terça-feira, 9 de agosto de 2016

ELEGIA 323



Tu insistes, em manter teu território sobre estes mesmos quilômetros quadrados de outrora. Aqui, onde circula tanta matéria invisível que passa batida diante da pobreza de tua acuidade visual. Tivesses mais apuro, os ácaros de tua bela chaise long seriam docilmente domesticados. Mas não, ao contrário, diriges tua vida apontando mira sobre o macromundo que te engloba feito anticorpo, sendo tu o agente estranho ao organismo social, é claro que sem perceberes. Tu não és equino, e usa viseira; nem canino, apesar da coleira; mas te consideras racional ao extremo, a ponto de não te perderes por tuas emoções. A metrópole é o teu meio de cultura, um agár-agar espalhado e sem bordas para incorporar elementos das RMs sob o falso discurso da liberdade de ir & vir, mesmo que encerrado o transporte público integrado. Aqui, onde teus olhos abertos passeiam inocentes sobre o calçadão, ignorando a poluição que recai sobre tua pele deixando manchas negligentes e penetra nas epidermes até atingir a corrente vermelha mas desbotada que leva ao cérebro. Aqui, o mesmo lugar onde substâncias químicas inodoras das mais nocivas adentram os teus pulmões disfarçadas de moléculas de oxigênio, causando males que só os pneumologistas duvidam. Tudo, fazendo de ti mais um componente - ou um componente a mais - do índice das doenças hodiernas adquiridas. Sim, nesta terra sem palmeiras onde morrem os sabiás-laranjeira, prevalecendo a música urbana dos veículos automotores sobre a sonoridade dos diálogos presenciais, também mortos pela modernidade comunicativa, outra retórica que usa fantasia para entrar na festa, sentar-se logo na primeira mesa, e então iniciar o distanciamento entre as pessoas. O tabaco alivia, o álcool alegra, as outras drogas libertam e os três aleijam. De novo: morremos pela boca. E ainda gritando que não. Que não é assim, que aqui é o paraíso, que eu estou vesgo e não vejo direito. Que sou desalmado, pessimista e retrógrado. Pois ainda não somos capazes de reconhecer que a qualidade de vida nesta cidade resumiu-se a uma tese. Num restaurante classe A, incautos levantaram-se para aplaudir a entrada de um togado que desordenou e retrocedeu o país, sob comando de interesse externo: a alienação é outro tipo de poluição às cegas. Tão cegas que não se percebe que a fumaça é vizinha e não é branca. Contaminadas as pessoas, o solo, as águas e as plantas, resta-te o fogo para queimar o último microrganismo que te aflige, te prende, te dói, te mata aos poucos. Mas não te enganes, não é o fogo do amor. É o fogo da vontade capaz de te mover em definitivo até um lugar onde o avistamento do horizonte não seja impedido por arranha-céus, de onde seja possível ver a lua e o sol faça o menor número de sombras possível. Basta a sombra interna dos teus medos. Como o medo de amar. Ou como o medo de ir embora. Para apenas viver um segredo. Ou para acordar tão puro quanto a aurora... 




Nenhum comentário:

Postar um comentário