A febre. Não, ainda era febrícula. Corpo que aumenta a
temperatura para avisar de uma infecção em curso. Um sintoma, quase sinal, tão
perigoso quanto o microrganismo que desencadeou a vitória sobre a baixa
imunidade. A tosse era um disfarce para a amigdalite entrar mais tarde e sem convite na festa da minha saúde. E os linfonodos crescem, formam exército. E a defesa se lança no
território orgânico à procura dos invasores, país tem soberania, “tá pensando o
quê, Yankee?" (melhor seria “cara-pálida”; e põe pálida nisso, quase farinácea).
Concentram-se na altura da garganta, e partem para conquistar outro foco nos pulmões. É
hora de chamar reforço dos princípios ativos, pois os inimigos são fortes e
resistentes à brigada caseira. Não precisa ser os mercenários, podem vir os genéricos, o que é importa é o contingente da tropa. Então, nas dez horas da noite daquela sexta-feira,
iniciou-se a batalha interna contra um vírus altamente patogênico. O corpo
deitado na cama, destruição em massa por dentro. Já não há raciocínio, o
quartel general está cercado. Eu, Marechal do nada, comandante remido da Tropa da Solidão, fui dormir enquanto seres
do microcosmo se digladiam em meus órgãos e estruturas, automedicação nociva e negligente, estratégia que faria Sun Tzu me desertar compulsoriamente. Mas a teimosia perdeu
feio para a responsabilidade, antes do crepúsculo fui ao setor de emergência atrás de uma urgência
hospitalar. Não havia ninguém às cinco da manhã naquele gigantesco meio de
cultura bonitinho. A bichinha recepcionista acordou (ou fingiu que) com meu boa noite, num
pulinho discreto soltando “ui” (foi a bichinha quem fez isso; eu apenas pensava "ai"). Um calor confortável
naquele hall de doenças invisíveis, ao entrar pareci sair da porta para fora num aeroporto da Rio 2016. Sentado naquele ambiente descaraterizado pela ausência de frequentadores, imaginei o início de um texto. Quem sabe deveria discorrer sobre a cena do segurança que arrumava seu cinto saindo do box da bichinha quando eu cheguei. Mas isso não é relevante nem para os roteiros da Boca do Lixo, não passaria nem no malfadado Cine Arlequim. Afastei a 'desinspiração' e me entreguei à crítica de um episódio de "As Panteras" que reprisava na tv, tentando imaginar onde é que a bela Cameron foi amarrar seu bode naqueles Diaz do passado. Vinte
minutos depois, perguntei ao médico com jaleco da UCLA se havia placas em minha garganta (onde a essa altura não passava nem água pura em conta-gotas). Ele balbuciou algumas coisas que não foram compreendidas em razão de minha sinusite, fiquei com uma interpretação suspeita: "não só placas, como também cartazes, banners e outdoors" onde se lê "VAMOS INVADIR! - AHA UHU, ESSE ORGANISMO É NOSSO! - NÃO É MOLE NÃO, É TANTO BICHO QUE NEM ADIANTA INJEÇÃO! - Ô PACIENTE CADÊ VOCÊ, EU VIM AQUI PRA TE SORVER!". Ele prescreveu (e não "receitou", pois isso é com Olivier, Troisgros e principalmente Bela Gil) os tão desejados
antibióticos, regozijei como um dependente químico, temporário é claro. E fui dali assustar a turminha da madrugada na
farmácia 24hs com meu semblante de H1N1, corpo de zumbi ou fácies de Michael Jackson
com Propofol na veia. Como eu não tinha voz, eles acreditaram em mim. Às vezes o
silêncio é muito mais confiável do que palavras de amor. A culpa é minha, eu
sei. Quando adoecemos, lutamos para que o terceiro reich de bactérias não nos
conquiste pela última vez. Curar-se, é protelar a morte. Melhor morrer sem
doença. Não quero ser o culpado por um fim, o qual eu não admito que não seja breve.
Assim já é com as paixões. Não merecemos insistir no que já se foi...
- "Moça, me esqueci do soro fisiológico!" - voltando à turma da Farmácia.
- "Vai querer algo junto pra inalação?
- "Não, obrigado. Berotec & Atrovent eu comprava pras gurias quando eram crianças. Hoje elas nem moram mais comigo. E o que elas precisam hoje em dia é apenas de uma tomada pra carregar celular..."
- "Vai querer algo junto pra inalação?
- "Não, obrigado. Berotec & Atrovent eu comprava pras gurias quando eram crianças. Hoje elas nem moram mais comigo. E o que elas precisam hoje em dia é apenas de uma tomada pra carregar celular..."
p.s.:
Day after, fui ao mercadinho comprar
batatas e carne moída. Lembrei da infância, e de um prato que a mãe fazia para
ajudar na minha recuperação quando adoecia. Eu e essa minha memória de peixe de tanque pesque-pague: gripe, com remédios cura em sete dias; sem remédios, cura em uma semana. Esta semana está muito retrô...
Simon & Garfunkel... escalas de temperatura... apelação para o Benito... e
Madalena. Só assim eu como uma Madalena...
Moral do Conto:
"Não há várias formas de se ver a vida. Há vários ângulos de se ver uma mesma forma..."
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