quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Noites do Xaxim




Hoje, ela me ligou na tarde. Fechei os olhos, e foi como se eu visse uma árvore do passado, bela, frondosa, mas sem frutos neste presente. Não soubemos regá-la adequadamente, tínhamos outras coisas a fazer. Vivíamos assim, entre nossos compromissos e um pouco de encontros. Fizemos deles, um tipo especial de catarse, avivando uma forma diferente de companhia, o sexo era apenas uma importante justificativa. Abríamos os corpos, mas calávamos as bocas. Um silêncio estranho tomava conta, parecia que o presente da época era proibido, havia outras obrigações, para não dizer escolhas. Poderia ser de outro jeito, mas não tivemos maestria para tanto, éramos inexperientes. Enquanto ela foi atrás do grande amor de sua vida, eu fui à frente de todo e qualquer tipo de relação minha. Ela conduziu certezas, eu carreguei dúvidas. Minhas dúvidas foram a antessala da verdade, suas certezas foram o porão de um deslize. Separados, cada qual em seu mundo, tivemos em comum a inabilidade em lidar cada qual com seu relacionamento. Ela beirou a perfeição, eu sequer tangi aquilo que não me apareceu. Não precisa ser perfeito para se amar alguém, mas a reciprocidade é imaculável para a frutificação e manutenção do sentimento. Pouco sei dela, quase nada ela sabe de mim. Porque até hoje, somos vítimas daquele silêncio pretérito, no qual fomos nossos próprios algozes. A vida é assim mesmo, temos que compreendê-la do jeito que for, é o nosso dever. Por mais que os descaminhos nos afastem de quem significou um dia, a memória traz a imagem daquela árvore, cujas folhas ainda balançam ao vento, que o orvalho da noite do futuro trouxe, agora, algumas lágrimas para se embalarem em minhas pálpebras. Mas é um tipo benéfico de choro, posto que não é lamento, talvez seja uma forma de respeito, eu não sei direito. E de olhos embaçados eu vi, o quanto eu já morri nesta vida. Abri os olhos, ela não estava aqui. Aonde ela estiver, que ela possa ter muito verde em sua paisagem. Já que não dominamos a natureza humana, que a natureza propriamente dita, preencha a tela de uma realidade que apenas desenhamos, mas sequer fomos capazes de colorir. Quando eu, contrariado, a deixava na esquina noturna de sua casa, acompanhava pelas sombras durante minutos, até que ela chegasse ao portão. Antes disso, ela desaparecia na paisagem. Sem imaginar, eu também partia, em direção contrária. Era um aviso, eu não sabia que já naquele tempo, sobrevivíamos sob o condão do destino...    


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