Diametralmente oposta a qualquer ordenamento jurídico, DESUNIÃO ESTÁVEL é uma imaginária relação multiafetiva ousada entre a Poesia e a Música. Como esses valores estão em declínio nos dias pós-modernos, decidi promover impulsos de acasalamento sentimental entre ambas, com a substancialidade e a emoção que brota dessas duas formas de expressividade dos sujeitos na sociedade civil, ou seja, nascentes da natureza humana. Aos amantes, as cortesias da Casa.
Que tipo de solidão é a sua? Você
tem família, suponho que a veja de vez em quando. Seus vizinhos! Você mora num
prédio, cheio de moradores, acho que os encontra pelos corredores. E os seus amigos,
então? Vivem lhe visitando, jantares demorados, cafés mais ou menos e almoços rápidos. O pessoal
do trabalho, sempre se falando. Sem contar as redes sociais, um emaranhado de
contatos, mesmo que virtuais. Reconheça, há muita gente ao seu redor. Talvez não
seja solidão aquilo que você sente. Pois solidão, é manter distância de muita
gente, de todo esse povo aí que eu já disse. Não é assim contigo. Você tem todas
essas conexões, possui vários recursos para escrever, cutucar, encontrar, falar,
visitar, viajar e receber ou sair com todas essas pessoas do seu mundo, em seu
mundo. Basta você querer, ou que apenas uma dentre as dezenas de cabeças que
estão em sua lista o faça. Cabeças possíveis, não os que apenas preenchem
tabelas ou panamás. Sendo desse jeitão, não há como você alegar solidão. Sei que é bonito falar
que é alguém só. Pensar assim é poético, enriquece textos, faz de si mesma uma
nova personagem que você representa em sua própria vida. Mas não, não é nada
disso. Solidão parcial? Também não. Não existe solidão em partes, fatias, porções, fragmentos, peças. Ou é total ou
não é. A falta de uma companhia... quase! Quase deu para justificar a sua
solidão, mas ainda não é o caso. Tem gente que tem companhia e vive em solidão
maior que a dos solitários. Chame isso de liberdade, é melhor. A ausência de um
amor... esfriou! Isso significa alguém que já partiu, portanto, não se pode fazer
do impossível abstrato, algo como um sentir concreto. Chame isso de saudade, é
melhor. Viu só? Você empresta outros termos e os veste com o traje da solidão.
Comece a se despir, meu bem. Retire de seu closet aquilo que não lhe pertence.
Fique ao menos uma vez, nua de seus conceitos. Não faça de uma opinião sem
profundidade, uma convicção desse porte. Solidão é outra praia, que não lhe
convida. Outra dimensão, que não lhe recepciona. Sabe por quê? Porque a solidão
é crueza. Uma escola de torturas e sofrimentos que somente os mais fortes
possuem grau em colação. Porque a solidão é uma conquista, depois de frequentar anos desta formação. Uma escola onde não existem graduandos. Nem egressos. Existem
apenas os pós-doutores. Estes sim, os imprescindíveis solitários. Fizeram daquela crueza das experiências, um aprendizado de tal nível de conhecimento da vida
que hoje são pessoas completamente céticas, indiferentes, amorfas. Falar de
amor com elas, é como contar estórias da carochinha, de ninar, fantasias
infantis que só o mundo da ternura tem. Solidão, sente quem não ama, e
respectivamente, não é amado por ninguém. Coloque aí todos os tipos de amores
que você imaginar. O solitário clássico, é um eremita de sentimentos, um urtigão
de afetos, um ermitão de sensações, claro que em mão dupla, nada sai, nada vem. Um monge sem veste nem mosteiro ou religião
para seguir. Depois de tudo, nada mais o afeta, em todos os sentidos. Mas ele
não está morto, ele serve como referência para que aqueles como você que
imaginam viver em solidão, desenganem-se e reconheçam a verdade que os rodeia. A solidão não é uma viagem, ela é uma morada. Tem paredes de ferro, piso de concreto e telhado de aço. Não há portas ou janelas. Na casa da solidão, a mesa é vazia. A sala é espaçosa. O banheiro é frio. A cozinha
é silenciosa. Na casa da solidão, o quarto é sempre escuro. O cão não late, as
árvores não dançam, a chuva não fica. Na casa da solidão, o sol passa e vira o rosto, a
música é surda e a poesia é cega. Na casa da solidão, a alegria dorme no porão
e a tristeza brinca no ático. As lágrimas são as folhas secas caídas e pisadas no jardim.
Os sorrisos são os desenhos estampados nos panos de prato. Na casa da solidão,
a felicidade está guardada num baú, a saudade na adega e a esperança no freezer.
Na casa da solidão, o tempo já passou e o lugar não se fez adequado. Ou seja, a casa da
solidão é o símbolo-mor de um morador só e para um só habitante. Enfim, a casa da solidão não é Endereço, digno onde viva alguém que possa ao menos uma vez na vida ser
considerado um anfitrião, quiçá uma companhia. É somente uma morada depois de tudo, e antes do nada. Pronto...abra os seus olhos...e
sinta a plenitude na pluralidade das cores de todo o seu agora reconhecido, universo relacional...
Ela rompe alguns laços, do
emaranhado. Eu disse que é rompimento, e de laços que não são como as
lagartixas, não sofrem regeneração. Reatá-los, é inútil. É como sair à rua com
esparadrapos na testa, micropores e bandeides aportuguesados pela face, gazes nas juntas, ataduras contrabandeadas nas extremidades, quase mumificação. Existem
laços fundamentais num relacionamento. Uma vez rompidos, já não é mais
relacionamento, é decadência. Mas quando é a mulher quem faz isso, a coisa muda
de figura. Longe de se tratar de machismo e outros ismos, há uma peculiaridade
na traição feminina: a mulher trai por sentimento. É muito pior ou melhor do que a
maioria das traições masculinas, por desejo. O argumento do homem é uma simples
justificativa, o da mulher é fundamento. Enquanto ele vacila em suas intentadas,
ela age como se não, se nada, se nunca houvesse. E ela não faz por vingança. Por
direitos iguais, ela não faz. Ela faz quando se sente apta em desafiar um novo
sentimento por alguém que não necessariamente demonstre mais força na união de
eventuais elos, laços. Então ela se transforma, e parte em direção à
experiência. Não tarda, se entrega de corpo e alma ao amante, parindo e criando
o número dois. Mas o segundo é para a sociedade, em seu pódio interno, só
existe um, e não é mais o marido, esposo, ou qualquer outra coisa antiga e ultrapassada que se
possa chamar. Sim, a mulher sente muito mais do que um desejo. Ele, por carne e
sangue; ela, por corpo e alma. O homem quer algumas horas e pensa no agora, ela quer tempo e pensa no amanhã. O homem
quer determinados lugares, ela quer espaço. Ele se despede, a mulher quer mais. Ele
promete, a mulher acredita. A amante do homem é boa de cama e de lábia. O amante da
mulher é razoável na cama e dissimulado. Fossem profissionais, a amante dele seria uma
advogada, o amante dela um corretor imobiliário. Fernanda chegou ao ponto de ignorar
os filhos e o lar, em prol do Dr Alberto, preceptor de sua residência no
Hospital Mater Dei. O médico, acostumado a destruir uniões, galanteava-se de
que só contribuía com 50% disso, o resto era culpa da fêmea, sua próxima vítima, fruto caído de assédio moral com dolo e êxito. Gerson, o corno de
Fernanda, mantinha a coisa (emaranhado) aguardando seu filho crescer, queria
levá-lo sem guarda compartilhada ou não ao futebol. Transava de vez em quando com uma professora de Sociologia, solteirona convicta na faculdade onde lecionava Direito. Ambos (ex-casal), mantinham as
aparências da porta para fora. Dentro da habitação, filhos trancados no quarto soltos
pelas redes sociais, laços desfigurados pelo chão da casa toda, feito tapetes esfiapados, deselegância em forma e principalmente no conteúdo. Camas frias, calor só no chuveiro e na cozinha. Sofás e televisores independentes, salas distintas, morna mesa
de jantar. Não há mais mercúrio em lugares assim. Nem importa se a prática da traição necessita argumento físico ou fundamento afetivo. Trair é só um verbo alegórico
para disfarçar o engano, o engodo da errante e portanto sedutora existência alternativa, a substituir fracassos de escalação principal. Milhares de casais como eles
insistem e resistem nas cidades, sem coragem para o enfrentamento da verdade. Que
bom seria se assumissem e vestissem as respectivas fantasias antes que as crianças da vida se sintam como cedros crescendo em plenas alamedas dos cemitérios municipais...
Sete da manhã, parei no sinal
fechando no cruzamento da linha férrea. A dois metros de mim e sobre o trilho, um
andarilho aguardava o instante de atravessar. Barba enorme e cabeleira, deixava apenas seus
olhos de fora, quase um lobisomem subtropical. Uns quarenta e poucos anos, de
estatura baixa, vestia uma jaqueta de nylon azul, uma calça de moletom preta e
um tênis que não lhe servia. Levava na mão esquerda um grande saco plástico,
com aquilo que ele achava importante dentro; corrijo: essencial, porque mendigos não levam consigo coisas desnecessárias. Meu momento parnasiano idiota, num gesto
tipicamente caótico de metrópole, fechei o restante do vidro que mantinha aberto para não embaçar o carro, com a justificativa que apenas eu
escondi e todo mundo veria, tentando preventivamente evitar que ele viesse me
pedir algo que eu não tinha para lhe dar. Só havia eu e ele naquele recorte da
cidade. Foi então que o estigmatizado pôs-se a andar-correndo, num trote feito em lenta marcha olímpica, quando fez-se o meu espanto: ele olhou bem nos meus olhos,
levantou o polegar opositor e agradeceu positivamente por eu ter parado, repetiu o ato outra vez em seu trajeto. Coitado, ele agradecia sem saber que eu estava
cumprindo uma ordem, dessas que tentam regular a vida em sociedade, ou seja,
era nada mais do que a minha obrigação. Mas ele fez aquilo com tanta educação e
naturalidade, que eu afastei o caráter ingênuo da coisa e atribui medo. Ele fez
isso por medo. Medo talvez de que lhe insultassem...de que tocassem o carro em
cima...que o atropelassem de novo... e por aí vai. Quando ele já estava na
calçada, olhei novamente pelo canto dos meus olhos para rever a criatura, ele
voltou seu olhar e me agradeceu com a cabeça pela última vez. Copiei-me de
lágrimas, não chegaram a cair, mas eram lágrimas. Um misto de revolta, diante
daquela realidade nacional. Revolta por não termos feito tudo aquilo que podíamos,
ainda somos os mesmos e nos omitimos como nossos pais. Isto é, quem poderia ter
feito algo por essa gente que não é como a gente, mas é muitas vezes mais gente
que a gente que não faz nada por eles. O sinal abriu e eu acelerei abrindo a janela também para não
chegar no meu destino com os olhos vermelhos. Vim, pensando nos obstáculos que aquele
centauro não teve condições de enfrentar para que retrocedesse até ali, naquela situação desumana de
sobrevivência capital. Parei, e resolvi pensar qual a estimativa que ele mesmo teria
sobre seu futuro, o que significaria o amanhã para ele. Concluí, que significava
nada. O importante era vender aquelas latinhas hoje, para tentar comer alguns
pães com margarina que alguém vendia num barraco de tábua & zinco vizinho, à beira de um rio urbano qualquer, mal canalizado e há décadas morto. Não é possível que a morte não seja melhor
que a vida. Vou chamá-lo de Cláudio. Se ele não tem CPF, ao menos um nome ele
merece. Lembrei que eu não encontrei Deus naquela cena daquele marginalizado
perambulando pela existência imprópria, seletiva, darwiniana, cruel. Mas lembrei
também que eu encontrei algo em seu humilde agradecimento, veio da comunicação entre os seres. E eu não sei o que é.
E não era, pois permanece até agora. Sei lá. Talvez aquilo que eu pensei ser o
seu medo, fosse a simples coragem para olhar o próximo e fazer-lhe uma saudação. Cláudio
cata latas de alumínio, enquanto eu dispenso ilusões em metais nobres: a realidade, é muito mais
dele. Na padaria, comprei dois pães frescos, para neles passar manteiga em casa de alvenaria. Talvez a cidade viva mesmo em estado crítico de emergência, suplicando
por uma nova consciência e juventude. Cláudio não pôde aprender nada nos
discos...
dois
corações Ao léu das quatro estações... Baby, minha amada Quero tocar pra você Depois do amor na madrugada Essa música doce Como se bombom seu eu fosse E você, A eterna namorada...
"Impossível Acreditar Que Perdi Você" - Márcio Greyck
por Três Meninas do Brasil
"Você Não me ensinou a Te Esquecer" - Fernando Mendes e outros