A
Árvore e o Frango
Ela
estava chorando dentro do restaurante. Moça que logo antes do meio dia bateu o carro
na árvore bem na frente, eles deixaram que se sentassem ali dentro. Os clientes iam chegando e olhando para ela e sua amiga, cochichando algo sem dígrafo nenhum. A
fome levou um esbarrão da curiosidade, mas foi de leve. A arcaica
pergunta: “De quem foi a culpa?”. No estado policialesco, o que interessa são os extremos: ora são as causas - pois ninguém quis saber se ela havia se machucado - ora é o sangue como produto final, hoje não tinha. Proeza até, ela conseguiu desviar de um poste e se encaixou entre ele e a árvore velha e oca. O
namorado chegou, o choro aumentou e a fome dos outros morreu. Gente que nem se
cumprimenta, mas adora dar pitacos na vida alheia quando os fatos são tristes. Parece
que dominam o infortúnio como mestres, seriam até capazes, diante de tanta
habilidade retórica, de evitar o tal acidente e tantos mais. Uns falaram que era coisa de
mulher, outros que era coisa de gente nova. Pergunto, como qual tipo de gente
eles gostariam de ser classificados por outrem. Não, eles são perfeitos. Não batem
seus automóveis, têm precisão de piloto de testes da escuderia. Numa cidade onde poucos motoristas
dão a seta indicando manobra de conversão de via, o peito estufado fala mais
alto que a consciência pública, isso quando ela existe. Só tinha o carro dela. O funcionário do estabelecimento que recolhia comandas pagas na saída disse que ela tentou desviar de alguém que foi
embora. Uma fechada? Barbeirada? A casca do caule era tão dura, que o prejuízo
só foi material, da guria. Passou um advogado e deu-lhe um cartãozinho. Um mecânico
fez o mesmo. Tinha até corretor de seguros almoçando naquela porra. Alguém qualquer
bateu uma foto do sinistro, era seu quinhão sensacionalista da semana para sua
rede social furada para coisas construtivas. O acidente pareceu revelar
interiores dali, lugar onde costumam jogar as coisas no sentido inverso. A madame, que
paga R$9,90 o buffet parcialmente livre a economizar para o salão do fim de semana, sentava longe do
pessoal da oficina. Um velho gay secava o autor do texto como se tivesse chance
de obter sucesso, mudou imediatamente de alvo. A turminha da computação era a única mesa com os celulares desligados.
O garçom esquálido transportava gamelas de comida sem sal. O sabor deles era
muito leve. Mas o frango crocante, uma delícia. Tudo que é crocante é gostoso. Parece
um prazer antes do outro prazer. Rango à parte, lembrei dos oportunistas e deu
vontade de subir na mesa e gritar bem alto, mandando todo mundo tomar no meio
do rabo, só vontade. Meus limites impedem. E impedem outras coisas também. Eu poderia
ter perguntado se ela precisava algo, se estava tudo bem. Não foi a fome que me
impediu, foram os meus limites. O advogado, o mecânico e o corretor escaparam
de um belo (sic) xingamento, nunca fiz isso fora de estádio de futebol. Lá
fora, a madame não me viu andando logo atrás e soltou uma bufa de alho, ela comeu bastante
daquele feijão horroroso que eu rejeito. Eles, muitos, não sabem se conduzir em
restaurantes; digo melhor: em ocasiões críticas. É mais perigoso se conduzir na
chuva. A vida fica escorregadia demais quando chove. E a vida fica seca demais
quando imperam os nossos limites. O povo urbano está me cansando. Este
cotidiano da metrópole está me expulsando daqui. Poluição dos carros, ônibus e caminhões, poluição das madames. O trânsito, é um problema de
saúde mental. Talvez seja melhor eu ir, definitivamente, colidir com
águas-vivas no litoral. Mas foi o mar que secou ou é o mar que não há mais? Não
importa. Só sei que a praia, não precisa de tantos profissionais assim...
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