segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

DESclassificados




Senhoras e senhores, digam ao povo que permaneço! Emprestei célebre frase da história nacional para adaptá-la à minha pacata existência. Eu não havia percebido, mas estou sim, ainda em mim. Passados alguns meses, me encontro aqui, fazendo o que mais gosto. Por um momento, pensei que não seria capaz de seguir sem ela, minha inspiração. Encostei o corpo, arriei o espírito, flambei vontades e gelifiquei sonhos. Atravessando uns dias obscuros, demorei-me nos entardeceres e vaguei pelas noites, as palavras eram estrelas muito distantes, quase inalcançáveis à minha ótica. Cá estou, com todos os meus predicados secretos, virtudes pétreas, e também aquele jeito obsceno de lidar com as emoções, expondo-as como se fossem pele. Sou eu mesmo, aquele repugnante ser que toca nas feridas, que pede pelos segredos, mergulhador da plataforma humana, tudo no máximo em duas vezes, como mandam as etiquetas. Um determinado alguém que descarta as superfluidades, os cosméticos, tinturas e as linhas d’água. Que diante do próximo, mesmo que soe equivocadamente como desrespeito, toca no fio da lâmina íntima do autodegredo de cada um. Faço com toda a educação, mas as pessoas recebem o contrário, já que preferem banhar-se no rasinho das suas coisas. No fundo, minha luta é contra o medo que as pessoas têm delas mesmas, não de mim, um reles mensageiro. Não trago ouro, especiarias, respostas nem futurismo, apenas estímulo à busca interna. Há gente com temor de se encontrar consigo mesmo; o que fariam? Não me interessa. E não digam nada a ninguém, é desnecessário. Já se foram centenas de linhas desde aquele dia. Não percebi, por se tratar de um processo, construção. Hoje, vejo tudo aquilo que não deixei de ser. Voltei a observar o mundo lá fora, redirecionei minha grande angular. Aqui dentro, só havia ela, a inspiração. Abro a janela do quarto, o sol queima. Abro a porta da sala, a chuva refresca. Abro a geladeira, outros alimentos me chamam. Abro um livro, os capítulos me convidam. Abro o zíper da calça, o membro em riste. A vida sem ela, continua bastante e quase bela vida... 



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