Tu
insistes, em manter teu território sobre estes mesmos quilômetros quadrados de
outrora. Aqui, onde circula tanta matéria invisível que passa batida diante da
pobreza de tua acuidade visual. Tivesses mais apuro, os ácaros de tua bela
chaise long seriam docilmente domesticados. Mas não, ao contrário, diriges tua
vida apontando mira sobre o macromundo que te engloba feito anticorpo, sendo tu
o agente estranho ao organismo social, é claro que sem perceberes. Tu não és
equino, e usa viseira; nem canino, apesar da coleira; mas te consideras
racional ao extremo, a ponto de não te perderes por tuas emoções. A metrópole é
o teu meio de cultura, um agár-agar espalhado e sem bordas para incorporar
elementos das RMs sob o falso discurso da liberdade de ir & vir, mesmo que
encerrado o transporte público integrado. Aqui, onde teus olhos abertos
passeiam inocentes sobre o calçadão, ignorando a poluição que recai sobre tua
pele deixando manchas negligentes e penetra nas epidermes até atingir a
corrente vermelha mas desbotada que leva ao cérebro. Aqui, o mesmo lugar onde
substâncias químicas inodoras das mais nocivas adentram os teus pulmões
disfarçadas de moléculas de oxigênio, causando males que só os pneumologistas
duvidam. Tudo, fazendo de ti mais um componente - ou um componente a mais - do
índice das doenças hodiernas adquiridas. Sim, nesta terra sem palmeiras
onde morrem os sabiás-laranjeira, prevalecendo a música urbana dos veículos
automotores sobre a sonoridade dos diálogos presenciais, também mortos pela
modernidade comunicativa, outra retórica que usa fantasia para entrar na festa,
sentar-se logo na primeira mesa, e então iniciar o distanciamento entre as
pessoas. O tabaco alivia, o álcool alegra, as outras drogas libertam e os três
aleijam. De novo: morremos pela boca. E ainda gritando que não. Que não é
assim, que aqui é o paraíso, que eu estou vesgo e não vejo direito. Que sou
desalmado, pessimista e retrógrado. Pois ainda não somos capazes de reconhecer
que a qualidade de vida nesta cidade resumiu-se a uma tese. Num
restaurante classe A, incautos levantaram-se para aplaudir a entrada de um
togado que desordenou e retrocedeu o país, sob comando de interesse externo: a
alienação é outro tipo de poluição às cegas. Tão cegas que não se percebe que a
fumaça é vizinha e não é branca. Contaminadas as pessoas, o solo, as águas e as
plantas, resta-te o fogo para queimar o último microrganismo que te aflige, te
prende, te dói, te mata aos poucos. Mas não te enganes, não é o fogo do amor. É
o fogo da vontade capaz de te mover em definitivo até um lugar onde o
avistamento do horizonte não seja impedido por arranha-céus, de onde seja
possível ver a lua e o sol faça o menor número de sombras possível. Basta a
sombra interna dos teus medos. Como o medo de amar. Ou como o medo de ir
embora. Para apenas viver um segredo. Ou para acordar tão puro quanto a
aurora...
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