Atrás da Planta Verde
A manhã nasceu ardente, naquela bela clínica
da cidade fria. Contrastes, já nesta hora do dia. Os jovens enamorados chegaram
juntinhos. Ela, pernalta enfiada numa bermudinha índigo blue lavada na pedra e toda
desfiada na entrada da calcinha levemente visível mesmo de pé, jaqueta sobre
blusa de cordão no peito, equilibrando-se no alto salto de sua plataforma quase olímpica. Ele, um misto de neonazista com frequentador de academia de
periferia, tinham um plano de saúde qualquer. Mais ninguém no ambiente além da
secretária do excelente doutor sem doutorado, desnecessário isso. A temperatura
subiu na sala de espera, sobre o sofazinho para três, todo ocupado pelos dois. Um
braço envolveu, um suspiro gemeu e o vidro embaçou. Sim, porque aquele
comportamento certamente não é de um casal de anos, no máximo umas poucas
semanas de tempo. Além do balcão, a funcionária se escondia atrás do monitor,
não sem esticar um olho na direção daquela libido desvairada. Mas ela não
precisava disso, era mais por uma ligeira indignação do que um voyeurismo
barato. A dança das cabeças começou e um pescoço a língua lambeu, até que a
namorada olhou pro céu de olhos fechados: o céu não estava lá, e ninguém vê senão
de olhos abertos – é preciso lembrar isto neste momento – deixando no ar quente
a pergunta sobre o que pretendemos com um gesto destes. Subir, voar, ascender ou até mesmo transgredir pensando em outro alguém? Cada qual com a sua resposta. Eles sabiam
que a secretária estava ali, revelando um propósito exibicionista. Que indica uma
necessidade de autoafirmação muito maior que o desejo, que não esconde uma
insegurança e nem demonstra estabilidade, em mais uma destas relações gangorra
onde o sexo é o fator compensatório, de caráter supletivo: no mínimo, falta
alguma coisa importante naquela união. Ou, faltam várias coisas de menor monta,
mas necessárias. Quando os hormônios saem das glândulas, excretam-se no chão
dos olhos de quem passa, tome-se cuidado para não escorregar e atribuir a isso
uma questão de moralismo, nada a ver. Seria então caso de ética comportamental?
Lá sei, como dizia a capixaba Kellen, aquela moça que de menor só tinha o
clitóris. De tão bonito, o ambiente talvez lhes tenha atiçado neste sentido, a
conduta. Mas não adianta procurar razões para uma coisa tomada de emoção. E tal
afirmava o baiano da sorridente Irene, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o
que é”; eles eram aquilo porque estavam fazendo aquilo. Moralidades fora,
reitero, o lugarzinho ferveu. Ela, não discretamente abriu a blusa e lhe
mostrou o peito e ele, fingindo apenas deitar sobre seu tórax, mamou sem
sucção. Bico eriçado, ela dependurava-se pela mão esquerda sobre o volume da calça
dele, claro que isto sob uma bolsa, um resquício de juízo morto fazia com que
não ficassem pelados em Curitiba. Ele levantou e foi levar água pra ela, o
tesão deu sede, ou vai ver que lamberam algo com gosto duvidoso. Começou a chegar
mais gente, uma senhora me perguntou com os olhos o que significava aquilo. Eu
sorri e acompanhei o ato que foi se desfazendo no tempo até que o médico os
chamou. Pronto, a secretária tranquilizou-se, pelos outros pacientes, pelo
trabalho, pela clínica e por ter presenciado a ausência completa de noção de
espaço por parte deles. Ao cabo de minha consulta, perguntei ao profissional se
ele tinha emprestado sua maca para que eles consumassem o ato. Ele deu risada,
e eu disse que eles deveriam aproveitar mesmo, pois chegará um dia depois do
casamento que marcará o último contacto corporal, a partir do qual eles nem
mais se tocarão. O sexo animalesco é um elo, mesmo que paralelo, a sustentar
relações vazias. Quando é fruto de carinho, pode ser chamado de amor. Assim,
não é preciso fechar os olhos para transcender. Do contrário, à moda do
casalzinho, sexo não passará da carne, seja onde for. Teve alguém que falou uma
vez, que “o sexo banal é a carência afetiva sem preservativo”. Marilyn Chambers
fez escola.
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