quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Crônica Cotidiana 43




A Árvore e o Frango 
Ela estava chorando dentro do restaurante. Moça que logo antes do meio dia bateu o carro na árvore bem na frente, eles deixaram que se sentassem ali dentro. Os clientes iam chegando e olhando para ela e sua amiga, cochichando algo sem dígrafo nenhum. A fome levou um esbarrão da curiosidade, mas foi de leve. A arcaica pergunta: “De quem foi a culpa?”. No estado policialesco, o que interessa são os extremos: ora são as causas - pois ninguém quis saber se ela havia se machucado - ora é o sangue como produto final, hoje não tinha. Proeza até, ela conseguiu desviar de um poste e se encaixou entre ele e a árvore velha e oca. O namorado chegou, o choro aumentou e a fome dos outros morreu. Gente que nem se cumprimenta, mas adora dar pitacos na vida alheia quando os fatos são tristes. Parece que dominam o infortúnio como mestres, seriam até capazes, diante de tanta habilidade retórica, de evitar o tal acidente e tantos mais. Uns falaram que era coisa de mulher, outros que era coisa de gente nova. Pergunto, como qual tipo de gente eles gostariam de ser classificados por outrem. Não, eles são perfeitos. Não batem seus automóveis, têm precisão de piloto de testes da escuderia. Numa cidade onde poucos motoristas dão a seta indicando manobra de conversão de via, o peito estufado fala mais alto que a consciência pública, isso quando ela existe. Só tinha o carro dela. O funcionário do estabelecimento que recolhia comandas pagas na saída disse que ela tentou desviar de alguém que foi embora. Uma fechada? Barbeirada? A casca do caule era tão dura, que o prejuízo só foi material, da guria. Passou um advogado e deu-lhe um cartãozinho. Um mecânico fez o mesmo. Tinha até corretor de seguros almoçando naquela porra. Alguém qualquer bateu uma foto do sinistro, era seu quinhão sensacionalista da semana para sua rede social furada para coisas construtivas. O acidente pareceu revelar interiores dali, lugar onde costumam jogar as coisas no sentido inverso. A madame, que paga R$9,90 o buffet parcialmente livre a economizar para o salão do fim de semana, sentava longe do pessoal da oficina. Um velho gay secava o autor do texto como se tivesse chance de obter sucesso, mudou imediatamente de alvo. A turminha da computação era a única mesa com os celulares desligados. O garçom esquálido transportava gamelas de comida sem sal. O sabor deles era muito leve. Mas o frango crocante, uma delícia. Tudo que é crocante é gostoso. Parece um prazer antes do outro prazer. Rango à parte, lembrei dos oportunistas e deu vontade de subir na mesa e gritar bem alto, mandando todo mundo tomar no meio do rabo, só vontade. Meus limites impedem. E impedem outras coisas também. Eu poderia ter perguntado se ela precisava algo, se estava tudo bem. Não foi a fome que me impediu, foram os meus limites. O advogado, o mecânico e o corretor escaparam de um belo (sic) xingamento, nunca fiz isso fora de estádio de futebol. Lá fora, a madame não me viu andando logo atrás e soltou uma bufa de alho, ela comeu bastante daquele feijão horroroso que eu rejeito. Eles, muitos, não sabem se conduzir em restaurantes; digo melhor: em ocasiões críticas. É mais perigoso se conduzir na chuva. A vida fica escorregadia demais quando chove. E a vida fica seca demais quando imperam os nossos limites. O povo urbano está me cansando. Este cotidiano da metrópole está me expulsando daqui. Poluição dos carros, ônibus e caminhões, poluição das madames. O trânsito, é um problema de saúde mental. Talvez seja melhor eu ir, definitivamente, colidir com águas-vivas no litoral. Mas foi o mar que secou ou é o mar que não há mais? Não importa. Só sei que a praia, não precisa de tantos profissionais assim... 



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