quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Crônica Cotidiana 37



Trânsito Impedido 
A caminhonete Hilux SW4 e ainda sem placa da madame estacionada a um metro do meio fio esperando o filhote sair da aula particular de reforço em Matemática no preparo para a semana de provas na instituição privada de ensino. O Chevette azul claro de Colombo levando com muita displicência e zigue-zague a tia e o sobrinho para a emergência tardia no Hospital de Clínicas junto com o cachorro solto lá dentro. O antigo utilitário Fiorino da firma de informática numa rua de paralelepípedos se achando em primeiro lugar no circuito do GP de Mônaco. O furgão baú VW de entregas da loja de departamentos tocando em cima de todos no centro como num bate-volta no Park Tupã. O aposentado trafegando em sua Mercedes Benz retrô a 20 km/h na Getúlio à caça pós-moderna de michês de qualquer sexo. A BMW do filhote de papai sempre querendo jogar arrancadas nos sinais para impressionar a Maria Gasolina da vez no banco do carona com um energético na mão. A executiva parada num HB-20 no sinal aberto teclando mensagens fundamentais para sua sobrevivência em seu aplicativo gratuito de futilidades no smartphone da hora. O motoboy da farmácia tirando finas entre os carros em movimento ávido e inútil tal qual o é num game eletrônico. O taxista procurando o número da casa ignorando a velocidade mínima da via. O novo membro do UBER abraçando e beijando seus passageiros no desembarque tão familiar quanto os próprios parentes dos passageiros. O motorista do Ligeirinho correndo livre e soberano como se fosse um rei na canaleta do Expresso. O piá de habilitação provisória se exibindo pros coleguinhas com o Sandero da mãe ameaçando os ciclistas nos viadutos. O empresário playboy em sua linda SUV da Hyundai virando à esquerda sem dar sinal e mostrando o coldre recheado com uma pistola quando reclamado por isso. O filho deste empresário empinando uma Hayabusa como se todos estivessem vendo seu rosto sob o capacete e lhe reconhecendo também como um exemplar top de masculinidade. A viatura ressuscitada Parati da PM sofrendo atrás de algum criminoso em fuga num Gol pela rápida do Portão. Os cotovelos expostos nas Pajeros dos soldados da RONE apontando canos que metem medo na população e não nos bandidos. A velhinha num Corolla automático se perdendo no acelerador e encontrando pessoas sobre a faixa de segurança. O bêbado num Monza cruzando as preferenciais da noite na periferia metropolitana em Campo Magro. O alcoólatra e cocainômano apostando rachas nas conectoras do Barigui. E o etilista num Touareg acelerando nas pistas rumo ao Alphaville Graciosa. Ele mora no condomínio de luxo coladinho à vila da turma do Chevette. Todos esses, sobre rodas. E com asas e sem um mínimo de [liberdade-com-responsabilidade] (isso, é tudo junto mesmo, são siamesas com uma só cabeça: ou vivem unidas ou estão mortas, ambas). O maior problema social, pertinente ao convívio entre os seus elementos, continua sendo a falta de alteridade. O não reconhecimento do próximo, desfaz os limites do indivíduo afetado, cujos atos ou omissões acabam atingindo com danos as esferas alheias, cabendo a ele apenas o crivo - sempre a posteriori - da culpabilidade ou do dolo, a ser decidido por autoridades tão suspeitas quanto os mantenedores (por causa própria) dos status quo de todos os indivíduos que nosso vil sistema de classes possa indicar. Faltam alguns dentes da bateria anterior na cidade sorriso, e não são somente superiores. A novela da excelência do transporte viário ficou démodé, ninguém mais assiste ou aceita, é ficção demais para tamanha realidade, leia-se desintegração. Binários mal distribuídos atrapalham o esquema e enchem o saco. Circulações compartilhadas arriscam tudo a a todos sem ensinar noção de espaço. O despropósito sobre a coisa pública dos gestores anteriores & atuais, levou a cidade inteira não apenas ao engarrafamento, mas ao estrangulamento do direito de ir e vir. O não planejamento urbano no tocante à mobilidade, é o entorpecente mais que trintenário na veia do caos. Pedestres... o que é isso? Multas, sabemos muito. As regras servem de enfeite, as normas (interpretação delas) são papéis, obedecê-las é relativo. O trânsito urbano de cidadãos e veículos automotores, é mais compatível com o Estado de Natureza e suas respectivas leis ‘talianas’. Pouco fluxo e tráfego em excesso, a pressão na grande circulação é altíssima, análoga à congestão orgânica: acidentes "vasculares" de toda monta, de hemorrágicos a isquêmicos. O tratamento curativo dos sinais e sintomas pelas autoridades é paliativo, penalizante e desmoralizado, decadente cultural. Punir & Vigiar, já não dá mais. Roberto e Renata foram embora com as crias para Natal. Eles querem voltar. Eles fingem que esqueceram como é aqui. A Educação há de ser atualizada, não se pode ignorá-la, é questão de consciência. Fica a pergunta: entre tantos gases lacrimogêneos, será que não temos um jeito melhor de irmos para onde vamos? Na praia, as ondas não pedem passagem... 




Nenhum comentário:

Postar um comentário