Alô?
Negócios!
Doutor
Jismo, ótimo médico clínico-geral da Fazendinha, precisou trocar sua secretária
que passava por uma gravidez de risco, então dispensada dos serviços. Tempos
difíceis, ele achou melhor ir pelo caminho mais $imples, ao invés dos jornais
de grande circulação. Aquele periódico específico parecia interessante, anunciou.
Desmarcou os pacientes da segunda-feira só para receber as eventuais
candidatas. Setenta e três apareceram, ele se sentiu como num alistamento
militar para meninas. Estela, a noiva de Jismo, nada ajudou na seleção; depois
que ele arrumou a vida profissional dela, ela passou a se comportar com muita
indiferença – e dizem que a indiferença é o pior dos ventos, porque sopra, mas é sem querer. Para falar a
verdade, ela vestiu o disfarce da frigidez, alegando ser orgânica toda aquela
rejeição, que não era culpa dela; ele fingia que acreditava. Voltando à chamada,
veio de tudo, etnia, idade, escolaridade, um mosaico de órfãs do desemprego.
Ele tinha que adotar um critério, qual seria...elas vinham chegando, uma mais
diferente do que a outra, no fim pareciam todas iguais. Optou então, pela
beleza. Mas não podia ser alta, pois ele tinha só 1,67 de altura. Escolheu, é
assim o tempo todo na vida, este festival de escolhas entre paredes. Novinha,
moreninha, simpática, ingênua e única baixinha daquela Galileia que se apresentou lá, Carol conquistou o carimbo, rompendo o selo de sua carteira de trabalho, à primeira vista. Na terça-feira, já estava no local, toda
prosa, cheirosa e arrumadinha. Terminado o expediente, Dr reunia-se com ela e
ficava explicando os meandros do serviço, a lida com os pacientes e seus respectivos convênios. Estela
voltou atrás e soltou uma espícula de pseudo-ciúme, dado o corpinho ajeitado da nova
funcionária, ele sabia que era apenas uma formalidade, nem ligou. Gente...no
fim da segunda semana, sexta-feira à noite, ela (a novata malandrinha) ensaiou
um problema familiar de abandono e pôs-se a choramingar enquanto arrumava as
fichas da semana. Ele, argumentou que local de trabalho não era lugar para
discutir coisa importante assim. Jismo e Carol saíram do consultório e foram
parar no motel Solemio, um “paraíso perfeito” para discussões existenciais
(sic). Crente que seu conselho iria penetrar nela, foi ao estabelecimento que
nem um bezerro rumo ao leite materno. Chegando lá, aquela cena de teatro de
bolso. Ela abriu as comportas dos olhos, tipo “O que eu estou fazendo aqui
nesse lugar...o que estou fazendo com meu emprego...o que o sr vai fazer
comigo?...”, dizia ela, só de calcinha e blusa de galinha. Mergulhou sob os
travesseiros, enrolou-se na coberta deixando uma coxa de fora. Jismo, mesmo
excitado com aquele pedaço de frango sem balde, resolveu deixar o abate para
outro dia. O conselho virou conselho mesmo (como se precisasse) e ela parou de
chorar no segundo ato da peça, fim do piti. Ele não viu o sorriso maroto no canto da boca
dela, quando estava recolocando com toda a sensualidade cabível numa penosa a calça fuseau grudada no corpicho bronzeado: “Consegui:
agora ele é meu!”, ela pensava contente. Tudo porque o médico, carente, chegou
perto de alguém depois de tantos anos, ficou maravilhado com o melado, parecia
néctar divino, enviado por um deus lambuzado. Estela ganhou um pé na bunda naquele fim de
semana. Foi embora depois de onze anos de namoro morno e noivado resfriado à vácuos. Em
dois meses, Carol se mudou para a casa do doutor, constituíram família.
Mandou-a para uma faculdade qualquer, pois não queria casar com alguém sem
ensino superior. Quando ela pensou em arrumar um emprego, Jismo esbravejava
“Pô, não está satisfeita com o que tem, mulher? Te dou tudo nessa vida e você ainda quer ir trabalhar, sem necessidade alguma!” Na verdade, era o ciúme o mote da coisa. Jismo
não era belo nem atraente, apenas inteligente, exceção feita às relações afetivas. Uma verruga enorme no nariz, um
furúnculo recidivante na bunda e uma barriga-tonel de 30 litros. Poderia ser
que na fac aparecesse algum gavião bonitão, um corvo sarado ou um abutre mais rico que
ele a sobrevoar sua totosinha carniça momosa. Ele sabia do perigo, e não queria perder aquele flauteado nem os outros predicados da moceta. Ela, a rainha do bola-gato em inglês do Boqueirão e adjacências. Prevenção, lema da Medicina
atual. Outrora, a espertona ouvira dele naquela wonderfull tonight no Solemio, que
a noiva também o rejeitava, não obstante fosse pura verdade: faca e queijo na
mão, o sexo foi o passaporte para a união. Trepavam em quase todo lugar.
Bolinavam-se em todos os lugares. Na praia pública, na igreja, na varanda, no
consultório, ela queria mostrar serviço, levando-o ao deleite, literalmente
espermático, seduzindo e induzindo que somente aquilo era a tal felicidade,
nada mais era necessário. Ele agradeceu a realização do sonho de “Moças Com
Creme”, um pornô retrô famoso que fora a sua bíblia supletiva. Repetindo a
cartilha de Estela, ela o afastou dos melhores amigos, dos parentes mais
chegados. Claro, eram os únicos que podiam abrir os olhos dele. E assim
seguiram a sobrevida. Sem muito diálogo, mas com sexo em abundância, claro que nos cinco primeiros anos, depois vem a tradicional epidemia do tempo, a repelente dor de cabeça, como é com todo casal, salvo quando a lei dispuser o contrário. De tanto
uso, pagou-lhe dois implantes de 600 ml cada, que daqui a dez anos a tornarão a
mais nova corcunda da Igreja Presbiteriana Fazendinha, uma clássica cifose
programática. Não se falou em amor nesse texto, eles alegavam paixão estendida: espécie de veda-rosca sentimental, contendo imaginária e ilusoriamente a emoção que em pingos se esvai sem parar todo dia para o ralo. Seriam eles dois voyeurs? Ou seriam os
deuses astronautas? Dúvidas que atravessarão gerações. Das bibliotecas para o
mundo real, ele, um novo Bentinho preso na ilusão. Ela, uma Capitu moderna solta na metrópole. Dr
Jismo coleciona selos raros. Carol coleciona Escobares comuns...
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