntos com tamanha superficialidade, que aquilo que
é minimamente profundo, torna-se ilegal, imoral ou engorda. Razões. Flores,
poesias, declarações. Tudo o que pode tocar lá dentro, faz tremer a superfície
das gentes. Risca a capa sem tinta, pelo medo de fazer parte da história
interna. Imaginou se Genésio arrumasse uma companheira real? Se o sufrágio elegesse
uma pessoa pública leal? Cada eleição, é um bizarro concurso onde não se prova
nada. Ganha, quem tem mais recursos. Para depois, atender os de sua mesma laia.
Enquanto abusarem da boa-fé dos Genésios da vida, os eleitos serão os mesmos. Haverá
tantas Gláucias quanto Genésios, e as fugidias respostas para aquilo que não
conseguem argumentar. É muito difícil tomar posição quando se trata de poderes.
O poder de Gláucia sobre Genésio, do interesse privado sobre o interesse
público, do dominante eleito sobre seu próprio eleitor. Quase duas décadas e
ele não depositava mais na urna dela. E ela não digitava mais na tela dele. Mas
ele ainda a elegia como sua mulher. Elegia, é também uma poesia triste,
melancólica ou complacente. Eles se negaram aos tercetos. Recusaram as novas
possibilidades. Muita grana, sem ter tesão para gastar ou investir. Ele acumulou patrimônio,
somou apenas uma herdeira necessária, ela. Geno não teve filhos. Não deixou a ninguém o legado, desde cedo, de uma urna oca, por causa de uma vida o tempo todo velha..
Diametralmente oposta a qualquer ordenamento jurídico, DESUNIÃO ESTÁVEL é uma imaginária relação multiafetiva ousada entre a Poesia e a Música. Como esses valores estão em declínio nos dias pós-modernos, decidi promover impulsos de acasalamento sentimental entre ambas, com a substancialidade e a emoção que brota dessas duas formas de expressividade dos sujeitos na sociedade civil, ou seja, nascentes da natureza humana. Aos amantes, as cortesias da Casa.
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