segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Sessão Defesa de Tese - A M A R É



A M A R É 
Falar de amor, é com os amantes. Não aqueles que receberam tal alcunha - clássica e equivocada - por manterem relacionamentos extraconjugais, faltou criatividade para o criador das palavras, corromperam o significado. Amantes, são apenas os que se amam entre si. Mas só aqueles que se amam mutuamente, em igualdade de sensações, emoções em paridade. Os que se mantém em equilíbrio na maior parte do tempo, na gangorra da relação. E não precisa mais estampar rótulos nos vidros de quem se ama, é desnecessário, pode haver qualquer tipo de compota. Sejam casados, em união estável, noivos, namorados, temporários; os de meia-idade diriam que eles têm um caso, amizade colorida. Outrora, eram chamados de amancebados, mancebos, concubinos, amigados, amásios, o escambau. Minha quarta frase exclui talvez a maioria dos candidatos que pensam estar habilitados para falar de amor, sei disso, e eles fingem que não sabem. A maioria dos parquinhos está deplorável. Em muitos, nem se brinca mais, é só conveniência; outros, deveriam ser interditados por questão de segurança. Mas a sociedade cobra tal diversão, é como um sentimento de pertencimento: quem “tem” alguém, é alguém; o resto, no máximo está por aí, na berlinda das tias e seus crochês. Há muito preconceito sobre os solitários. Estes, não têm capacidade ou aptidão para falar de amor. No máximo, possuem uma licença imaginária para escrever. Escrever sobre o amor, é desenhar na areia da praia. Uma hora, a maré leva embora. Falar com propriedade não, pois é voz que ecoa pelo vento, avança pelos campos, transpõe montanhas, seus vales e rios, gravando a superfície da terra. E foram os amantes que narraram as mais belas histórias de amor, alguns autores as copiaram e as classificaram como romantismo. Os bons romances são livros de sucesso. Trazem histórias doces, heroicas e triunfantes, onde o amor sempre vence. Já vi até livro espírita onde o sujeito rebolou para no final descobrir e ficar para sempre com sua cara metade, a cunhada. Estes, puderam falar como era o amor para os outros, que tornaram isso público. Os intermediários, são aptos a falarem sobre encrencas, desentendimentos, traições, e por que não e infelizmente, violência. A violência que ronda a mentira, a desesperança e a teimosia em continuar junto, mesmo sem felicidade: geralmente, não falam. Por último, os escribas do sentir. Escrevem coisas lindas. Mas são coisas fugazes, evanescentes até. Quem lê, o faz apenas uma vez. Estrada sem retorno. Cada texto ou paisagem são únicos, não se repetirão na ótica dos passantes. Quase que nem dá para ler direito, quando se vê, a onda da vida já apagou. Falando nisso, os amantes veem o título desse texto, como dois verbos, separando a última letra. Seus opostos não, o compreendem como um artigo definido mais um substantivo derivado, dividindo após a primeira letra. Estes, os escritores do desamor, são pessoas avessas a parques, brinquedos, travessuras e gostosuras. Eles ficam sentados na orla, olhando o azul do céu, ora o cintilar das estrelas. Num instante rápido, correm para desenhar na areia. Não percebem que o instante é mágico, e não rápido. A ciência do desamor, quase não fornece meios para que se chegue da prática à teoria (e vice-versa), à doutrina, base de suas teses. O único instrumento para tanto, é particular. É o que move o indivíduo a correr para a praia na hora do recuo marinho. Sem alcunha, carimbo nem codinome. Tal impulso, chama-se Solidão. Solidão é um estado de coisas que os amantes jamais poderiam falar sobre. Sequer escrever, inclusive licença é proibido. Por isso, os amantes vivem em qualquer lugar. A Solidão, não. A Solidão é especialíssima. A Solidão, precisa do Mar... 



domingo, 30 de outubro de 2016

Crônica Cotidiana 45



Ah, Firmamentos... 
Esse papel que o destino lhe deu, está prestes a ser rasgado, sem medo dos riscos. E não fez até hoje não foi por medo, mas sim pelo respeito, nem ao destino, mas sim às pessoas. Às pessoas que lhe fazem de ouvidor. A vida inteira, ele, um ouvidor. Não chegou a oferecer ombro nem colo, mas ouviu, em demasia, com excesso. Lamentos, queixas e deixas, problemas, dúvidas e dívidas, choros, lágrimas e lástimas; essa foi a sua pauta social por décadas. Soube de histórias, fatos, coisas, ações e omissões dignas de coleção literária, sobre as frustrações do desiderato humano. E só lhe trouxeram os podres, porque o que havia de bom, mantiveram longe. Guru? Profeta, terapeuta? O que terá sido ele para toda essa gente que foi até lá nada buscar e somente despejar? Será que ele ainda vai morar na Caximba? Será que Caximba não é com ch? “Lá sei” do aterro, como dizia Kellen (a menor com experiência sexual de máster). Aconselhamento não foi, pois o que ele indicava, boa parte das vezes fizeram o contrário. Sim, as pessoas abusam da nossa boa-fé, desse nosso jeito nem baiano nem mineiro de ser, mas com uma paciência fora dos eixos. Foi vampirizado energeticamente por todo o tempo, ainda o é. Tenta soprar tal energia para fora quando fecha a porta e dá thau para mais um queixoso de Hanna-Barbera, outro/a Hardy Har Har. Não tarda, tudo de novo. Precisa haver mudança. Diz ele que vai abandonar a educação nas horas de ‘pidança’. Será seco, quieto e dissimulado. Pois se ele não se abre com ninguém, chega de escancarar a palavra para todo mundo. Noutra encarnação, deve ter sido uma tribuna, uma pedra num muro das lamentações, mata-borrão, esponja de aço, Diabo Verde, qualquer troço assim. Ou um padre, uma benzedeira, uma entidade. Da sua dor, ninguém sabe, ele administra com autonomia. Nele, só chega o drama dos outros e o silêncio. O silêncio das coisas que ele não divide com ninguém. Edmundo não aguenta mais tanta lamúria alheia. Já cumpriu o seu papel, que voltem os lenços de tecido, que se multipliquem os terapeutas ou então que as pessoas se resolvam independentemente. Basta! Começou a não atender telefonemas. Saiu de algumas redes sociais. Evitou gente pingente, aqueles que você puxa e abrem tudo. Afastou-se um pouco da sociedade ao redor. Mais atento a si, ficou com vontade de procurar Mariana e conversar um pouco como nos bons tempos. Então lembrou que ela se mudou antes e agora faz parte do silêncio. Aquele silêncio que separou a manhã da tarde, com o evento da hora do almoço. O mesmo que juntou a noite com a madrugada, sem divisão que as separasse, principalmente do céu. Ele não a procurará: ele vai se libertar, contemplando o silêncio das estrelas... 




quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Sessão Quase Confusa




Se eu fosse você...
O “se” é o não ser
Porque não foi
Não é
Talvez nem será
Então ele é livre
É mais que o não
Que o sonho
Que o desejo
E desafia a realidade que o impede
Revolta-se, vai além do possível
E traz à mente uma chance
Ao pensamento uma vontade
E àquele sonho,
Alimentos para o crescimento..
Até que um dia
Tomado de poesia
Ele invada o mundo real
E expulse de lá,
Aquilo que não existe
Deixando apenas a verdade
Que mata a hipótese
Para se transformar,
No tal beijo na boca
Ou todo o amor em infinitivo pessoal..





terça-feira, 25 de outubro de 2016

36 Cores à Sombra




 Um pedido de desculpas 
 Faço ao senhor das letras 
 Que fui arredio aos poemas 
 Por detestar as rimas 
 Para mim algemas 
 Nos pulsos de minha única liberdade.. 


 Eu viajei sem combinar 
 O mar com o ato da partida 
 E sem sonoridade em meu conto 
 Sigo solto sem ferida 
 Que o sal marinho arderia 
 Caso eu não contasse que aqui chovia.. 


 No lugar que não cheguei 
 Há uma grinalda furta-cor 
 Na porta da varanda encerada 
 Ladrilhos emprestam sol 
 Um mundo ao contrário 
 Dentro de mim, talvez mesmo aqui.. 


 Uma notícia só minha 
 Desponta no precipício da garganta 
 Olha para fora da boca 
 E volta ao conforto do silêncio 
 Aquele hotel de mentira 
 Onde abrigamos nossos medos da verdade.. 


 E o grito imaginou-se livre 
 Saiu do cárcere do peito 
 Para ecoar no pensamento 
 Brados da força-mente 
 Avisando a toda gente 
 Que eu ainda permaneço na plateia.. 


 A face do céu é a única que eu vejo 
 Tão longe, Mas agora 
 chora sobre mim o Frescor que não esfria 
 Ontem sol ou riso, Que me aquecia 
 Então vem da natureza o que não sai dos humanos 
 Assim é o meu olhar Voltado para cima e só o azul cativar.. 



sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Sessão Contraponto.



 Começo com açúcar, o exemplo mais popular. 
 Mas inverto, vou do refinado para o cristal, depois o mascavo e por fim o demerara. 
 Balas, as Soft do meu tempo, mas pode ser as de banana, de Morretes. 
 Qualquer chocolate. 
 Pudim de leite, ou melhor, o leite condensado puro. 
 Sobremesas em geral, mousses, manjares, e tantos outros emes. 
 A ambrosia, ah, a ambrosia... 
 Algodão doce, o terror dos dentes mal informados. 
 Passando pelas rapaduras setentrionais. 
 Para não me estender, o mais forte de todos os doces: o mel e seus derivados. 
 Minha cultura alimentar é pobre, não lembro mais de outras coisas doces. 
 Trouxe aqui estes tipos, para equilibrar um pouco o teor dos meus textos. 
 Ultimamente ácidos, eles (os textos) podem dar ao leitor a ideia de que sou infeliz. 
 Qual o quê, apenas não sou romancista. Já tem demais e eu vivo repetindo isso. 
 O doce é básico, muito embora é a acidez que favorece a fermentação dos açúcares na boca pelas bactérias. 
 O potencial hidrogeniônico necessita de equilíbrio. 
 Sim, o açúcar de tudo isso aí em cima fica na boca dos relaxados e o ambiente ácido estimula a ação bacteriana. 
 Por isso eu não gosto de doces. 
 Melhores são os salgados. 
 Prefiro mesmo é a acidez dos meus sentimentos, sem equilíbrio algum, 
 por não ter mais de um alguém com necessidades de estabilidades relacionais. 
 Os açúcares que comprei hoje foram para os textos. 
 Não gosto de açúcar. 
 Nem de ter que lutar contra as instabilidades do afeto. 
 Eu apenas quero a paz da gangorra ausente... 



quarta-feira, 19 de outubro de 2016

CURTA -- metr.





Contos de Ronda Alta



 Vai, Dinorá!! 
“- Agora vai!”. Assim gritava no teclado a turba de amigos e parentes de Dinorá, naquela rede social que mais parece uma comprida passarela reta de curtos egos tortos. Ano após ano, surgia um novo pretendente numa postagem decorada com flores e esperança, que a conduziria merecidamente por reputação ilibada e notório saber ao castelo dos sonhos. Lembrei-me da história do espermatozoide manco, que nunca havia conseguido vazar da bolsa escrotal para realizar ou ao menos tentar o seu sonho de fecundar um óvulo: de vez em quando, os outros sptz faziam uma corrente-pra-frente, abraçando-o, e partiam em retirada... até que o primeiro lá da frente gritava “para! volta tudo que é punheta!”. Uma piada, representava com excelência as relações da moceta quarentinha em corpo de vinte, mas com exagerados seios turbinados de sessenta. Alternava a duração das relações, só para não ficar tudo sempre igual, afinal toda rotina merece um impulso em forma de mudança, mesmo que ridícula. Ah, Dinorá...gabava-se de sua performance sexual, em qualidade e quantidade. Mas havia uma pedra filosofal em sua história: o grande amor de sua vida, Lobão era casado. Um grande covarde que se tornou um grande amor por fazê-la gozar dezoito vezes numa noite de São João. Covarde por fazer juras de amor com o pau na mão. Depois que ele ejaculava, era “thau que minha esposa me espera...um dia nós vamos casar...”. Um imperfeito político em campanha, e ela acreditava. E chorava. E quando copulava com um novo namorado das redes sociais, fechava os olhos verdes e pensava em Lobão, o covarde, para poder chegar ao clímax ao menos uma vez. O rodízio era variado, tinha de tudo. De auxiliar de padaria até médico, de gerente de concessionária de veículos até sócio de lava-car. Tais relacionamentos não duravam, cada qual por sua gota d’água, mas o líquido do copo era o mesmo, ela fingia que não sabia: o amor frustrado por Lobão, porque não era amor. Ainda esperava ele chegando num cavalo branco na noite de Natal. Pegava um vinho e contava as badaladas da meia-noite em solidão e silêncio, tentando escutar no portão ou no celular o chamado do covarde que nunca veio, jamais viria. Mas foi opção dela, conduzir sine die o sujeito em seu pódio, ao mesmo tempo em que anunciava outro voluntário. Trabalhadora, a mulher. Mas as pessoas não podem ser apenas trabalhadoras: há de se louvar o ganha-pão, entretanto, outras qualidades precisam estar presentes quando se trata de relações afetivas. Até porque, ninguém fica no trabalho o tempo todo pensando e desenhando seu amor num papel qualquer. Mas será que era mulher mesmo? Uma mulher pode ser considerada uma Mulher se ela for falsa, inventando amores que não passam de uma farsa e ainda sendo fraca na condução da coisa? Um homem pode ser Homem se for covarde? Até onde o gênero sexual determina o caráter de uma pessoa humana? Três efes, o filme que falta, já tem roteiro por aí, lá no bairro de cima. Dinorá tentou inovar uma vez, afinal aqueles sites de relacionamento estavam praticamente gastos feito as camisinhas que ela dizia que usava com os moços da hora, #sqn. Falando nisso, a dupla-penetração com amigos foi uma estória fantástica, teve um "namo" que quase quebrou o queixo quando ouviu tal narrativa numa tarde de ninar. Jamais deveria ser condenada por isso, a moral é algo tão relativo quanto o clima das estações em planalto de pinheirais. Voltando, largou um pouco dos sites e foi se envolver com um sujeito dez anos mais velho, conhecido de passagem do passado. Encantou o cara, o qual por isso demorou demais para sacar a jogada, o jogo, a cilada. Desta feita, ela fez juras, mas sem dizer que eram de amor. Pudera, Covarde nunca sairá do primeiro lugar. Feita a descoberta, Marcão a aconselhou sobre relacionamentos, sugeriu amizade. Mas ela sempre precisava mostrar na rede para o dito cujo do Lobão, que estava feliz, mesmo sendo mentira. Coitada, queria fazer ciúme, como se Lobão quisesse outras coisas com ela além de soprar sua vagina já reformada em motéis da floresta. Dinorá sentia ciume da mulher de Lobão, por vezes se achava a primeira, recusava a alcunha de amante. Qual o que. Lobão era fodão, mas não era Homem. Mesmo assim, era o "homem" que ela elegeu, o cara que ela quis, que ela construiu para ela. Toda mulher constrói seu príncipe. Do jeito que findava as relações, Lobão era rei. Mas a eternamente súdita sempre com insegurança e medo, mentiras e omissões, dando ouvidos à velha mãe, um tipo Madame Min da selva; e também ao filhinho Bambi, um adolescente muy delicado, caprichoso gostava de opinar sobre os machos da mami. Dina, quarenta e poucos anos de frustrações e fofocas, e ainda com um covarde no alto do coração. Sem chance pra ninguém. Nem rico, nem pobre. Ela apenas montava um barraco no final fazendo valer seu lema “homem é tudo igual, só muda o tamanho do pau”. Era por isso que começava, dava, não andava e acabava: sentia em cada fim de relação, uma porta abrindo para a entrada de Lobão. Mas este, só entrava nos motéis. Coitada de Dinorá, coitada dela. Mais um caso de submissão feminina ao machismo tipicamente bolsonarista de opressão e controle. Ela tinha um vibrador bem pequenininho. Jamais mudaria seu critério referencial de valorização de uma pessoa humana. Quem sabe o pinto de Lobão fosse diretamente proporcional à sua paixão; quem sabe, sua pomba com perineoplastia fosse inversamente proporcional a um amor verdadeiro: tolices! Escrevo isso para lembrar que o sexo, não sustenta sentimento. O sexo, quando alimentado com ilusão, é uma ponte para a infelicidade. Março. Lá estava ela se recadastrando nos sites de companhia. Lá estava ela apelando para encontrar alguém que fizesse Lobão sair definitivamente da toca. Ninguém mandou ela se entregar a um animal, foi voluntário. Suas condutas, tornaram-se animalescas. Pinto, pomba, lobo, galinha. É outra que não vive na cidade, sobrevive numa selva. Dingobel, mais um Natal sem ninguém. Dá nada não, todo ano tem vestibular, campeonato de futebol e cadastro em site de relacionamento. O pessoal, na pior repete: “Agora vai”... 






terça-feira, 18 de outubro de 2016

Crônica Cotidiana 44



Dois Bifes 
Conheço bem a Silva Jardim. A avenida. Seus horários e lados de melhor tráfego. Sei também dos motoqueiros, e sua falta de educação com a própria vida em relação ao risco que assumem. E o que dizer dos motoristas do transporte especial, eles é que merecem ser conduzidos à parte. Não basta a metrópole com crescimento não programado, tem que vir a chuva, a tempestade como cereja do bolo de caos com recheio de gente. Os alagamentos das galerias pluviais, as árvores velhas e ocas. E os condutores, que eu não sei para onde vão, quem sabe eles também não. Não há espaço para argumentos no trânsito daqui, tem apenas um tempo muito curto para decisões. Isso remete à arbitrariedade. Uma espécie de lei darwiniana. Dentro dos possantes com ABS, EBD e ESP, boys & seniors fazem suas letrinhas quase despencarem no asfalto, aquaplanagem zero, iludiu o vendedor. Os ônibus, todos eles, e sua aparente imunidade material, conferida apenas aos filiados ao SINDIMOC. Seus passageiros são considerados animais indo para o matadouro, com três dedos nas mãos e sapatos de camurça no temporal. No meio disso tudo, os ultravulneráveis pedestres, bolinhas de carne num jogo de fliperama. O vermelho dos expressos disfarça o sangue, o cinza dos ligeirinhos engana os ossos e o amarelo dos convencionais mistura com as hemácias e dá um tom alaranjado à morte, banalizando-a e minimizando a vida. Otávio era um cara legal. Cansado de ter patrões, aderiu logo ao UBER e foi pra rua atrás dos 75% que lhe restaria das corridas. Vendeu as coisas, comprou um seminovo preto. Ele achava um trabalho mais justo do que na supervisão da fábrica de aglomerados. Toda noite tinha o suficiente para um pouco de carne, feijão, arroz ou outras misturas paulistas para ele, a esposa e o piá. Foi naquela torrente de quarta-feira à tardinha, que encontrou o primo encharcado no ponto de ônibus na frente da rodoferroviária, deu-lhe carona. No caminho, com a féria do dia garantida, pararam para comer um espetinho. Boas risadas, lembranças. Na esquina da casa de Mariano, dois criminosos sem gravata abordaram o trabalhador. Abortaram a existência do pai da criança, o casamento da mulher. Levaram o carro e pouco mais de R$150, a maioria entrava por cartão de crédito. As gotas de sangue no chão do carro, perderam a cor. Naquele final de semana, foram 17 assassinatos na capital e região. Andar pela cidade doente é uma loteria. Eu me enganei, pois a chuva vem é para aquietar as temperaturas corporais, as ideias mentais, apaziguar os ânimos e as velocidades, atenuar as imprudências, relativizar perigos. Um texto não é uma chuva, portanto não apaziguarei inventando que o primo viria mais tarde a se casar com a viúva neste drama verídico com nomes trocados. Mas as autoridades consideram tudo isso normal. O patológico (social) é normal, para eles. Alegam que a culpa nem é das estrelas, é da própria sociedade, um irreparável mosaico de cores manchadas; repete-se: não há argumentos, arbitrariamente decidem o que falar e que isso é o certo e o suficiente; basta a palavra, porque o orçamento realmente não permite ações para quem é destituído de ideias, leia-se vontade política. Eles, não reconhecem os Silva, apenas se esbaldam na Jardins. A morte, é mesmo a única certeza do mundo, para todo aquele covarde que despreza a mobilidade urbana como sendo uma eventual mas verdadeira solução de continuidade no destino. Não é a presença do medo que assusta, é a falta de planejamento, diga-se: zelo pela coisa pública, o reconhecimento do próximo que também transita pela vida ao mesmo espaço e tempo. Juninho estava ansioso para contar para o pai a nota que recebeu na prova de História. “Mãe! A que horas ele chega?”... 



CURTA - metr.






segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Sessão Dobradinha -




 O mar em cólera. 
 A natureza ignora o homem, que a desprezou como habitat. 
 Outros homens pagam por aqueles que a desprezaram. 
 Na dimensão reduzida, a ira humana em forma de relações que sucumbem à presença do ódio. 
 Sim, o ódio é uma alga destruidora, em águas pessoais. 
 Uniões, elos, quaisquer espécies de relacionamentos podem ser contaminados. 
 Alguns, têm as algas envolvendo os seus braços; outros, o próprio pescoço. 
 E continuam como se não fossem dali. 
 O mar avança sobre a avenida, as casas. 
 A pessoa avança sobre outra, pessoa. 
 Enquanto o oceano invade orlas, a pessoa destrói laços. 
 A ressaca volta ao seu ponto de normalidade no oceano. 
 Os rompimentos, as feridas não. 
 Estes, permanecem sobre o asfalto do peito. 
 Antes, conheça além da linha d'água de alguém. 
 Visite o seu porão, veja os seus sonares. 
 Senão, será preciso muita habilidade para limpar a orla, o caminho, o passeio. 
 Pois a vida dos odiosos, não possui bueiros em suas rotas... 




sábado, 15 de outubro de 2016

Contos de Eleição



Sem Anamnese 
Os médicos e as suas histórias...aiai. Dr. Gladstone, eu presumo. Um sangue ruim, misto de inglês com polaco, corria nas veias de um sujeito bom. E olhe que esse era o seu pré-nome, o pai escolheu como uma alusão a “gladiador de rocha”, queria que o filho fosse um novo medieval, imune às forças contrárias da vida. Formou-se em Medicina em universidade particular, mas foi para o mato trabalhar. Enfim, um bom motivo para que ele largasse daquela rotina citadina e vulgar demais para as pretensões do papi. Gladinho era tarado, mas com ligeira educação. Menores de idade, senhoras, parentes, ele atacava todas as pessoas que possuíam ventre em Y. Tem ele em quantidade um material vivido digno de um seriado nacional, 1, 2, 3... . Certa feita, Glad pegou no colo duas gêmeas anãs numa festa pública, e as levou para brincar de médico-atrás-da-porta, sua reminiscência favorita. Noutras, foi preso por duas vezes dentro de dois meses num parque da cidade, bolinando sua namorada menor de idade dentro do carro à luz do dia, pelo mesmo guarda; o delegado ficou amigo do pai dele. Lá no mato, conheceu Bety, uma auxiliar de enfermagem que o acompanhava no serviço. Foram comemorar o amigo secreto com a turma do hospital de ambulância, numa comunidade rio acima. Na volta, ela declarou que estava com muitas dores nas costas, perguntou se ele sabia fazer massagem. Ele desconversou e, estranhamente, recuou do abate: arrepende-se até hoje, quase que pratica autoflagelo por isso. Voltou à capital do pecado e foi para uma clínica no centro. Na recepção, uma secretária itinerante, mudava quase todo mês de local de trabalho. Cumpria apenas o período de experiência em cada serviço, só para ver se arrumava um doutor para casar; não deu, abraço para o pipoqueiro. Na noite do amigo secreto, conseguiu, Gladstone foi o eleito. Pegou-o pelo estômago, pelo pênis e pelo pescoço. Em síntese, arrumou um homem pra chamar de seu. Mais fundo ainda, Dominette (isso mesmo) domesticou dr Gladstone, como se fosse bicho. Lamentava ela, que Eike roubara sua ideia e aplicara a coleira em sua partner no carnaval, ela não patenteou. E assim ela manteve nosso personagem por toda a vida, longe das mulheres, dos amigos, dos parentes, de qualquer pessoa que tivesse um pingo de afinidade pelo maridão. Exemplar clássico, de tão típico foi convidada a participar de um trabalho científico por uma equipe de gaúchos profissionais da área de Psiquiatria da PUC, pesquisando sobre “Relações Possessórias & Ciúme – Fronteiras entre Objeto e Doença”. Já não dava mais para ele. Ela, não dava mais seu órgão sexual (a visão dele também permitia escrever assim). Por compensação, ele fez do chuveiro solitário sua cama imaginária, onde deitava em pé toda mulher que passasse pelo seu aguado pensamento. Meia hora de banho, mais meia hora de bronha. Uma hora inteira dedicada ao car(alh)inho solitário. Bastava para seguir dominado durante as outras 23 horas do dia, passava rápido, outra ideia compulsória que adotou. Barracos, pitis, confusões, desentendimentos de toda ordem e contra quem quer que fosse, essa era a práxis de Dominette. Tudo pelo seu “amor” a tiracolo. Há muitos homens-objeto por aí. O coitado, nem podia falar. Tantas vaginas que atravessou pela vida, foi logo estagnar numa peçonhenta. Ela se abria para os outros, fechava-se para ele. Pergunto-me, como pode um cônjuge ser feliz sacrificando a existência do outro. A igreja curava tudo, dezenas de orações limpavam vez por ano a barra suja dela no tocante às relações sociais do casal, digo, dela e a submissão dele. Num lampejo de coragem, ele arriscou um beijo na boca de uma paciente no meio da consulta, Dominette estava no mesmo hospital. Por segundos, a liberdade tão ilusória que ele só tinha nos sonhos vendados. Cúmulo dos cúmulos, ela nem deixava ele frequentar a web. E foi assim que ele morreu, dez anos antes de sua morte (alguém já disse isso uma vez por aqui, acho que fui eu mesmo). É a natureza contratualista do casamento como um negócio, um acordo formal, um pacto com um santo demônio. Dava pena de Gladstone, mas era por pouco tempo, logo a gente lembrava que foi sua escolha. Mãos dadas no shopping, perna amarrada no pé da cama, do sofá da sala, cabresto humano. Quando a mãe dele apanhou da esposa, a família pensou que seria a gota d’água. Qual o quê, uma vez presente, o poder domina tudo o que vier. Supera qualquer valor, princípio, virtude. A passividade do homem brasileiro ultrapassa os limites do suportável. Essa história não tem moral nenhum, resume-se na luta entre o vazio do sexismo dele versus o vazio de espírito dela, preenchendo sua fração ideal no condomínio que poderia ser considerado um circo decadente em função de seus domadores e respectivos animais. Dr Glad não soube prospectar o amanhã, colocou na própria urna um voto auto-cabresto: coisa de democracia contaminada. Os vizinhos do prédio juravam ouvir correntes se arrastando naquele ap.. Dr Glad usava as camisas gole rolê de seu pai sob o jaleco. Ela comia cheetos vendo TV na cama na hora da novela. Ele ia para o banheiro dar boa noite à infelicidade... 




sexta-feira, 14 de outubro de 2016

[O Olhar] - segundo O AUTOR, em alguns tempos




 O olhar curitibano 
 É um mirar disfarçado 
 Atravessado feito bissetriz 
 Ou a diagonal de um quadrado 
 Dos outros olhos desvia 
 Com habilidade de maestria 
 Não por medo 
 Nem por segredo 
 Apenas por não admitir 
 Ouvir a voz do outro lado... 


 A cor da estrada 
 Cinza, ao olhar para baixo 
 Verde, se para os lados 
 Azul quando para cima 
 E alaranjada, 
     ao olhar para dentro. 
 mas não havia sol 
 e tinha toda cor... 


 Olhos coloridos 
 São armadilhas para os castanhos 
 Sobrevivência e mimetismo 
 Na selvageria da cegueira.. 


 Feche os olhos 
 E veja o que você não sentiu.. 


 Pensamento 
 É um olhar deitado no colo 
 Recebendo cafuné do silêncio... 


 poesia voltou para casa 
 andava perambulando por aí 
 sem roupa de inspiração 
 nua, 
 não era nada lá fora, 
 ninguém a via 
 nua, 
 apenas aqui 
 onde a visto de palavras 
 para deixá-la ir quando quiser 
 sem se preocupar com o clima 
 tampouco com a minha morte, 
 ou a do alfaiate que a vestia.. 


 O sentimento 
 É um olhar que perdeu o grau 
 Só enxerga dentro 
 Bem ou mal.. 


 Abraço, 
 é moldura de saudade 
 Olhar, 
 é tela do desejo... 


 No caminho do infinito 
 O olhar dela se perde 
 Justo onde se encontra 
 Na beira do abismo, 
    de tudo aquilo que poderia ter visto... 


 Meu olhar 
 Fugiu para o horizonte 
 Estou cego por querer 
 De tanto mar, 
 Que tenho para singrar... 


 Abram os olhos 
 Aproximem as bocas 
 Toquem os lábios 
 Encerrando o olhar 
 E boa viagem.. 
 O céu é mesmo aqui...