segunda-feira, 29 de agosto de 2016

AnunciaSom


O que vem por aí? Uma nova estação. Vai demorar um pouco, ainda. E o que ela trará? Ela não pode trazer as mesmas coisas para todos. Provavelmente, ela trará aquilo que cada um precisa. Uma mesma estação, trazendo coisas diferentes e distribuindo-as como fazem algumas entidades doando presentes de natal aos necessitados... talvez essa analogia caiba... melhor não, eu erro também. Não estamos todos necessitados, sobrevivemos conforme a nossa arte da guerra. Também porque a sua chegada, não fosse o clima, seria apenas simbólica, como todos os outros intervalos do tempo inventados pelo homem por simples convenção. Enfim, como algo pode vir pendurado nas asas de uma estação? Não, isso é materialmente impossível. Esse jeito indomável de refletir que a Filosofia me ensinou, ajuda-me no encontro de algumas respostas. Isso! Encontro! Penso que as coisas do porvir, elas não vêm do nada, ou de uma fábrica cheia de anões no hemisfério norte, não. Elas, no fundo, estão por aí, já existentes, esperando construção. Aguardam a ação do tempo e, sobretudo, movida por nós mesmos! Um movimento que leva ao encontro. O frio se aproveitou de nós o quanto pôde. O passado também. Outra estação, nova chance. Quem sabe nos depararemos com algo que não precisamos, mas que possui caráter fundamental? Estamos todos prontos? A ponto de recusar uma nova estação? Juntamente com suas oferendas? O que você fará quando lhe telefonarem oferecendo um novo emprego? E se aparecer em seu caminho um filhote de cachorro abandonado olhando para você como se fosse um amigo perdido? E se finalmente desocuparem aquele imóvel dos seus sonhos no bairro que você tanto gosta? E se aquela calça preferida lhe entrar no corpo com folga após meses de disciplina? E se Keyla Vilaça vier cantar & tocar em sua cidade naquele teatro aconchegante? E se você encontrar outro jardim em seu caminho, em que você possa passear conforme recomenda a natureza? E muito mais do que isso: se houver um canteiro seu nesse jardim? Também sou avesso às especulações. Estou preparado para o passado e para o agora. Mas se vier o futuro e tudo continuar assim como manda uniformemente o destino, não haverá problemas, é também para isso que criamos o nosso conhecimento, nossa reserva legal. No fundo, não importa a estação e sim a mudança, seja quando for: como somos racionais, escolhemos datas para o reinício das ações. Acontece que eu sou totalmente leigo e eu não sei absolutamente nada sobre os perfumes das próximas estações. O que eu sei, é fingir como os poetas, colocando estórias sobre as folhas, partes de um todo que não sentem... 


De Janeiro a Janeiro / Roberta & Nando  



Crônica Cotidiana 40



Água Para Bois 
Sujeito passa o almoço dominical de confraternização inteiro grudado no smartphone para no final se despedir agradecendo a maravilhosa companhia dos demais, que foi um prazer estar com eles, parabéns aos pais e até mais. É uma variante de dependência psíquica, relacionada a um distúrbio de caráter que determina um comportamento onde se explicita e quase se ejacula a falta de educação. Relação de dependência entre uma pessoa e um objeto. Não há remédio para isso, a indústria farmacêutica jamais conseguirá isolar componentes da personalidade de alguém, para a partir daí fabricar um antídoto. Comecei pelo fim, pois os relacionamentos interpessoais estão à beira da falência mesmo. Umas trinta pessoas dispostas à mesa comprida na churrascaria do fim da estrada com carnes nobres e outras nem tanto. Estavam a comemorar o primeiro aniversário de um bebê que foi antecipadamente colocado a dormir de um jeito como se ele não tivesse sistema respiratório. Alguns pais acham que seus filhotes devem permanecer envoltos numa redoma como se fossem pacientinhos de alto risco nas incubadoras neonatais. Difícil acreditar que no fundo daquele cesto lotado de mantas e cobertores há um pequeno sobrevivente, com dois pulmões a todo vapor lutando contra a anóxia. Nunca se pode conversar direito, devido à disposição longitudinal da mesa, mas a tradição não faz nada para melhorar isso, o povo insiste em se juntar assim. Que se calem os distantes entre si. Não bastasse, metade dos convidados manuseava aparelhos de última geração. Trocavam com os demais, fotos, mensagens, notícias e todos os tipos de superfluidades imagináveis entre fatias de picanha e goles de refrigerantes de cola; não passa o pratinho do cemitério, mas atravessa a paisagem mais um celular cruzando a mesa com uma informação de outro aplicativo crucial para a manutenção da vida em sociedade. Sem os tais, talvez eles se considerassem mortos no mundo, atrasados zumbis. Aliás, o mundo foi transportado do espaço ao redor para a tela de led. Esta, a tela de led, um tanto engordurada - pelos dedos do barbicha, um dos alimentadores dos trend-topics da comunicação moderninha - de tanta obsolescência já pedia para ser trocada pela sua nova descendente, muito mais cara, mas à prova de banha. Tentando se fazer presente, Nazário olhando para seu pocket-world, falava alto para alguém repetir o que tinha dito. Sílvia, sua bela esposa, assistia o marido esfregar o dedo naquele telemóvel, imaginando a quanto tempo ele não fazia isso na chuleta dela - ele levava o troço pra cama, toda noite; depois de conferir as últimas do whats, ele enfiava; enfiava o carregador na tomada e o plug do carregador no telefone. E ele digitava e mostrava (lá na Marumby) coisas de trinta em trinta segundos, o povo consentia na base do que legal, enquanto ela sorria com o canto da boca seca de sal grosso e marido mais chucro ainda. Como já dito, havia cerca de quinze indivíduos naquele niver fazendo o mesmo. Ou seja, a mesa estava completamente dominada pela web, tinha wi-fi no restaurante, senha liberada automaticamente. Depois da sobremesa que ele comeu sem ver o que era, levantou-se e falou a merda lá de cima. Perguntei-me o que representou a ida deste ser patuleico àquela reunião. Não há respostas, para aquilo que jamais será dúvida. Basta pensar e bem pouco. Não teve parabéns, o aniversariante continuou sedado e entregue à baixa pressão do calor no seu “bebê-conforto”, um verdadeiro micro-ondas de pano & plástico. Antes de irem embora, Rosimette, a mãe meninota, puxou o seio para fora a alimentar João Vítor; Gilberto, o garçom da maminha, ficou excitado, era o seu fetiche aproximar peitos de espetos. O leite saiu salgado, a criança chorou de calor e todos foram para suas casas defecar o banquete. Não souberam novidades, nada combinaram, sequer recordaram um tempo recente que morreu: já não tinham mais saudade, nem perspectivas ou vontades, voltaram de lá como se não tivessem ido, nada foi construído. Quando Habermas apontou a transição do paradigma da consciência para o comunicativo, pensei que vinha coisa boa. Mas que nada, você sai da minha frente que eu quero passar. Aquilo que deveria vir para agregar, faz do seu mau uso a segregação da dialética, da comunicabilidade, da interpessoalidade dos seres. Não sem revelar as carências relacionais e as inseguranças de cada um em seu meio. Fizeram da palavra um instrumento de mão única. A tecnologia demitiu o polegar opositor, repassando sua função ao indicador. Sílvia masturbava-se diariamente com o dedo médio... 




quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Miss Celânea 8




A tecnologia dos homens,
    trouxe o mundo às suas mãos.
Nos tempos idos,
Íamos ao mundo,
    a pé..


Escreva sobre outras coisas
Pois os sentimentos,
    não podem ser riscados...
Ao menos,
    use pincéis em telas sobre cavaletes
    combina mais com a arte...


Os apressadinhos no trânsito da manhã
Acordam tarde...


Os jardineiros dos seus vizinhos,
    sempre lhe cumprimentam
Já alguns vizinhos,
    fazem questão do contrário..
Porque a sociabilidade,
Tem tudo a ver com a natureza...


A mãe-natureza
Existe para que nos dirijamos a ela
E lá possamos compartilhar,
     diluir, fluir ou apenas refrescar
A nossa filiação humana..


As frustrações
São matéria putrefata
Não processada
Em teu frigorífico particular
Carne ferida
Que manténs maturada,
    pensando que é vida..


Por que contar os seus medos por aí
Não seria mais útil
Você ir até lá
Ou vir até aqui?


Parente que foge
Não sabe que para a família,
   ele é bicho..


Quando não encaixamos bem as coisas
Juntamos tudo
E chamamos de coisas..


De vez em quando
Distribuo algumas verdades
Que as pessoas levam guardadas
Parecendo ter vergonha
De serem verdadeiras..
    então elas choram
    pois deixaram de sorrir por muito tempo...


Não sou curandeiro
Sou discreto mensageiro
Apenas aponto as feridas sociais
Que não cicatrizarão
Sem pronto atendimento..


O tempo
Forma calcificações orgânicas
De toda espécie
Uns consideram pedras
Outros,
Poeira condensada,
    que não varremos bem a alma...


Medicamentos para tudo
Drogas artificiais,
Contra o curso natural das doenças...
Está certo buscar a cura?


Assim desse jeito
Vou parar num lugar
Tão longe quanto imagino
Daquilo tudo que me faz morrer
Tão perto quanto desejo
Desse pouco que me faz partir..




segunda-feira, 22 de agosto de 2016

O Enigma de Eiche Hauser




O que se faz importante saber? Depois de tanto aprendizado, ainda resta algo em aberto em cada história. Sim, há muitas dúvidas, sobre diversos assuntos. Parte delas, é fruto de indignação, em razão de que o mundo poderia ser bem melhor. Outra parte, é raiz profunda, de problemas que não conseguimos resolver, pois a solução não depende só da gente. Mas tem uma coisa que não é fruto nem raiz. É aquilo que, geralmente, está aos nossos olhos. Não sabemos olhar direito, talvez por vergonha, medo, essas coisas juvenis próprias da inexperiência que ainda mantemos diante do novo. E será sempre novo, já que não mergulhamos. E prosseguimos, sem saber. Um determinado conhecimento que serviria como um dever a ser cumprido, por simples obediência à natureza humana. Deixar de lado, é o máximo que conseguimos. A negação. Negação de um fato, de uma condição, de uma essência. Essa distância, mantém o mistério, coisa que deixa a vida em aberto, para não dizer que permitimos que ela passe em branco em relação àquilo. Cada qual de nós possui o seu enigma. Falta a mim, a você, à sua vizinha, ao seu amante, à balconista, ao jornaleiro e à esgrimista o enfrentamento de uma determinada situação. Resta saber se o mistério é identificar o instrumento pelo qual nós começaríamos a encará-la, ou se o mistério está nas consequências da assunção deste desafio. Não há dois mistérios. Existe apenas uma chave. O tempo, é uma casa. Assim, exige manutenção. Uma casa bem cuidada, é abrigo. Não podemos abandoná-la sem o devido zelo. É preciso descobrir essa chave, que abre uma entrada nesta casa. Lá dentro, tem um quarto. Um cômodo onde não há paredes, divisórias. Mas tem uma janela aberta para a vida. Aos pés da cama, um tapete escrito “feliz”. Para lá da janela, a “cidade”. Que cada um de nós busque a sua questão. Aproveite a condição de habitante, encontre a sua chave. Assim, a poesia vai deixando de ser de alumínio, e aos poucos vai se transformando em ouro. Sem alquimia, sem magia. Mas com habilidade, com amor. Com o seu amor. O amor não é resposta. É a pergunta que move os indivíduos na direção do seu autoconhecimento. Quem, verdadeiramente, lhe ama? 



Crônica Cotidiana 39



Os Cinco Espelhos 
Diz a lenda - tão urbana que poderia ser considerada apenas um conto - que o avistamento de cinco espelhos em série, faz o homem morrer sem sentir dor. Entre loiras fantasmas, piratas das Mercês e grávidas da Praça da Ucrânia, é a mais sensata, já que existe uma mínima possibilidade de acontecimento, seja por simples coincidência. Relacionam com a transposição das fases da vida e o consequente olhar para o passado: infância, adolescência, juventude, fase adulta (até agora não encontraram uma palavra que exprimisse isso num só termo) e velhice. Após o quinto espelho, se você chegou lá, é hora de partir pois não haverá mais espelhos pela frente. Talvez já não haja mais o que rever lá atrás. Ele fotografou a sequência, ficou bonitinho para uma rede social onde só se escreve coisa triste. A vida é tão bela, que é preciso equilibrá-la com coisas menos belas. Armando Bott aguardava o filho na saída do colégio, na rua vicinal. Chamam de Jardim Ambiental. A cada dia, um novo ambiente retrata uma fatia da sociedade local. Anteontem, dois rapazes desocupados tragavam a liberdade advinda da dependência química em forma de pacau, fininho, beise, aceso para garantir a larica do almoço; ao pé do cipreste, como se fosse natureza, chamando bucolicamente os alunos que passassem por ali a fazer o mesmo, desde que adquirissem o seu produto, da lata. Ontem, duas meninas matadoras-de-aula acomodaram-se por ali para iniciar a atividade tabagística, com muita tosse e pose para a garotada reparar na coragem de sua transgressão, nos passos que deram a frente, mesmo que em direção ao abismo de sua saúde. É maresia pra todo lado, a juventude pinta de azul petróleo as nuvens chumbo que exalam ao redor de si. O mesmo tom artificial que dói aos olhos comprovar quando se vê o pulmão nicotínico extraído de um cadáver acadêmico. Cores fortes na vida, têm sim. Armando sabia que no inverno, tudo é mais realçado. A sensibilidade, por exemplo. Visual, auditiva, tátil, do nariz à boca, tudo tem mais força. A ausência de calor torna as pessoas mais inclinadas àquilo que representa força, poder, magia. Um café forte, uma decisão poderosa, um instante mágico. Todos enfileirados, os automóveis. Uma placa de pare lá na frente. Ingênuos, todos partirão dali ignorando o outro espelho, do lado direito. Pobre metáfora, tentando insinuar que os sujeitos preocupam-se muito mais com o movimento do seu lado esquerdo, do que com a calmaria da calçada oposta. Vale mais o coração do que a mente. O seu coração, pois o dos outros não sai na foto. Ele se lembrava das relações possessórias que vivera, que vivem ou sobrevive a maioria dos que ele conhece. Por uma brisa, que passou e instantaneamente se foi, imaginou uma relação livre, se era possível um troço desses. Mas era brisa, e se avoou. As pessoas precisam definir para onde vão, antes de assumirem relacionamentos; para tanto, necessitam saber para onde já estão indo quando sós. Não pelo compromisso, mas pela forma de caminhar, eis o segredo. Todo conteúdo necessita de um formato. Lá fora, nas ruas. Porque não cabe dois corações lado a lado na mesma rua. Por isso se atropelam, se matam e se enganam. No lado do carona do carro de Armando, o banco vazio. Sheila preconizava o lugar do motorista. Jamais admitiria ser conduzida por ele, mesmo que ele só quisesse levá-la a alguns momentos de felicidade. Às vezes, determinados jardins não são ambientes adequados para uma florada, mesmo quando junto à rua, ao movimento, o fluxo de energias. Outra estória que segue e o povo continua escolhendo errado os seus super-heróis. O amor é torto, quando os espelhos são todos externos... 





Henry Dernier




Estranho, andar por aí assim. Mas o costume não tardou a boa sensação. Cruzar com alguém num caminho. Um olhar de lado, uma pergunta de endereço ou que horas são, por favor. Uma apresentação através de um amigo, um parente, um colega, um vizinho, um desconhecido. Algumas coisas do ofício. Na fila, no bar, no espetáculo. No parque, no calçadão, no ônibus. Objeto que cai no chão da moça, cavalheirismo. O quase nada, só por educação, senão seria nada mesmo. Aquilo que as pessoas veem como forma de aproximação, chance, destino, eu indefiro antes do mérito: minha rejeição. Começo a sentir o sabor inigualável de ser só. Não significa se resumir em estar sozinho, mas sim abraçar a escolha de viver sem qualquer companhia, amorosa. Uma certeza que deixa qualquer dúvida relacional na lona, como é a diária luta dos que se amam ou fingem isso, respeito aqueles que acreditam, eles também precisam existir. Mas tão tamanha é essa minha certeza, que é incontestável, meu axioma. A liberdade de jamais se aborrecer e principalmente, de nunca mais causar desprazer a alguém, mínimo que seja. Até mesmo um prazer ou vários, uma alegria ou tantas, outras convenções, tudo é mesmo tão relativo. Zero grau de afeto, a consciência da solidão atinge sua maturidade. Não vejo, em todas que eu vejo, qualquer perspectiva de relacionamento, posto que isso não há em mim. E não é somente com aquelas que eu vejo, a questão é que eu não sinto, envolve todas as que ainda não vi ou não verei, inclusive. Olhar a mulher com isenção, destituído de qualquer forma de interesse, é o nível mais alto que um homem pode alcançar na escala de convívio humano, social ou algo semelhante. Elas foram e são de imediato transformadas em pessoas, sei dos seus corações, mas não os conheço. Não os recepciono, sequer convido, tampouco imagino serem afetivos, conterem desejos ou nutrirem esperanças. Tornei-me outra espécie. Um religioso sem Deus, um animal sem floresta, um ser vivo sem coração. A opção de morrer sozinho, foi a mais bela estrada que já peguei. Porque só assim, é que me permiti viver sozinho. Caminho por uma angular que chega aos trezentos e sessenta graus de horizonte. Os que estão por perto, estão nas ruas e avenidas. A minha estrada, corta o meu deserto. As ruas e as avenidas, cortam as cidades. Como é bom poder olhar para o lado, e contemplar apenas paisagens e natureza. Não há obstáculos, não tenho amor. Não amarei, não terei obstáculos. A minha cegueira, não tem anteparos, justificativas, declarações de colo ou presentinhos nas datas especiais. Um verdadeiro estado de conhecimento, merece este registro e se basta por si só. Índigo é a cor do céu. Anil é a cor do mar. A minha cegueira, é azul... 

                                                                                                                                                                

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

STAR TREK - A INSÔNIA (versão brasileira)















 A insônia 
 É uma angústia que se veste para sair 
     e não sai 
     e não se despe.. 


 Manhã azul 
 Olhos vermelhos 
 Noite amarela 
 Vida misturada 
 Vida em branco... 


 Todos aqueles em que penso 
 Nesta madrugada acesa no breu 
 Não sabem que eu, 
 Sei que me esqueceram... 
 Pois não precisamos lembrar dos afins 
 Só pensamos na água, 
      quando estamos com sede.. 


 Neste sereno de orvalhos 
 Vontade de ligar pra ela 
 E se ela, tão bela 
 Também acordada, atendesse 
 Pediria eu para ouvir as estrelas 
 Do céu de sua voz... 


 Insônia 
 É o outro lado da tua lua 
 Uma nova forma de criação 
 Reserva, só tua 
 Para quando não tiveres sol... 


 A madrugada 
 Outra convenção humana 
 Para acalmar organismos 
 Da inquietude por tanta luz desperdiçada.. 


 Noite longa 
 Casa fria 
 Pátio ameno 
 Houve um tempo em que eu saía 
 Com vontade de sereno.. 


 O aço da noite 
 Nesta caserna disfarçada 
 Suporto tenente, 
     em descanso o frio da madrugada 
     em sentido o frio da vida 
     em continência o frio das gentes.. 


 A poesia 
 Tão elegante madame 
 Que tem até uma governanta, 
 A dona insônia.. 


 Escrever de madrugada 
 Onírico prazer 
 Só goza quem se despe 
 Do sono que é morrer... 


 De dia ele faz contas 
 Leva contabilidades 
 Para de noite fazer contos 
 Trazendo possibilidades.. 


 A melhor inspiração 
 Está na água corrente 
 E na noite em claro 
 Fluxos permanentes 
 Conduzindo ao impossível 
 Onde mora a imaginação... 


 Palavra enjoada 
 Essa tal insônia que não rima com nada 
 Preciso travesseiros e almofadas 
 Para combinar o que não conforta 
 Ou um pedaço de torta 
 Com uns goles de café 
 Tapear estômago é o jeito 
 Para quem não tem cafuné.. 


 Escrever pode ser bonito 
 Mas viver o que se escreve, 
 É impossível 
 Pois já está escrito 
 Assim como é o granito 
 Grão que em rocha virou 
 Escrevo o que já passou 
 Faço um piso 
 Que não é caminho pro futuro 
 Pois não leva a nada 
 Só faz atravessar madrugada... 


 O sono me preocupa 
 É sinal de velhice 
 Prefiro a insônia 
 Onde penso como se fosse novo 
 Em tudo o que eu ainda não disse 
 Tudo o que eu ainda não sei 
 O que eu ainda não fiz 
 Eu ainda não quis 
 Porque não amei.. 


 Insônia 
 Seu documento particular 
 De uso pessoal 
 Inválido para os outros 
 Nem sempre útil para você.. 


 Insônia 
 Ladeira da lua 
 Minha rua verdadeira 
 Onde caminho sem esperança 
 Atrás da mulher que dança, 
 Minha musa rendeira, 
 A poetiza nua.. 



domingo, 14 de agosto de 2016

phOTOCALIGRAfIA






Dia dos Pais




Mais uma vez, o carro ia-se embora, deixando você em algum ponto do caminho. Tive alguns avisos sobre a despedida, mas de tão tenra minha adolescência, não havia gabarito para abstrair aquilo como anunciações do fim. Na primeira vez, achei estranho, ali, naquela praia, você ficar sozinho e nós termos que vir pra casa no planalto. Na segunda, após o almoço na churrascaria do Darci (seu restaurante predileto), fiquei com a vó e o vô na praça Rui Barbosa para pegarmos um táxi rumo a casa do tio. Antes de descer, uma voz me disse em silêncio: “dê o último beijo em seu pai”. Cumpri, não em obediência a ela, mas pela educação que vocês me deram. Dali algumas horas, a notícia. Uma navalha etária no auge dos meus treze anos. Você partiu, na carona do primeiro e único edema agudo pulmonar. Não tivemos tempo de quase nada. O que você me ensinou, mais sei pelo DNA respeitado do que por conversas. São trinta e oito anos sem você. O “se” não existe, não sou dado a especulações. Vou ao cemitério de vez em quando, louvar a lembrança do que eu tenho sobre o significado de família. Não tive sorte, nem prosperidade ou bens. Meu conteúdo adquirido ao longo de toda essa sua infinita ausência, levarei comigo, aonde for. É aquele tipo de coisas que tem valor imensurável. Não traí, não roubei, não bati e nem enganei ou magoei alguém. Não deixei a ninguém o legado da minha presença. Você sabe muito bem o que eu penso, o que eu sinto. E reconheço que, de alguma forma, você me ajuda. As implicâncias de sua morte em minha vida, são complexas demais para que eu discorra sobre elas. Basta, que eu pense sem palavras, que as respostas vêm. Mesmo assim, tenho orgulho do que eu perdi para a vida. Tenho orgulho de você, claro que não da perda, mas do que você representa ad eternum. Só levo comigo a indignação por alguns filhos maltratarem seus pais presentes. Prometo que deixarei isso, um dia, à beira do meu caminho, já que nada tenho a ver com isso. Fui um menino diferente, um jovem normal e hoje sou um homem só, mas sem lamentos. Transformei as minhas dores em poesias, músicas e busca de paz pela natureza. Continuo, como ninguém, a ouvir vozes em silêncio; aprendi que elas são as mais importantes. Não importa de onde elas vêm. Sei da minha missão, apesar de que também sei que não me adapto muito bem a este mundo, eu quis revolucioná-lo, não deu; não fui o único que não conseguiu isso. Estou ansioso pela sua bronca, quando a gente se reencontrar, pois eu não li nem um milésimo do que você leu. Eu só soube escrever. Feliz dia dos pais, paiê!