segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Contos de Armarinho



 A Camisa sem Botão 

Numa fuga não alucinante em pleno janeiro raro de sol no planalto, eles desceram para o litoral. Dois amigos e uma prima, beirando cinco décadas de existência cada. Na onda matemática, três divórcios para o bem da utilidade do ordenamento jurídico nacional, eficácia tardia sobre as coisas que não fizemos certo anteontem. Um deles, foi escolher lugar para continuar a viver, ou quem sabe começar a morrer, mas ele preferia considerar a primeira condição. Os outros dois, companhia de férias. Três casas, não satisfizeram o desejo dele, nas fotos pareciam miniparaísos, mas de localização tenebrosa. Também, o negócio só se concretizaria no final do ano, então valia mais pelo passeio (os imóveis, eram na verdade um pretexto para matar a saudade do mar, o anfitrião não disse isso pra ninguém). No almoço praiano, os frutos marinhos convidavam à morada definitiva, não sem sussurrar baixinho ao pé de sua consciência o clássico “por que não veio antes?”. Nunca é tarde para morrer, nem cedo demais para recomeçar a vida. Um ligeiro descanso, armaram-se os guarda-sóis, estenderam-se as esteiras e abriram-se as cadeiras. Cerveja para dois no baú de plástico, ela voltaria dirigindo 95% sóbria, escapou um gole proibido. O astro-rei brilhava como sempre, destacando a maravilhosa Ilha do Mel ao norte de onde estavam. Pouca gente, na praia mais tranquila e limpa daquele estado. Onda vai, siri vem, ela abriu o jogo de sua vida. Reclamava dos homens e do apetite que eles têm em relação ao desprezo das entradas, querem logo o prato principal. Enquanto isso, o primo dela bebia mais e gritava em espasmos feito piá no interior, suspiros de uma pseudoliberdade, fugidia da prisão da cidade e da vida que escolheu sem saber. Ela contou alguns 'causos', como o do sujeito, amigo de uma amiga, que no segundo telefonema arriscou um erotismo via Embratel, anunciando-se excitado com a voz dela; sem sucesso, ela não deu corda, manga, pano, nenhum tipo de tecido que ele pudesse se pendurar ou mesmo limpar suas secreções germinativas, talvez a única coisa que ele tivesse pra dar. E aquele outro então, que ligou sábado à noite, nu do alto de sua cama-ringue, convidando-a para que ela saísse do conforto de seu lar e fosse lá esquentar-se com seu corpo teso? Pensar o que é que a humanidade fez com a sedução nessa contemporaneidade tardia...Viu-se nela uma tristeza em forma de cubos de gelo, como se a porta do freezer tivesse aberta por uns minutos, o aprendizado. Ao mesmo tempo, ela repetia jarras de esperança que não reconhecia líquidas, ou desfeitas, evaporadas, pois as esperanças são jarras vazias que guardamos no armário do peito. Nem todos guardam. Sustentava que alguém poderia aparecer em seu caminho, indicando características tão poucas e tão simples que seu homem idealizado deveria possuir, que deu pena, dada a complexidade das pessoas antes mesmo de se lançarem em relações, amorosas ou não. Quase a maioria dos indivíduos não se desfaz dos revezes de seu passado, e entra em um novo relacionamento como um Boeing equipado de caixas pretas: só se revela o conteúdo muito depois do acidente. Mas ela era legal, apesar de sua utopia. Vontade de lhe dar um conselho real, mas preferiu-se não interferir em seu sonho, questão individual, cada qual com os seus arbítrios, livres ou quase sempre não. Vê-se por aí, muitas mulheres sonhadoras, algumas procurando príncipes no mundo das ideias, numa terra onde nem há cavalos brancos. Não há reinos, e a realidade é mesmo uma fantasia. Parece que viver, é costurar e limpar e remendar e remodelar esta fantasia. O primo dava gargalhadas, tinha rasgado todos os seus trajes. O outro não, em seu armário, apenas as vestes, sem ilusão qualquer. Tem gente que aprende com o desamor, tem gente que nunca cola grau nesse tipo de ensinamento, os incompletos que teimam em querer um outro para serem um só. De repente, o silêncio veio com uma onda fresca nos pés, gelada na ideia: ela havia confessado demais, sentiu-se pequenina diante da crueza das próprias palavras que traduziram sua sobrevivência não menos atroz. Tentava, despertar-lhe sobre as outras coisas da vida, a desnecessidade de companhia afetiva, os filhos, o trabalho, as amizades, a praia. Ela não foi para a água, mas mergulhou em profunda desolação. Disfarçou o baque cabisbaixo alegando estar menstruada, não colou, mas respeitou-se. O cara do pastel de camarão de fim de tarde, avisou sobre a volta das águas-vivas, e sobre o vinagre (ele urinaria se preciso).  O autor, saiu dali pensando até onde a ilusão pode conduzir uma pessoa que acredita em algo que verdadeiramente não existe, sem que ela se desvie de sua natureza por isso. E agora João? A praia acabou, o sol esmoreceu, o povo voltou, a noite esfriou...e agora João? João, o primo bêbado, entrou no carro com a latinha na mão e a solidão na boca. Ela, guardava isto na mala. O outro, pensando na próxima casa. Os três, afastando-se daquele doce recanto, subiram a serra para continuar na metrópole a vida ácida que a ureia não resolve... 


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