Os Cinco Espelhos
Diz a lenda - tão urbana que poderia
ser considerada apenas um conto - que o avistamento de cinco espelhos em série,
faz o homem morrer sem sentir dor. Entre loiras fantasmas, piratas das Mercês e
grávidas da Praça da Ucrânia, é a mais sensata, já que existe uma mínima
possibilidade de acontecimento, seja por simples coincidência. Relacionam com a
transposição das fases da vida e o consequente olhar para o passado: infância,
adolescência, juventude, fase adulta (até agora não encontraram uma palavra que
exprimisse isso num só termo) e velhice. Após o quinto espelho, se você chegou
lá, é hora de partir pois não haverá mais espelhos pela frente. Talvez já não haja
mais o que rever lá atrás. Ele fotografou a sequência, ficou bonitinho para uma
rede social onde só se escreve coisa triste. A vida é tão bela, que é preciso
equilibrá-la com coisas menos belas. Armando Bott aguardava o filho na saída do
colégio, na rua vicinal. Chamam de Jardim Ambiental. A cada dia, um novo
ambiente retrata uma fatia da sociedade local. Anteontem, dois rapazes
desocupados tragavam a liberdade advinda da dependência química em forma de
pacau, fininho, beise, aceso para garantir a larica do almoço; ao pé do
cipreste, como se fosse natureza, chamando bucolicamente os alunos que
passassem por ali a fazer o mesmo, desde que adquirissem o seu produto, da
lata. Ontem, duas meninas matadoras-de-aula acomodaram-se por ali para iniciar
a atividade tabagística, com muita tosse e pose para a garotada reparar na
coragem de sua transgressão, nos passos que deram a frente, mesmo que em
direção ao abismo de sua saúde. É maresia pra todo lado, a juventude pinta de
azul petróleo as nuvens chumbo que exalam ao redor de si. O mesmo tom artificial que dói
aos olhos comprovar quando se vê o pulmão nicotínico extraído de um cadáver
acadêmico. Cores fortes na vida, têm sim. Armando sabia que no inverno, tudo é
mais realçado. A sensibilidade, por exemplo. Visual, auditiva, tátil, do nariz
à boca, tudo tem mais força. A ausência de calor torna as pessoas mais
inclinadas àquilo que representa força, poder, magia. Um café forte, uma
decisão poderosa, um instante mágico. Todos enfileirados, os automóveis. Uma placa de pare lá
na frente. Ingênuos, todos partirão dali ignorando o outro espelho, do lado
direito. Pobre metáfora, tentando insinuar que os sujeitos preocupam-se muito
mais com o movimento do seu lado esquerdo, do que com a calmaria da calçada oposta. Vale
mais o coração do que a mente. O seu coração, pois o dos outros não sai na
foto. Ele se lembrava das relações possessórias que vivera, que vivem ou sobrevive
a maioria dos que ele conhece. Por uma brisa, que passou e instantaneamente se foi, imaginou uma relação livre, se era possível um troço desses. Mas era
brisa, e se avoou. As pessoas precisam definir para onde vão, antes de
assumirem relacionamentos; para tanto, necessitam saber para onde já estão indo quando sós. Não pelo compromisso, mas pela forma de caminhar, eis o segredo. Todo
conteúdo necessita de um formato. Lá fora, nas ruas. Porque não cabe dois
corações lado a lado na mesma rua. Por isso se atropelam, se matam e se
enganam. No lado do carona do carro de Armando, o banco vazio. Sheila
preconizava o lugar do motorista. Jamais admitiria ser conduzida por ele, mesmo
que ele só quisesse levá-la a alguns momentos de felicidade. Às vezes,
determinados jardins não são ambientes adequados para uma florada, mesmo quando junto à rua, ao movimento, o fluxo de energias. Outra estória que segue e o povo continua escolhendo errado os seus super-heróis. O amor é
torto, quando os espelhos são todos externos...
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