sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Congresso das Poesias Vivas - "O Segredo" segundo eles




“o Segredo 
quando assume caráter de confissão 
morre nas masmorras do corpo mudo..” 
- Marin Chêne 
  
“leva teu mistério 
pra morar na vila dos segredos 
é somente lá que reconhecerás 
tua nacionalidade.” 
- Henry Dernier 

“O único segredo que as mulheres sabem guardar é aquele que ignoram.” 
- Sêneca 

“O segredo de aborrecer é dizer tudo.” 

"Se não conto meu segredo, ele é meu prisioneiro. Se o deixo escapar, sou prisioneiro dele. A árvore do silêncio, dá os frutos da paz." 
- Schopenhauer 

“Mesmo a mulher mais sincera esconde algum segredo no fundo do seu coração.” 

“Em cada um de nós há um segredo, uma paisagem interior com planícies invioláveis, vales de silêncio e paraísos secretos.” 

“Quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir, se convence que os mortais não podem ocultar nenhum segredo. Aquele que não fala com os lábios, fala com as pontas dos dedos: nós nos traímos por todos os poros.” 

“A música é o tipo de arte mais perfeita: nunca revela o seu último segredo.” 

“Como a abelha trabalha na escuridão, o pensamento trabalha no silêncio e a virtude no segredo.” 

“Na vida todos temos um segredo inconfessável, um arrependimento irreversível, um sonho inalcançável e um amor inesquecível.” 

“Um beijo é um segredo que se diz na boca e não no ouvido.” 

“Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também...” 

“Flores envenenadas na jarra. Roxas azuis, encarnadas, atapetam o ar. Que riqueza de hospital. Nunca vi mais belas e mais perigosas. É assim então o teu segredo. Teu segredo é tão parecido contigo que nada me revela além do que já sei. E sei tão pouco como se o teu enigma fosse eu. Assim como tu és o meu.” 

“Não fale, não conte detalhes, não satisfaça a curiosidade alheia. A imaginação dos outros já é difamatória que chegue.” 

“Não devia te contar. 
Se você guardar segredo, 
Eu revelo este meu medo 
De não saber amar. 

Não devia te amar, 
Mas se você guardar meu medo, 
Eu revelo este segredo 
Que não sei contar.” 

“O segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão.” 

“O desamor 
É o único segredo 
    que revela-se apenas para você mesmo.” 
- Eduardo Carval 


SOM CWB


"Tanta Pressa" - Vilma Ribeiro





quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Contos Sob as Cores da Luxúria




Atrás da Planta Verde 

A manhã nasceu ardente, naquela bela clínica da cidade fria. Contrastes, já nesta hora do dia. Os jovens enamorados chegaram juntinhos. Ela, pernalta enfiada numa bermudinha índigo blue lavada na pedra e toda desfiada na entrada da calcinha levemente visível mesmo de pé, jaqueta sobre blusa de cordão no peito, equilibrando-se no alto salto de sua plataforma quase olímpica. Ele, um misto de neonazista com frequentador de academia de periferia, tinham um plano de saúde qualquer. Mais ninguém no ambiente além da secretária do excelente doutor sem doutorado, desnecessário isso. A temperatura subiu na sala de espera, sobre o sofazinho para três, todo ocupado pelos dois. Um braço envolveu, um suspiro gemeu e o vidro embaçou. Sim, porque aquele comportamento certamente não é de um casal de anos, no máximo umas poucas semanas de tempo. Além do balcão, a funcionária se escondia atrás do monitor, não sem esticar um olho na direção daquela libido desvairada. Mas ela não precisava disso, era mais por uma ligeira indignação do que um voyeurismo barato. A dança das cabeças começou e um pescoço a língua lambeu, até que a namorada olhou pro céu de olhos fechados: o céu não estava lá, e ninguém vê senão de olhos abertos – é preciso lembrar isto neste momento – deixando no ar quente a pergunta sobre o que pretendemos com um gesto destes. Subir, voar, ascender ou até mesmo transgredir pensando em outro alguém? Cada qual com a sua resposta. Eles sabiam que a secretária estava ali, revelando um propósito exibicionista. Que indica uma necessidade de autoafirmação muito maior que o desejo, que não esconde uma insegurança e nem demonstra estabilidade, em mais uma destas relações gangorra onde o sexo é o fator compensatório, de caráter supletivo: no mínimo, falta alguma coisa importante naquela união. Ou, faltam várias coisas de menor monta, mas necessárias. Quando os hormônios saem das glândulas, excretam-se no chão dos olhos de quem passa, tome-se cuidado para não escorregar e atribuir a isso uma questão de moralismo, nada a ver. Seria então caso de ética comportamental? Lá sei, como dizia a capixaba Kellen, aquela moça que de menor só tinha o clitóris. De tão bonito, o ambiente talvez lhes tenha atiçado neste sentido, a conduta. Mas não adianta procurar razões para uma coisa tomada de emoção. E tal afirmava o baiano da sorridente Irene, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”; eles eram aquilo porque estavam fazendo aquilo. Moralidades fora, reitero, o lugarzinho ferveu. Ela, não discretamente abriu a blusa e lhe mostrou o peito e ele, fingindo apenas deitar sobre seu tórax, mamou sem sucção. Bico eriçado, ela dependurava-se pela mão esquerda sobre o volume da calça dele, claro que isto sob uma bolsa, um resquício de juízo morto fazia com que não ficassem pelados em Curitiba. Ele levantou e foi levar água pra ela, o tesão deu sede, ou vai ver que lamberam algo com gosto duvidoso. Começou a chegar mais gente, uma senhora me perguntou com os olhos o que significava aquilo. Eu sorri e acompanhei o ato que foi se desfazendo no tempo até que o médico os chamou. Pronto, a secretária tranquilizou-se, pelos outros pacientes, pelo trabalho, pela clínica e por ter presenciado a ausência completa de noção de espaço por parte deles. Ao cabo de minha consulta, perguntei ao profissional se ele tinha emprestado sua maca para que eles consumassem o ato. Ele deu risada, e eu disse que eles deveriam aproveitar mesmo, pois chegará um dia depois do casamento que marcará o último contacto corporal, a partir do qual eles nem mais se tocarão. O sexo animalesco é um elo, mesmo que paralelo, a sustentar relações vazias. Quando é fruto de carinho, pode ser chamado de amor. Assim, não é preciso fechar os olhos para transcender. Do contrário, à moda do casalzinho, sexo não passará da carne, seja onde for. Teve alguém que falou uma vez, que “o sexo banal é a carência afetiva sem preservativo”. Marilyn Chambers fez escola. 




segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Contos de Armarinho



 A Camisa sem Botão 

Numa fuga não alucinante em pleno janeiro raro de sol no planalto, eles desceram para o litoral. Dois amigos e uma prima, beirando cinco décadas de existência cada. Na onda matemática, três divórcios para o bem da utilidade do ordenamento jurídico nacional, eficácia tardia sobre as coisas que não fizemos certo anteontem. Um deles, foi escolher lugar para continuar a viver, ou quem sabe começar a morrer, mas ele preferia considerar a primeira condição. Os outros dois, companhia de férias. Três casas, não satisfizeram o desejo dele, nas fotos pareciam miniparaísos, mas de localização tenebrosa. Também, o negócio só se concretizaria no final do ano, então valia mais pelo passeio (os imóveis, eram na verdade um pretexto para matar a saudade do mar, o anfitrião não disse isso pra ninguém). No almoço praiano, os frutos marinhos convidavam à morada definitiva, não sem sussurrar baixinho ao pé de sua consciência o clássico “por que não veio antes?”. Nunca é tarde para morrer, nem cedo demais para recomeçar a vida. Um ligeiro descanso, armaram-se os guarda-sóis, estenderam-se as esteiras e abriram-se as cadeiras. Cerveja para dois no baú de plástico, ela voltaria dirigindo 95% sóbria, escapou um gole proibido. O astro-rei brilhava como sempre, destacando a maravilhosa Ilha do Mel ao norte de onde estavam. Pouca gente, na praia mais tranquila e limpa daquele estado. Onda vai, siri vem, ela abriu o jogo de sua vida. Reclamava dos homens e do apetite que eles têm em relação ao desprezo das entradas, querem logo o prato principal. Enquanto isso, o primo dela bebia mais e gritava em espasmos feito piá no interior, suspiros de uma pseudoliberdade, fugidia da prisão da cidade e da vida que escolheu sem saber. Ela contou alguns 'causos', como o do sujeito, amigo de uma amiga, que no segundo telefonema arriscou um erotismo via Embratel, anunciando-se excitado com a voz dela; sem sucesso, ela não deu corda, manga, pano, nenhum tipo de tecido que ele pudesse se pendurar ou mesmo limpar suas secreções germinativas, talvez a única coisa que ele tivesse pra dar. E aquele outro então, que ligou sábado à noite, nu do alto de sua cama-ringue, convidando-a para que ela saísse do conforto de seu lar e fosse lá esquentar-se com seu corpo teso? Pensar o que é que a humanidade fez com a sedução nessa contemporaneidade tardia...Viu-se nela uma tristeza em forma de cubos de gelo, como se a porta do freezer tivesse aberta por uns minutos, o aprendizado. Ao mesmo tempo, ela repetia jarras de esperança que não reconhecia líquidas, ou desfeitas, evaporadas, pois as esperanças são jarras vazias que guardamos no armário do peito. Nem todos guardam. Sustentava que alguém poderia aparecer em seu caminho, indicando características tão poucas e tão simples que seu homem idealizado deveria possuir, que deu pena, dada a complexidade das pessoas antes mesmo de se lançarem em relações, amorosas ou não. Quase a maioria dos indivíduos não se desfaz dos revezes de seu passado, e entra em um novo relacionamento como um Boeing equipado de caixas pretas: só se revela o conteúdo muito depois do acidente. Mas ela era legal, apesar de sua utopia. Vontade de lhe dar um conselho real, mas preferiu-se não interferir em seu sonho, questão individual, cada qual com os seus arbítrios, livres ou quase sempre não. Vê-se por aí, muitas mulheres sonhadoras, algumas procurando príncipes no mundo das ideias, numa terra onde nem há cavalos brancos. Não há reinos, e a realidade é mesmo uma fantasia. Parece que viver, é costurar e limpar e remendar e remodelar esta fantasia. O primo dava gargalhadas, tinha rasgado todos os seus trajes. O outro não, em seu armário, apenas as vestes, sem ilusão qualquer. Tem gente que aprende com o desamor, tem gente que nunca cola grau nesse tipo de ensinamento, os incompletos que teimam em querer um outro para serem um só. De repente, o silêncio veio com uma onda fresca nos pés, gelada na ideia: ela havia confessado demais, sentiu-se pequenina diante da crueza das próprias palavras que traduziram sua sobrevivência não menos atroz. Tentava, despertar-lhe sobre as outras coisas da vida, a desnecessidade de companhia afetiva, os filhos, o trabalho, as amizades, a praia. Ela não foi para a água, mas mergulhou em profunda desolação. Disfarçou o baque cabisbaixo alegando estar menstruada, não colou, mas respeitou-se. O cara do pastel de camarão de fim de tarde, avisou sobre a volta das águas-vivas, e sobre o vinagre (ele urinaria se preciso).  O autor, saiu dali pensando até onde a ilusão pode conduzir uma pessoa que acredita em algo que verdadeiramente não existe, sem que ela se desvie de sua natureza por isso. E agora João? A praia acabou, o sol esmoreceu, o povo voltou, a noite esfriou...e agora João? João, o primo bêbado, entrou no carro com a latinha na mão e a solidão na boca. Ela, guardava isto na mala. O outro, pensando na próxima casa. Os três, afastando-se daquele doce recanto, subiram a serra para continuar na metrópole a vida ácida que a ureia não resolve... 


quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Noites do Xaxim




Hoje, ela me ligou na tarde. Fechei os olhos, e foi como se eu visse uma árvore do passado, bela, frondosa, mas sem frutos neste presente. Não soubemos regá-la adequadamente, tínhamos outras coisas a fazer. Vivíamos assim, entre nossos compromissos e um pouco de encontros. Fizemos deles, um tipo especial de catarse, avivando uma forma diferente de companhia, o sexo era apenas uma importante justificativa. Abríamos os corpos, mas calávamos as bocas. Um silêncio estranho tomava conta, parecia que o presente da época era proibido, havia outras obrigações, para não dizer escolhas. Poderia ser de outro jeito, mas não tivemos maestria para tanto, éramos inexperientes. Enquanto ela foi atrás do grande amor de sua vida, eu fui à frente de todo e qualquer tipo de relação minha. Ela conduziu certezas, eu carreguei dúvidas. Minhas dúvidas foram a antessala da verdade, suas certezas foram o porão de um deslize. Separados, cada qual em seu mundo, tivemos em comum a inabilidade em lidar cada qual com seu relacionamento. Ela beirou a perfeição, eu sequer tangi aquilo que não me apareceu. Não precisa ser perfeito para se amar alguém, mas a reciprocidade é imaculável para a frutificação e manutenção do sentimento. Pouco sei dela, quase nada ela sabe de mim. Porque até hoje, somos vítimas daquele silêncio pretérito, no qual fomos nossos próprios algozes. A vida é assim mesmo, temos que compreendê-la do jeito que for, é o nosso dever. Por mais que os descaminhos nos afastem de quem significou um dia, a memória traz a imagem daquela árvore, cujas folhas ainda balançam ao vento, que o orvalho da noite do futuro trouxe, agora, algumas lágrimas para se embalarem em minhas pálpebras. Mas é um tipo benéfico de choro, posto que não é lamento, talvez seja uma forma de respeito, eu não sei direito. E de olhos embaçados eu vi, o quanto eu já morri nesta vida. Abri os olhos, ela não estava aqui. Aonde ela estiver, que ela possa ter muito verde em sua paisagem. Já que não dominamos a natureza humana, que a natureza propriamente dita, preencha a tela de uma realidade que apenas desenhamos, mas sequer fomos capazes de colorir. Quando eu, contrariado, a deixava na esquina noturna de sua casa, acompanhava pelas sombras durante minutos, até que ela chegasse ao portão. Antes disso, ela desaparecia na paisagem. Sem imaginar, eu também partia, em direção contrária. Era um aviso, eu não sabia que já naquele tempo, sobrevivíamos sob o condão do destino...    


quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Poema das Milhas Mortas


 Poema das Milhas Mortas 

 A areia da praia no vidro de ontem 
 O lembrar de Célia na porta da história 
 O riso do bêbado na mesa do canto 
 O jeito do pobre na fila do banco 
 O anel de formatura no fundo da caixa 
 A dor do futuro no meio do hoje 
 A lágrima do peito no beiral dos olhos 
 A marca da solidão ao redor da casa 
 O vazio da noite à beira da estrada 
 O gole de água no caminho do nada 
 A falta de sentido no fim da vida 
 A cruz do nunca no centro do amanhã.. 
     as doze linhas em quase treze sílabas, 
     e os meus sete tempos de chance... 




Valsando Por Aí...


 Margaret's Waltz / UISTMAN59 


 Tom Traubert's Blues Waltzing Matilda / kemalino 


 Blue Danube / tonoblasi 


 Valsinha / Mônica Salmaso 


 Valsa da Despedida / João Gilberto 


domingo, 17 de janeiro de 2016

Miss Celânea 6




Tenho meu melhor poema
Mas não o decorei
Assim como há outras coisas,
Melhores em mim
Mas, 
    ainda as desconheço...


Levei flores,
    tomei descaso
Mostrei frases,
    ganhei frieza
Ofereci colo,
    tive ausência
Dei carne,
    Nem copo d´água serviram...


Os dedos mergulham nas teclas
Neste mar noturno de mim
A tela, 
    feito lua
Sem barco que navegasse,
Vou me afogando assim
Renasço à meia-noite
E morro na alvorada
Vivo só a madrugada
Sem sol,
    nem zepelim...


Fui ver o meu sonho
Ele estava no lugar
Quem se perde sou eu
Que ainda rejeita lençóis...


Três casas boas
Três distantes da praia
Três Terezas nuas
Púbis em samambaia
Ando até o mar
Me embrenhando até os ventres
Ventura quente
Essa de se refrescar...


Perdi a manha
De conquistar alguém
Desnudo-me por inteiro
E o medo nelas vem
Pois elas, nuas
Escondem alguém
Atrás dos olhos
No canto da boca
No gemido preso
O gozo trocado
O gesto pecado
Foder com quem se tem...


A cadela na janela
Sorri feito banguela
Vida de mordidas
E lamber pra não virar feridas


Estendo o braço na cama
Mar deserto
Deserto de areia
Areia aqui e acolá
Olhos marcados
De tanto não enxergar
Que o espaço não existe
Solitude é o que há..


Não me chame pra conversar
Sobre amor
Nada há a declarar..
Se existe curitibano
Sou eu em negar essa natureza...


Venha
Dispa-me até o céu cair
Morda meus braços
Quando ele lhe tocar
A lua nas costas
Peso da natureza
De quem não sabe levar..


Hoje, recusei o sol
Nessas bandas sempre nubladas
Não estou acostumado,
A um aperto de mão...


Matei mais um fim de semana
Que o tédio não velou
Foi a luz de cabeceira
Que o teu amor apagou..


sábado, 16 de janeiro de 2016

CURTA - metr.





Sentinela III



E quando eu morrer? Quem determinará meu estado de morbidade? Removo as interrogações, para elaborar um texto objetivo, sem especular. Alguém avistará o já corpo. Vai se aproximar; afinal, mesmo sem pensar nisso, as pessoas sabem que os cadáveres não podem ficar ali, onde pereceram. Há apenas um lugar para eles, o tradicional. Sobre a terra, à vista humana, somente os vivos merecem trânsito, sem se importar se estão bem vivos ou não. Então aquela pessoa verá que eu morri. Pelo pulso, pela falta de respiração ou por outro sinal mórbido qualquer. O celular retirado do bolso, tentativa nula de avisar alguém com o aparelho em segredo, chame-se uma autoridade, de outra forma. O primeiro profissional a aparecer por perto será um policial. O segundo, um funcionário do IML, isso após vinte e oito curiosos amadores. Não haverá necessidade de médicos, a não ser que esteja passando um por perto, meio que perdido. Claro, que no seio flácido de uma multidão ávida por saciar seu lado nefasto de presenciar mortos in loco. Ninguém deita em definitivo nas ruas, nas praças e em nenhum lugar sem estar morto. Morrerei na horizontal, talvez. Se dentro de um automóvel, a culpa não será minha. Como pedestre, certamente faltará cuidado da minha parte. Mas pode não ser lá fora. Aqui dentro, o mais provável último passo. Se eu já sei quem me buscará oficialmente lá, resta saber quem é que, nesta casa que não é minha, irá me encontrar falecido. Sem falar no tempo que vai demorar para saberem da minha morte. Mas esta será apenas uma morte a mais, na sequencia de tantas que já aconteceram em meu caminho. Gente, parentes, animais, empregos, esperanças, sonhos, afetos, amores, enfim, tanta coisa já sucumbiu em minha vida. O bom, é que eu serei uma morte a mais apenas para mim, os outros nem considerarão. Atribuirão uma normalidade, compatível ao que eu fui. Como se justificassem meu passamento. Coitado, não amou nem foi amado, estava se demorando demais por aqui, não tinha o que fazer, já foi tarde. Um banho, algum produto especial e algodões vedando orifícios corporais, o terno mais bonito, alguém trouxe. Do Instituto para o rabecão e deste para o velório, sem séquito algum. Lá, quem sabe umas dez pessoas, em suficientes seis horas farão o social. Não passarão os opositores, os ignóbeis, os indiferentes nem os desamores: todos, seguirão inertes, intocáveis, imóveis quanto ao meu decesso. Um pouco de talco para colorir esta vida black-tie que eu levei nas coxas. Borrifos de alfazema para ajudar as poucas flores em torno da rigidez cadavérica. Um último adeus para quem já estava deveras longe dos teimosos sobreviventes de mim. Fim das noites de insônia e das alergias; fim das músicas lentas e das poesias. Do sonho possível, do desejo marinho, da paz distópica. Pronto, não justifiquei companhias: não enlutarei ninguém. A tampa do ataúde não terá janela para observar a festa dos decompositores. Um pequeno féretro até a capela, o cerimonial de descida e o céu livre para todos os tipos de pássaros que não gorjearam em minha natureza, eu não tive gabarito para acompanhá-la. Haverá sol neste céu. É para lá que eu não vou. Ainda tenho algumas coisas incertas para resolver por aqui, antes do próximo embarque na litorina branca e silenciosa... 


sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

ARTE 2


 MAR AZUL ▲ JÚLIA VARGAS 
 "Canoa, Canoa" - Nelson Ângelo & Fernando Brant 




Seção AMOR LIVRE


 "O TREM AZUL" 
 LÔ BORGES & RONALDO BASTOS 



 versão DANILO OLIVEIRA 


 versão KEL DO NASCIMENTO 


 versão O TERNO 


 versão ELIS REGINA 


 versão LÔ BORGES 




segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

desXencontros em SINOPSES




Ela achava que ele devia correr atrás dela. Uma, duas, muitas vezes. O que ele havia feito, era pouco. Pena, ela não sabia que ele detestava amores beneficiados... 


Brigavam a todo instante. O casamento era a esperança de paz na relação. Talvez enfim sós e separados do mundo, fossem capazes de tranquilizar a união. No futuro, a possibilidade da felicidade impossível no presente. Por isso buscavam o divã na tentativa de mudar realidade, do terapeuta fizeram um deus. A fé, é mesmo um colírio para a cegueira... 


Não havia amor, mas uma forte necessidade de somar fracassos relacionais. Bastava para o enlace. Foi-se o sexo, mas veio estabilidade, prosperidade e aposentadoria. Um festival de compensações que jamais deveriam ser compreendidas como compensações. Aquilo que falta desde cedo, não virá. Não quando se tratar de essência... 


Dois, em um modelo único. De longe, exemplares. Um pouco mais próximo, sinais de desgaste. Bem perto, eram duas frustrações. O casal vintenário, resistia bravamente ao tempo sobre um espaço que se reduzia a cada dia. Mas lá fora tinha sol. Ali dentro, mesmo de manhã, uma infinita e acovardada madrugada... 


Quando são os orgasmos que juntam, é preciso manter permanentemente a saúde do corpo, custe o que custar. Qualquer coisa que interfira negativamente ou que não se relacione ao sexo, desconstrói o castelo de areia. Uma onda do mar, por exemplo. Ou seja, coisas de outra natureza, humana por exemplo... 


De tanto oprimir, mandar e dirigir, enviuvou. Mas seu companheiro já havia morrido bem antes da morte. Ele decidiu suicidar-se brancamente, isto é, continuando naquela relação, como se não fosse assim. Há mortes, inevitáveis, quando não se quer mais viver... 


Mas nem tudo são espinhos. Aqueles lá, desde cedo se amaram, abrindo mão das outras experiências da vida. Abdicação, renúncia, chamem do que quiser. Olhar para eles hoje, é o mesmo que se via ontem, trinta anos depois. Raros, especialíssimos. Sem que cada metade completasse o outro, já que eram os dois, inteiros. Talvez este seja o segredo do grande amor: apresentar-se por completo, sem vácuos nem espaços rasgados, arrancados ou deformados, seja por terceiros, por si próprio ou por qualquer outra coisa. Assim, cada qual preserva sua integridade, evidenciada no triunfo sobre o tempo. Sérgio e Rosiane, meus parabéns. A humanidade agradece.