Diametralmente oposta a qualquer ordenamento jurídico, DESUNIÃO ESTÁVEL é uma imaginária relação multiafetiva ousada entre a Poesia e a Música. Como esses valores estão em declínio nos dias pós-modernos, decidi promover impulsos de acasalamento sentimental entre ambas, com a substancialidade e a emoção que brota dessas duas formas de expressividade dos sujeitos na sociedade civil, ou seja, nascentes da natureza humana. Aos amantes, as cortesias da Casa.
terça-feira, 30 de agosto de 2016
segunda-feira, 29 de agosto de 2016
AnunciaSom
O que vem por aí?
Uma nova estação. Vai demorar um pouco, ainda. E o que ela trará? Ela não pode
trazer as mesmas coisas para todos. Provavelmente, ela trará aquilo que cada um
precisa. Uma mesma estação, trazendo coisas diferentes e distribuindo-as como fazem
algumas entidades doando presentes de natal aos necessitados... talvez essa
analogia caiba... melhor não, eu erro também. Não estamos todos necessitados, sobrevivemos
conforme a nossa arte da guerra. Também porque a sua chegada, não fosse o clima,
seria apenas simbólica, como todos os outros intervalos do tempo inventados pelo homem por simples convenção. Enfim, como
algo pode vir pendurado nas asas de uma estação? Não, isso é materialmente
impossível. Esse jeito indomável de refletir que a Filosofia me ensinou,
ajuda-me no encontro de algumas respostas. Isso! Encontro! Penso que as coisas
do porvir, elas não vêm do nada, ou de uma fábrica cheia de anões no hemisfério
norte, não. Elas, no fundo, estão por aí, já existentes, esperando construção. Aguardam
a ação do tempo e, sobretudo, movida por nós mesmos! Um movimento que leva ao
encontro. O frio se aproveitou de nós o quanto pôde. O passado também. Outra
estação, nova chance. Quem sabe nos depararemos com algo que não precisamos,
mas que possui caráter fundamental? Estamos todos prontos? A ponto de recusar
uma nova estação? Juntamente com suas oferendas? O que você fará quando lhe
telefonarem oferecendo um novo emprego? E se aparecer em seu caminho um filhote
de cachorro abandonado olhando para você como se fosse um amigo perdido? E se
finalmente desocuparem aquele imóvel dos seus sonhos no bairro que você tanto
gosta? E se aquela calça preferida lhe entrar no corpo com folga após meses de disciplina? E se Keyla Vilaça vier cantar & tocar em sua cidade naquele teatro
aconchegante? E se você encontrar outro jardim em seu caminho, em que você
possa passear conforme recomenda a natureza? E muito mais do que isso: se houver um canteiro seu nesse
jardim? Também sou avesso às especulações. Estou preparado para o passado e
para o agora. Mas se vier o futuro e tudo continuar assim como manda uniformemente
o destino, não haverá problemas, é também para isso que criamos o nosso conhecimento,
nossa reserva legal. No fundo, não importa a estação e sim a mudança, seja
quando for: como somos racionais, escolhemos datas para o reinício das ações. Acontece
que eu sou totalmente leigo e eu não sei absolutamente nada sobre os perfumes
das próximas estações. O que eu sei, é fingir como os poetas, colocando estórias sobre as
folhas, partes de um todo que não sentem...
De Janeiro a Janeiro / Roberta & Nando
Crônica Cotidiana 40
Água Para Bois
Sujeito passa o almoço dominical de confraternização inteiro grudado no smartphone para no final se despedir agradecendo a maravilhosa companhia dos demais, que foi um prazer estar com eles, parabéns aos pais e até mais. É uma variante de dependência psíquica, relacionada a um distúrbio de caráter que determina um comportamento onde se explicita e quase se ejacula a falta de educação. Relação de dependência entre uma pessoa e um objeto. Não há remédio para isso, a indústria farmacêutica jamais conseguirá isolar componentes da personalidade de alguém, para a partir daí fabricar um antídoto. Comecei pelo fim, pois os relacionamentos interpessoais estão à beira da falência mesmo. Umas trinta pessoas dispostas à mesa comprida na churrascaria do fim da estrada com carnes nobres e outras nem tanto. Estavam a comemorar o primeiro aniversário de um bebê que foi antecipadamente colocado a dormir de um jeito como se ele não tivesse sistema respiratório. Alguns pais acham que seus filhotes devem permanecer envoltos numa redoma como se fossem pacientinhos de alto risco nas incubadoras neonatais. Difícil acreditar que no fundo daquele cesto lotado de mantas e cobertores há um pequeno sobrevivente, com dois pulmões a todo vapor lutando contra a anóxia. Nunca se pode conversar direito, devido à disposição longitudinal da mesa, mas a tradição não faz nada para melhorar isso, o povo insiste em se juntar assim. Que se calem os distantes entre si. Não bastasse, metade dos convidados manuseava aparelhos de última geração. Trocavam com os demais, fotos, mensagens, notícias e todos os tipos de superfluidades imagináveis entre fatias de picanha e goles de refrigerantes de cola; não passa o pratinho do cemitério, mas atravessa a paisagem mais um celular cruzando a mesa com uma informação de outro aplicativo crucial para a manutenção da vida em sociedade. Sem os tais, talvez eles se considerassem mortos no mundo, atrasados zumbis. Aliás, o mundo foi transportado do espaço ao redor para a tela de led. Esta, a tela de led, um tanto engordurada - pelos dedos do barbicha, um dos alimentadores dos trend-topics da comunicação moderninha - de tanta obsolescência já pedia para ser trocada pela sua nova descendente, muito mais cara, mas à prova de banha. Tentando se fazer presente, Nazário olhando para seu pocket-world, falava alto para alguém repetir o que tinha dito. Sílvia, sua bela esposa, assistia o marido esfregar o dedo naquele telemóvel, imaginando a quanto tempo ele não fazia isso na chuleta dela - ele levava o troço pra cama, toda noite; depois de conferir as últimas do whats, ele enfiava; enfiava o carregador na tomada e o plug do carregador no telefone. E ele digitava e mostrava (lá na Marumby) coisas de trinta em trinta segundos, o povo consentia na base do que legal, enquanto ela sorria com o canto da boca seca de sal grosso e marido mais chucro ainda. Como já dito, havia cerca de quinze indivíduos naquele niver fazendo o mesmo. Ou seja, a mesa estava completamente dominada pela web, tinha wi-fi no restaurante, senha liberada automaticamente. Depois da sobremesa que ele comeu sem ver o que era, levantou-se e falou a merda lá de cima. Perguntei-me o que representou a ida deste ser patuleico àquela reunião. Não há respostas, para aquilo que jamais será dúvida. Basta pensar e bem pouco. Não teve parabéns, o aniversariante continuou sedado e entregue à baixa pressão do calor no seu “bebê-conforto”, um verdadeiro micro-ondas de pano & plástico. Antes de irem embora, Rosimette, a mãe meninota, puxou o seio para fora a alimentar João Vítor; Gilberto, o garçom da maminha, ficou excitado, era o seu fetiche aproximar peitos de espetos. O leite saiu salgado, a criança chorou de calor e todos foram para suas casas defecar o banquete. Não souberam novidades, nada combinaram, sequer recordaram um tempo recente que morreu: já não tinham mais saudade, nem perspectivas ou vontades, voltaram de lá como se não tivessem ido, nada foi construído. Quando Habermas apontou a transição do paradigma da consciência para o comunicativo, pensei que vinha coisa boa. Mas que nada, você sai da minha frente que eu quero passar. Aquilo que deveria vir para agregar, faz do seu mau uso a segregação da dialética, da comunicabilidade, da interpessoalidade dos seres. Não sem revelar as carências relacionais e as inseguranças de cada um em seu meio. Fizeram da palavra um instrumento de mão única. A tecnologia demitiu o polegar opositor, repassando sua função ao indicador. Sílvia masturbava-se diariamente com o dedo médio...
Sujeito passa o almoço dominical de confraternização inteiro grudado no smartphone para no final se despedir agradecendo a maravilhosa companhia dos demais, que foi um prazer estar com eles, parabéns aos pais e até mais. É uma variante de dependência psíquica, relacionada a um distúrbio de caráter que determina um comportamento onde se explicita e quase se ejacula a falta de educação. Relação de dependência entre uma pessoa e um objeto. Não há remédio para isso, a indústria farmacêutica jamais conseguirá isolar componentes da personalidade de alguém, para a partir daí fabricar um antídoto. Comecei pelo fim, pois os relacionamentos interpessoais estão à beira da falência mesmo. Umas trinta pessoas dispostas à mesa comprida na churrascaria do fim da estrada com carnes nobres e outras nem tanto. Estavam a comemorar o primeiro aniversário de um bebê que foi antecipadamente colocado a dormir de um jeito como se ele não tivesse sistema respiratório. Alguns pais acham que seus filhotes devem permanecer envoltos numa redoma como se fossem pacientinhos de alto risco nas incubadoras neonatais. Difícil acreditar que no fundo daquele cesto lotado de mantas e cobertores há um pequeno sobrevivente, com dois pulmões a todo vapor lutando contra a anóxia. Nunca se pode conversar direito, devido à disposição longitudinal da mesa, mas a tradição não faz nada para melhorar isso, o povo insiste em se juntar assim. Que se calem os distantes entre si. Não bastasse, metade dos convidados manuseava aparelhos de última geração. Trocavam com os demais, fotos, mensagens, notícias e todos os tipos de superfluidades imagináveis entre fatias de picanha e goles de refrigerantes de cola; não passa o pratinho do cemitério, mas atravessa a paisagem mais um celular cruzando a mesa com uma informação de outro aplicativo crucial para a manutenção da vida em sociedade. Sem os tais, talvez eles se considerassem mortos no mundo, atrasados zumbis. Aliás, o mundo foi transportado do espaço ao redor para a tela de led. Esta, a tela de led, um tanto engordurada - pelos dedos do barbicha, um dos alimentadores dos trend-topics da comunicação moderninha - de tanta obsolescência já pedia para ser trocada pela sua nova descendente, muito mais cara, mas à prova de banha. Tentando se fazer presente, Nazário olhando para seu pocket-world, falava alto para alguém repetir o que tinha dito. Sílvia, sua bela esposa, assistia o marido esfregar o dedo naquele telemóvel, imaginando a quanto tempo ele não fazia isso na chuleta dela - ele levava o troço pra cama, toda noite; depois de conferir as últimas do whats, ele enfiava; enfiava o carregador na tomada e o plug do carregador no telefone. E ele digitava e mostrava (lá na Marumby) coisas de trinta em trinta segundos, o povo consentia na base do que legal, enquanto ela sorria com o canto da boca seca de sal grosso e marido mais chucro ainda. Como já dito, havia cerca de quinze indivíduos naquele niver fazendo o mesmo. Ou seja, a mesa estava completamente dominada pela web, tinha wi-fi no restaurante, senha liberada automaticamente. Depois da sobremesa que ele comeu sem ver o que era, levantou-se e falou a merda lá de cima. Perguntei-me o que representou a ida deste ser patuleico àquela reunião. Não há respostas, para aquilo que jamais será dúvida. Basta pensar e bem pouco. Não teve parabéns, o aniversariante continuou sedado e entregue à baixa pressão do calor no seu “bebê-conforto”, um verdadeiro micro-ondas de pano & plástico. Antes de irem embora, Rosimette, a mãe meninota, puxou o seio para fora a alimentar João Vítor; Gilberto, o garçom da maminha, ficou excitado, era o seu fetiche aproximar peitos de espetos. O leite saiu salgado, a criança chorou de calor e todos foram para suas casas defecar o banquete. Não souberam novidades, nada combinaram, sequer recordaram um tempo recente que morreu: já não tinham mais saudade, nem perspectivas ou vontades, voltaram de lá como se não tivessem ido, nada foi construído. Quando Habermas apontou a transição do paradigma da consciência para o comunicativo, pensei que vinha coisa boa. Mas que nada, você sai da minha frente que eu quero passar. Aquilo que deveria vir para agregar, faz do seu mau uso a segregação da dialética, da comunicabilidade, da interpessoalidade dos seres. Não sem revelar as carências relacionais e as inseguranças de cada um em seu meio. Fizeram da palavra um instrumento de mão única. A tecnologia demitiu o polegar opositor, repassando sua função ao indicador. Sílvia masturbava-se diariamente com o dedo médio...
quinta-feira, 25 de agosto de 2016
Miss Celânea 8
A tecnologia dos homens,
trouxe o mundo às suas mãos.
Nos tempos idos,
Íamos ao mundo,
a pé..
Escreva sobre outras coisas
Pois os sentimentos,
não podem ser riscados...
Ao menos,
use pincéis em telas sobre cavaletes
combina mais com a arte...
Os apressadinhos no trânsito da manhã
Acordam tarde...
Os jardineiros dos seus vizinhos,
sempre lhe cumprimentam
Já alguns vizinhos,
fazem questão do contrário..
Porque a sociabilidade,
Tem tudo a ver com a natureza...
A mãe-natureza
Existe para que nos dirijamos a ela
E lá possamos compartilhar,
diluir, fluir ou apenas refrescar
A nossa filiação humana..
As frustrações
São matéria putrefata
Não processada
Em teu frigorífico particular
Carne ferida
Que manténs maturada,
pensando que é vida..
pensando que é vida..
Por que contar os seus medos por aí
Não seria mais útil
Você ir até lá
Ou vir até aqui?
Parente que foge
Não sabe que para a família,
ele é bicho..
Quando não encaixamos bem as coisas
Juntamos tudo
E chamamos de coisas..
De vez em quando
Distribuo algumas verdades
Que as pessoas levam guardadas
Parecendo ter vergonha
De serem verdadeiras..
então elas choram
pois deixaram de sorrir por muito tempo...
Não sou curandeiro
Sou discreto mensageiro
Apenas aponto as feridas sociais
Que não cicatrizarão
Sem pronto atendimento..
O tempo
Forma calcificações orgânicas
De toda espécie
Uns consideram pedras
Outros,
Poeira condensada,
que não varremos bem a alma...
Medicamentos para tudo
Drogas artificiais,
Contra o curso natural das doenças...
Está certo buscar a cura?
Assim desse jeito
Vou parar num lugar
Tão longe quanto imagino
Daquilo tudo que me faz morrer
Tão perto quanto desejo
Desse pouco que me faz partir..
segunda-feira, 22 de agosto de 2016
O Enigma de Eiche Hauser
O que se faz
importante saber? Depois de tanto aprendizado, ainda resta algo em aberto em
cada história. Sim, há muitas dúvidas, sobre diversos assuntos. Parte delas, é
fruto de indignação, em razão de que o mundo poderia ser bem melhor. Outra
parte, é raiz profunda, de problemas que não conseguimos resolver, pois a
solução não depende só da gente. Mas tem uma coisa que não é fruto nem raiz. É
aquilo que, geralmente, está aos nossos olhos. Não sabemos olhar direito,
talvez por vergonha, medo, essas coisas juvenis próprias da inexperiência que
ainda mantemos diante do novo. E será sempre novo, já que não mergulhamos. E
prosseguimos, sem saber. Um determinado conhecimento que serviria como um dever
a ser cumprido, por simples obediência à natureza humana. Deixar de lado, é o máximo que conseguimos. A negação. Negação
de um fato, de uma condição, de uma essência. Essa distância, mantém o mistério,
coisa que deixa a vida em aberto, para não dizer que permitimos que ela passe em
branco em relação àquilo. Cada qual de nós possui o seu enigma. Falta a mim, a
você, à sua vizinha, ao seu amante, à balconista, ao jornaleiro e à esgrimista
o enfrentamento de uma determinada situação. Resta saber se o mistério é identificar
o instrumento pelo qual nós começaríamos a encará-la, ou se o mistério está nas
consequências da assunção deste desafio. Não há dois mistérios. Existe apenas
uma chave. O tempo, é uma casa. Assim, exige manutenção. Uma casa bem cuidada,
é abrigo. Não podemos abandoná-la sem o devido zelo. É preciso descobrir essa
chave, que abre uma entrada nesta casa. Lá dentro, tem um quarto. Um cômodo onde
não há paredes, divisórias. Mas tem uma janela aberta para a vida. Aos pés da
cama, um tapete escrito “feliz”. Para lá da janela, a “cidade”. Que cada um de
nós busque a sua questão. Aproveite a condição de habitante, encontre a sua
chave. Assim, a poesia vai deixando de ser de alumínio, e aos poucos vai se transformando
em ouro. Sem alquimia, sem magia. Mas com habilidade, com amor. Com o seu amor.
O amor não é resposta. É a pergunta que move os indivíduos na direção do seu
autoconhecimento. Quem, verdadeiramente, lhe ama?
Crônica Cotidiana 39
Os Cinco Espelhos
Diz a lenda - tão urbana que poderia
ser considerada apenas um conto - que o avistamento de cinco espelhos em série,
faz o homem morrer sem sentir dor. Entre loiras fantasmas, piratas das Mercês e
grávidas da Praça da Ucrânia, é a mais sensata, já que existe uma mínima
possibilidade de acontecimento, seja por simples coincidência. Relacionam com a
transposição das fases da vida e o consequente olhar para o passado: infância,
adolescência, juventude, fase adulta (até agora não encontraram uma palavra que
exprimisse isso num só termo) e velhice. Após o quinto espelho, se você chegou
lá, é hora de partir pois não haverá mais espelhos pela frente. Talvez já não haja
mais o que rever lá atrás. Ele fotografou a sequência, ficou bonitinho para uma
rede social onde só se escreve coisa triste. A vida é tão bela, que é preciso
equilibrá-la com coisas menos belas. Armando Bott aguardava o filho na saída do
colégio, na rua vicinal. Chamam de Jardim Ambiental. A cada dia, um novo
ambiente retrata uma fatia da sociedade local. Anteontem, dois rapazes
desocupados tragavam a liberdade advinda da dependência química em forma de
pacau, fininho, beise, aceso para garantir a larica do almoço; ao pé do
cipreste, como se fosse natureza, chamando bucolicamente os alunos que
passassem por ali a fazer o mesmo, desde que adquirissem o seu produto, da
lata. Ontem, duas meninas matadoras-de-aula acomodaram-se por ali para iniciar
a atividade tabagística, com muita tosse e pose para a garotada reparar na
coragem de sua transgressão, nos passos que deram a frente, mesmo que em
direção ao abismo de sua saúde. É maresia pra todo lado, a juventude pinta de
azul petróleo as nuvens chumbo que exalam ao redor de si. O mesmo tom artificial que dói
aos olhos comprovar quando se vê o pulmão nicotínico extraído de um cadáver
acadêmico. Cores fortes na vida, têm sim. Armando sabia que no inverno, tudo é
mais realçado. A sensibilidade, por exemplo. Visual, auditiva, tátil, do nariz
à boca, tudo tem mais força. A ausência de calor torna as pessoas mais
inclinadas àquilo que representa força, poder, magia. Um café forte, uma
decisão poderosa, um instante mágico. Todos enfileirados, os automóveis. Uma placa de pare lá
na frente. Ingênuos, todos partirão dali ignorando o outro espelho, do lado
direito. Pobre metáfora, tentando insinuar que os sujeitos preocupam-se muito
mais com o movimento do seu lado esquerdo, do que com a calmaria da calçada oposta. Vale
mais o coração do que a mente. O seu coração, pois o dos outros não sai na
foto. Ele se lembrava das relações possessórias que vivera, que vivem ou sobrevive
a maioria dos que ele conhece. Por uma brisa, que passou e instantaneamente se foi, imaginou uma relação livre, se era possível um troço desses. Mas era
brisa, e se avoou. As pessoas precisam definir para onde vão, antes de
assumirem relacionamentos; para tanto, necessitam saber para onde já estão indo quando sós. Não pelo compromisso, mas pela forma de caminhar, eis o segredo. Todo
conteúdo necessita de um formato. Lá fora, nas ruas. Porque não cabe dois
corações lado a lado na mesma rua. Por isso se atropelam, se matam e se
enganam. No lado do carona do carro de Armando, o banco vazio. Sheila
preconizava o lugar do motorista. Jamais admitiria ser conduzida por ele, mesmo
que ele só quisesse levá-la a alguns momentos de felicidade. Às vezes,
determinados jardins não são ambientes adequados para uma florada, mesmo quando junto à rua, ao movimento, o fluxo de energias. Outra estória que segue e o povo continua escolhendo errado os seus super-heróis. O amor é
torto, quando os espelhos são todos externos...
Henry Dernier
Estranho, andar por aí
assim. Mas o costume não tardou a boa sensação. Cruzar com alguém num caminho.
Um olhar de lado, uma pergunta de endereço ou que horas são, por favor. Uma
apresentação através de um amigo, um parente, um colega, um vizinho, um
desconhecido. Algumas coisas do ofício. Na fila, no bar, no espetáculo. No
parque, no calçadão, no ônibus. Objeto que cai no chão da moça, cavalheirismo. O quase nada, só por educação, senão seria nada
mesmo. Aquilo que as pessoas veem como forma de aproximação, chance, destino, eu indefiro antes do mérito: minha rejeição. Começo a sentir o sabor inigualável de ser só. Não significa se resumir em estar
sozinho, mas sim abraçar a escolha de viver sem qualquer companhia, amorosa. Uma certeza
que deixa qualquer dúvida relacional na lona, como é a diária luta dos que se
amam ou fingem isso, respeito aqueles que acreditam, eles também precisam existir. Mas tão tamanha é essa
minha certeza, que é incontestável, meu axioma. A liberdade de jamais se aborrecer e
principalmente, de nunca mais causar desprazer a alguém, mínimo que seja. Até mesmo
um prazer ou vários, uma alegria ou tantas, outras convenções, tudo é mesmo tão relativo. Zero grau de afeto, a consciência da
solidão atinge sua maturidade. Não vejo, em todas que eu vejo, qualquer
perspectiva de relacionamento, posto que isso não há em mim. E não é somente com aquelas que eu vejo, a questão é que eu não sinto, envolve todas as que ainda não vi ou não verei, inclusive. Olhar a mulher com
isenção, destituído de qualquer forma de interesse, é o nível mais alto que um
homem pode alcançar na escala de convívio humano, social ou algo semelhante. Elas foram e são de imediato transformadas em pessoas, sei dos seus corações, mas não os conheço. Não os
recepciono, sequer convido, tampouco imagino serem afetivos, conterem desejos
ou nutrirem esperanças. Tornei-me outra espécie. Um religioso sem Deus, um
animal sem floresta, um ser vivo sem coração. A opção de morrer sozinho, foi a
mais bela estrada que já peguei. Porque só assim, é que me permiti viver sozinho. Caminho por uma angular que chega aos trezentos e sessenta graus de horizonte. Os que
estão por perto, estão nas ruas e avenidas. A minha estrada, corta o meu
deserto. As ruas e as avenidas, cortam as cidades. Como é bom poder olhar para
o lado, e contemplar apenas paisagens e natureza. Não há obstáculos, não tenho
amor. Não amarei, não terei obstáculos. A minha cegueira, não tem anteparos,
justificativas, declarações de colo ou presentinhos nas datas especiais. Um verdadeiro estado de conhecimento, merece este registro e se basta por si só. Índigo é a cor do céu. Anil é a cor do mar. A minha cegueira, é azul...
segunda-feira, 15 de agosto de 2016
STAR TREK - A INSÔNIA (versão brasileira)
A insônia
É uma angústia que se veste para sair
e não sai
e não se despe..
Manhã azul
Olhos vermelhos
Noite amarela
Vida misturada
Vida em branco...
Todos aqueles em que penso
Nesta madrugada acesa no breu
Não sabem que eu,
Sei que me esqueceram...
Pois não precisamos lembrar dos afins
Só pensamos na água,
quando estamos com sede..
Neste sereno de orvalhos
Vontade de ligar pra ela
E se ela, tão bela
Também acordada, atendesse
Pediria eu para ouvir as estrelas
Do céu de sua voz...
Insônia
É o outro lado da tua lua
Uma nova forma de criação
Reserva, só tua
Para quando não tiveres sol...
A madrugada
Outra convenção humana
Para acalmar organismos
Da inquietude por tanta luz
desperdiçada..
Noite longa
Casa fria
Pátio ameno
Houve um tempo em que eu saía
Houve um tempo em que eu saía
Com vontade de sereno..
O aço da noite
Nesta caserna disfarçada
Suporto tenente,
em descanso o frio da madrugada
em sentido o frio da vida
em continência o frio das gentes..
em continência o frio das gentes..
A poesia
Tão elegante madame
Que tem até uma governanta,
A dona insônia..
Escrever de madrugada
Onírico prazer
Só goza quem se despe
Do sono que é morrer...
De dia ele faz contas
Leva contabilidades
Para de noite fazer contos
Trazendo possibilidades..
A melhor inspiração
Está na água corrente
E na noite em claro
Fluxos permanentes
Conduzindo ao impossível
Onde mora a imaginação...
Palavra enjoada
Essa tal insônia que não rima com
nada
Preciso travesseiros e almofadas
Para combinar o que não conforta
Ou um pedaço de torta
Com uns goles de café
Tapear estômago é o jeito
Para quem não tem cafuné..
Escrever pode ser bonito
Mas viver o que se escreve,
É impossível
Pois já está escrito
Assim como é o granito
Grão que em rocha virou
Escrevo o que já passou
Faço um piso
Que não é caminho pro futuro
Pois não leva a nada
Só faz atravessar madrugada...
O sono me preocupa
É sinal de velhice
Prefiro a insônia
Onde penso como se fosse novo
Em tudo o que eu ainda não disse
Tudo o que eu ainda não sei
O que eu ainda não fiz
Eu ainda não quis
Porque não amei..
Insônia
Seu documento particular
De uso pessoal
Inválido para os outros
Nem sempre útil para você..
Insônia
Ladeira da lua
Minha rua verdadeira
Onde caminho sem esperança
Atrás da mulher que dança,
Minha musa rendeira,
A poetiza nua..
A poetiza nua..
domingo, 14 de agosto de 2016
Dia dos Pais
Mais uma vez, o carro ia-se embora,
deixando você em algum ponto do caminho. Tive alguns avisos sobre a despedida,
mas de tão tenra minha adolescência, não havia gabarito para abstrair aquilo
como anunciações do fim. Na primeira vez, achei estranho, ali, naquela praia,
você ficar sozinho e nós termos que vir pra casa no planalto. Na segunda, após
o almoço na churrascaria do Darci (seu restaurante predileto), fiquei com a vó
e o vô na praça Rui Barbosa para pegarmos um táxi rumo a casa do tio. Antes de
descer, uma voz me disse em silêncio: “dê o último beijo em seu pai”. Cumpri, não em
obediência a ela, mas pela educação que vocês me deram. Dali algumas horas, a
notícia. Uma navalha etária no auge dos meus treze anos. Você partiu, na carona do
primeiro e único edema agudo pulmonar. Não tivemos tempo de quase nada. O que
você me ensinou, mais sei pelo DNA respeitado do que por conversas. São trinta
e oito anos sem você. O “se” não existe, não sou dado a especulações. Vou ao
cemitério de vez em quando, louvar a lembrança do que eu tenho sobre o
significado de família. Não tive sorte, nem prosperidade ou bens. Meu conteúdo
adquirido ao longo de toda essa sua infinita ausência, levarei comigo, aonde
for. É aquele tipo de coisas que tem valor imensurável. Não traí, não roubei,
não bati e nem enganei ou magoei alguém. Não deixei a ninguém o legado da
minha presença. Você sabe muito bem o que eu penso, o que eu sinto. E reconheço
que, de alguma forma, você me ajuda. As implicâncias de sua morte em minha
vida, são complexas demais para que eu discorra sobre elas. Basta, que eu pense
sem palavras, que as respostas vêm. Mesmo assim, tenho orgulho do que eu perdi
para a vida. Tenho orgulho de você, claro que não da perda, mas do que você representa ad eternum. Só levo comigo a indignação por alguns
filhos maltratarem seus pais presentes. Prometo que deixarei isso, um dia, à
beira do meu caminho, já que nada tenho a ver com isso. Fui um menino
diferente, um jovem normal e hoje sou um homem só, mas sem lamentos. Transformei as minhas dores em poesias, músicas e busca de paz pela natureza. Continuo, como ninguém, a ouvir vozes em silêncio; aprendi que elas são as mais importantes. Não importa de onde elas vêm. Sei da
minha missão, apesar de que também sei que não me adapto muito bem a este mundo, eu quis revolucioná-lo, não deu; não fui o único que não conseguiu isso. Estou ansioso pela sua bronca, quando a gente se reencontrar,
pois eu não li nem um milésimo do que você leu. Eu só soube escrever. Feliz dia
dos pais, paiê!
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