Que tipo de solidão é a sua? Você
tem família, suponho que a veja de vez em quando. Seus vizinhos! Você mora num
prédio, cheio de moradores, acho que os encontra pelos corredores. E os seus amigos,
então? Vivem lhe visitando, jantares demorados, cafés mais ou menos e almoços rápidos. O pessoal
do trabalho, sempre se falando. Sem contar as redes sociais, um emaranhado de
contatos, mesmo que virtuais. Reconheça, há muita gente ao seu redor. Talvez não
seja solidão aquilo que você sente. Pois solidão, é manter distância de muita
gente, de todo esse povo aí que eu já disse. Não é assim contigo. Você tem todas
essas conexões, possui vários recursos para escrever, cutucar, encontrar, falar,
visitar, viajar e receber ou sair com todas essas pessoas do seu mundo, em seu
mundo. Basta você querer, ou que apenas uma dentre as dezenas de cabeças que
estão em sua lista o faça. Cabeças possíveis, não os que apenas preenchem
tabelas ou panamás. Sendo desse jeitão, não há como você alegar solidão. Sei que é bonito falar
que é alguém só. Pensar assim é poético, enriquece textos, faz de si mesma uma
nova personagem que você representa em sua própria vida. Mas não, não é nada
disso. Solidão parcial? Também não. Não existe solidão em partes, fatias, porções, fragmentos, peças. Ou é total ou
não é. A falta de uma companhia... quase! Quase deu para justificar a sua
solidão, mas ainda não é o caso. Tem gente que tem companhia e vive em solidão
maior que a dos solitários. Chame isso de liberdade, é melhor. A ausência de um
amor... esfriou! Isso significa alguém que já partiu, portanto, não se pode fazer
do impossível abstrato, algo como um sentir concreto. Chame isso de saudade, é
melhor. Viu só? Você empresta outros termos e os veste com o traje da solidão.
Comece a se despir, meu bem. Retire de seu closet aquilo que não lhe pertence.
Fique ao menos uma vez, nua de seus conceitos. Não faça de uma opinião sem
profundidade, uma convicção desse porte. Solidão é outra praia, que não lhe
convida. Outra dimensão, que não lhe recepciona. Sabe por quê? Porque a solidão
é crueza. Uma escola de torturas e sofrimentos que somente os mais fortes
possuem grau em colação. Porque a solidão é uma conquista, depois de frequentar anos desta formação. Uma escola onde não existem graduandos. Nem egressos. Existem
apenas os pós-doutores. Estes sim, os imprescindíveis solitários. Fizeram daquela crueza das experiências, um aprendizado de tal nível de conhecimento da vida
que hoje são pessoas completamente céticas, indiferentes, amorfas. Falar de
amor com elas, é como contar estórias da carochinha, de ninar, fantasias
infantis que só o mundo da ternura tem. Solidão, sente quem não ama, e
respectivamente, não é amado por ninguém. Coloque aí todos os tipos de amores
que você imaginar. O solitário clássico, é um eremita de sentimentos, um urtigão
de afetos, um ermitão de sensações, claro que em mão dupla, nada sai, nada vem. Um monge sem veste nem mosteiro ou religião
para seguir. Depois de tudo, nada mais o afeta, em todos os sentidos. Mas ele
não está morto, ele serve como referência para que aqueles como você que
imaginam viver em solidão, desenganem-se e reconheçam a verdade que os rodeia. A solidão não é uma viagem, ela é uma morada. Tem paredes de ferro, piso de concreto e telhado de aço. Não há portas ou janelas. Na casa da solidão, a mesa é vazia. A sala é espaçosa. O banheiro é frio. A cozinha
é silenciosa. Na casa da solidão, o quarto é sempre escuro. O cão não late, as
árvores não dançam, a chuva não fica. Na casa da solidão, o sol passa e vira o rosto, a
música é surda e a poesia é cega. Na casa da solidão, a alegria dorme no porão
e a tristeza brinca no ático. As lágrimas são as folhas secas caídas e pisadas no jardim.
Os sorrisos são os desenhos estampados nos panos de prato. Na casa da solidão,
a felicidade está guardada num baú, a saudade na adega e a esperança no freezer.
Na casa da solidão, o tempo já passou e o lugar não se fez adequado. Ou seja, a casa da
solidão é o símbolo-mor de um morador só e para um só habitante. Enfim, a casa da solidão não é Endereço, digno onde viva alguém que possa ao menos uma vez na vida ser
considerado um anfitrião, quiçá uma companhia. É somente uma morada depois de tudo, e antes do nada. Pronto...abra os seus olhos...e
sinta a plenitude na pluralidade das cores de todo o seu agora reconhecido, universo relacional...
música A-cidental
"Você" - Tim Maia
cover de Gui
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