Aequilibrium
Ela não perguntou dos sonhos dele.
Ela não sabe dos desejos dele. Pessoas com certa bagagem, têm receio de
comentar sobre o futuro, mesmo que ele esteja logo ali, amanhã ou depois.
Carregam o passado na bolsa e nas pastas, peso extra porque ainda não
conseguiram encontrar lugar adequado em casa para guardá-lo sem que houvesse
interferência no presente. E o que importa é o presente, é este o discurso. Só
que tudo vira presente, desde o conteúdo do passado até a aversão ao futuro.
Uma confusão temporal, espécie de chuva que não cai mas assusta; de medo que
ronda mas não grita. Um ontem que se agiganta, apequenando o amanhã. Não pode
ser assim. Temos que arrumar o quarto, a sala, a despensa, a garagem. As
prateleiras, os armários e os baús de preferência. Muita coisa ainda não
jogamos fora, compondo aquele fardo imenso arrastado por motivos que não sabemos bem,
saudosismo talvez. Eu, do lado de cá desse texto imaginário, também guardo algo
insistente, supérfluo até. Mas, diferentemente deles, isso não atrapalha meus episódios
oníricos, minha “casa” está em ordem. E como a vida dos escritores não interessa
a ninguém, volto ao tema como um reles cronista no observatório do mundo. Só para
dizer que ela não o compreenderá. Quando os pesos (senti)mentais são diferentes, não há
equilíbrio na gangorra relacional. Ao contrário do que se imagina, aquele que
leva carga excessiva, fica suspenso no espaço do próprio parquinho. Quem está mais leve,
tem os pés no chão. A leveza da vida permite não invadir a natureza ao redor, o
andar superior, o próximo degrau, a nova manhã, o dia de hoje. As marcas
visíveis e audíveis do passado, fazem o oposto, tomando conta do cenário
existencial. Cicatrizes, ora mudas, ora estampadas, ferem a paisagem do ambiente,
enchendo a casa de porta-retratos. Parece não haver quadros em branco no
quartinho da bagunça. Parece que não há cadernos novos, arquivos novos para
serem preenchidos. Na verdade, tudo isso existe e é conhecido como chance, mas as
tintas ressecaram. As mãos estão nos bolsos. A voz emudeceu, a luz se apagou. Um breu de expressividade
ofusca o próximo sol. É bom contar histórias. Mas o dia em que as pessoas reunirem-se
para fazer história, será impávido. Tranquilo e elegante como a música previu. Soraia
e Otávio precisam de organização doméstica. Um pouco de maquiagem para apagar
as impressões. De Pinho Sol no piso do caminho. Livrarem-se das roupas antigas. Abrirem as respectivas janelas,
oxigenar o tempo. Quem sabe, andar nus pela praia. Numa praia tão deserta
quanto um vil e por tanto ingerente passado sequer possa imaginar ser possível. Deserta de
lembranças. Ausente de marcas. Repleta de chances. Tomada de chão..
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