segunda-feira, 4 de julho de 2016

Crônica Cotidiana 34




Aequilibrium 
Ela não perguntou dos sonhos dele. Ela não sabe dos desejos dele. Pessoas com certa bagagem, têm receio de comentar sobre o futuro, mesmo que ele esteja logo ali, amanhã ou depois. Carregam o passado na bolsa e nas pastas, peso extra porque ainda não conseguiram encontrar lugar adequado em casa para guardá-lo sem que houvesse interferência no presente. E o que importa é o presente, é este o discurso. Só que tudo vira presente, desde o conteúdo do passado até a aversão ao futuro. Uma confusão temporal, espécie de chuva que não cai mas assusta; de medo que ronda mas não grita. Um ontem que se agiganta, apequenando o amanhã. Não pode ser assim. Temos que arrumar o quarto, a sala, a despensa, a garagem. As prateleiras, os armários e os baús de preferência. Muita coisa ainda não jogamos fora, compondo aquele fardo imenso arrastado por motivos que não sabemos bem, saudosismo talvez. Eu, do lado de cá desse texto imaginário, também guardo algo insistente, supérfluo até. Mas, diferentemente deles, isso não atrapalha meus episódios oníricos, minha “casa” está em ordem. E como a vida dos escritores não interessa a ninguém, volto ao tema como um reles cronista no observatório do mundo. Só para dizer que ela não o compreenderá. Quando os pesos (senti)mentais são diferentes, não há equilíbrio na gangorra relacional. Ao contrário do que se imagina, aquele que leva carga excessiva, fica suspenso no espaço do próprio parquinho. Quem está mais leve, tem os pés no chão. A leveza da vida permite não invadir a natureza ao redor, o andar superior, o próximo degrau, a nova manhã, o dia de hoje. As marcas visíveis e audíveis do passado, fazem o oposto, tomando conta do cenário existencial. Cicatrizes, ora mudas, ora estampadas, ferem a paisagem do ambiente, enchendo a casa de porta-retratos. Parece não haver quadros em branco no quartinho da bagunça. Parece que não há cadernos novos, arquivos novos para serem preenchidos. Na verdade, tudo isso existe e é conhecido como chance, mas as tintas ressecaram. As mãos estão nos bolsos. A voz emudeceu, a luz se apagou. Um breu de expressividade ofusca o próximo sol. É bom contar histórias. Mas o dia em que as pessoas reunirem-se para fazer história, será impávido. Tranquilo e elegante como a música previu. Soraia e Otávio precisam de organização doméstica. Um pouco de maquiagem para apagar as impressões. De Pinho Sol no piso do caminho. Livrarem-se das roupas antigas. Abrirem as respectivas janelas, oxigenar o tempo. Quem sabe, andar nus pela praia. Numa praia tão deserta quanto um vil e por tanto ingerente passado sequer possa imaginar ser possível. Deserta de lembranças. Ausente de marcas. Repleta de chances. Tomada de chão..   


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