segunda-feira, 11 de julho de 2016

Contos de Fração Ideal



801 

Papo de condomínio. A síndica perguntou à vizinha do 901 qual era a idade do seu filho. A simpática senhora respondeu-lhe e contou isso para ele. O lobo sentiu cheiro de presa no prédio. Mas ele jamais entrara lá como se fosse numa floresta. Aliás, em lugar nenhum, em tempo algum. Abatia somente quem desejasse morrer em sua toca, voluntariamente, sem sugestões. As pessoas continuam morrendo pela boca. No elevador do sábado vespertino, partiram do térreo juntos, só os dois. Ela, a síndica sexagenária, mantinha traços interessantes, uma ex-balzaquiana. Ele, dez anos menos velho, após alguns poucos segundos de suspense ocular, perguntou-lhe na altura do segundo andar, por qual razão ela havia questionado aquilo à sua mãe. Pegou-a de surpresa, que ela respondeu com uma indiferença qualquer – dessas vezes em que o silêncio é tão revelador que dispensa toda voz. Ele, então, aconselhou-a a tomar cuidado, porque assim como as palavras se estendem em frases, as frases podem se estender em ideias, que por sua vez podem encolher-se em desejos, já não mais ocultos. Era o caso, na semana anterior, pelo disfarce explícito em forma de interrogação banal. Ela se fez de ingênua e entrou com ares superiores em seu AP, fechando a porta do elevador com os olhos no chão, para não dizer nas pernas do homem. Hora e meia depois, ela ainda o esperava escondida dentro do carro na garagem. Quando ele entrou na van, ela deu sinal de luz. Ele fingiu que não sabia o que estava acontecendo. Ela fingia que não estava nervosa. Foi até a vaga dela, ocupou-a noutros sentidos. Eles fingiram que se amaram como jovens. O amor, se estivesse, deveria estar na mente, ou seja, bem longe daqueles corpos. Longe da carência fisiológica dela, da necessidade alfa dele. Transaram mais umas quatro vezes, foi o suficiente. Todas em silêncio. O exercício do sexo é o último que resta para quem não sabe amar na prática... 


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