sábado, 9 de janeiro de 2016

Contos & Coordenadas




LONGITUDE 
Ele cruzou uma boa parte do seu oceano. Desprezou os outros seis mares, não havia necessidade, era contrário à busca. Deixou-se levar, no sentido das correntes, mesmo que não passivo. Exímio observador, quando encontrava alguém sobre a linha d’água, não taxava com a marca do encontro, do destino nem da fatalidade; poderia ser apenas um trespasse de rotas, com ou sem plano de navegação. Afastava-se de tudo o que não fosse profundo, misterioso, mas sem curiosidade alguma, apenas com muita atração pelo mundo subjetivo. A intemperança, muitas eloquências, todo e qualquer espirrar de egos sobre a superfície, nunca lhe foram aprazíveis. Desviava, contornava e seguia seu rumo. Ele não sonhava com mergulhos abissais na imensidão sob seus pés, somente imaginou se talvez existisse alguém que pensasse como ele, em relação a isso. Ou seja, navegar pelo outro lado das coisas, do mundo, da vida. Fosse tecnologia, seria algo como um sonar, fazendo varreduras sob o chão de água por onde passasse(m). Umas vieram do florista, outras do bar e principalmente do nada, que ele sentia-se uma quase Terezinha. Nem precisava dizer não, era tudo possessório, satisfação de necessidades para não dizer carências, e descartável como plástico. Material resistente à ação do tempo, demorava-se na memória, que aprendeu a reciclar. Enganou-se uma, duas, três ou quatro foram as suas paixões, o resto era carne. Ele também foi carne para alguma gente. E o tal do amor, não foi além de uma teoria sem começo. Quando via possibilidades, ondas vinham de marés inesperadas, ele não olhava as tábuas. Se o fizesse, jamais navegaria. Não teve medo de se envolver, abria coração e braços, abaixou as calças, expôs o pensamento todo, geral e irrestrito. Levou carinho, trouxe orgasmos. Deixou conforto, ganhou vazios. Ofereceu colo, teve indiferenças. Nunca pode chamar alguém de companhia. Isto só é possível, por exemplo, quando alguém lhe ouve, sem você estar dizendo qualquer coisa. Ou quando alguém lhe vê, sem você estar por perto. Uma espécie de comunhão entre os sentidos, todos. Exato, uma teoria mesmo, que ele já se esgotou de tanto revelar. Tese sem público, peça sem plateia, aula sem discente. Palavras sem papel. Sua vida, era navegar. Lançava letras, em forma de frases que se afogavam no mar. Para cada morte, uma estrela a menos no céu. A distância da costa já é incalculável. Mesmo assim, a sensação de dever cumprido, realizada a missão particular, em anonimato. Sob o céu, já tão escuro, que o sol já não confirma visita amanhã... 



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