terça-feira, 26 de julho de 2016

Crônica Cotidiana 36



Quando A Mulher Trai 
Ela rompe alguns laços, do emaranhado. Eu disse que é rompimento, e de laços que não são como as lagartixas, não sofrem regeneração. Reatá-los, é inútil. É como sair à rua com esparadrapos na testa, micropores e bandeides aportuguesados pela face, gazes nas juntas, ataduras contrabandeadas nas extremidades, quase mumificação. Existem laços fundamentais num relacionamento. Uma vez rompidos, já não é mais relacionamento, é decadência. Mas quando é a mulher quem faz isso, a coisa muda de figura. Longe de se tratar de machismo e outros ismos, há uma peculiaridade na traição feminina: a mulher trai por sentimento. É muito pior ou melhor do que a maioria das traições masculinas, por desejo. O argumento do homem é uma simples justificativa, o da mulher é fundamento. Enquanto ele vacila em suas intentadas, ela age como se não, se nada, se nunca houvesse. E ela não faz por vingança. Por direitos iguais, ela não faz. Ela faz quando se sente apta em desafiar um novo sentimento por alguém que não necessariamente demonstre mais força na união de eventuais elos, laços. Então ela se transforma, e parte em direção à experiência. Não tarda, se entrega de corpo e alma ao amante, parindo e criando o número dois. Mas o segundo é para a sociedade, em seu pódio interno, só existe um, e não é mais o marido, esposo, ou qualquer outra coisa antiga e ultrapassada que se possa chamar. Sim, a mulher sente muito mais do que um desejo. Ele, por carne e sangue; ela, por corpo e alma. O homem quer algumas horas e pensa no agora, ela quer tempo e pensa no amanhã. O homem quer determinados lugares, ela quer espaço. Ele se despede, a mulher quer mais. Ele promete, a mulher acredita. A amante do homem é boa de cama e de lábia. O amante da mulher é razoável na cama e dissimulado. Fossem profissionais, a amante dele seria uma advogada, o amante dela um corretor imobiliário. Fernanda chegou ao ponto de ignorar os filhos e o lar, em prol do Dr Alberto, preceptor de sua residência no Hospital Mater Dei. O médico, acostumado a destruir uniões, galanteava-se de que só contribuía com 50% disso, o resto era culpa da fêmea, sua próxima vítima, fruto caído de assédio moral com dolo e êxito. Gerson, o corno de Fernanda, mantinha a coisa (emaranhado) aguardando seu filho crescer, queria levá-lo sem guarda compartilhada ou não ao futebol. Transava de vez em quando com uma professora de Sociologia, solteirona convicta na faculdade onde lecionava Direito. Ambos (ex-casal), mantinham as aparências da porta para fora. Dentro da habitação, filhos trancados no quarto soltos pelas redes sociais, laços desfigurados pelo chão da casa toda, feito tapetes esfiapados, deselegância em forma e principalmente no conteúdo. Camas frias, calor só no chuveiro e na cozinha. Sofás e televisores independentes, salas distintas, morna mesa de jantar. Não há mais mercúrio em lugares assim. Nem importa se a prática da traição necessita argumento físico ou fundamento afetivo. Trair é só um verbo alegórico para disfarçar o engano, o engodo da errante e portanto sedutora existência alternativa, a substituir fracassos de escalação principal. Milhares de casais como eles insistem e resistem nas cidades, sem coragem para o enfrentamento da verdade. Que bom seria se assumissem e vestissem as respectivas fantasias antes que as crianças da vida se sintam como cedros crescendo em plenas alamedas dos cemitérios municipais...   



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