segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

AUTORALLIA << A Bissetriz do Atlântico / por Diamond Fisher



A BISSETRIZ DO ATLÂNTICO 
Meus olhos não dizem nada. Não preciso me ver no espelho para saber mais de mim. Mas eles calam também para o resto do mundo, os outros olhares. Um castanho negro como o mogno, envelhecido desde os quatro anos de idade, quando deixaram de estar azuis, sob meus cabelos que naquele tempo foram dourados. Um cataclismo que eu desconheci, fez-me camaleão levando embora aquelas belas cores de minha vida. Muito tenro, eu não compreendi o sinal, seria sempre assim. De tudo se faz espectro, prismático, dimensional. Não há anteparos em meu caminho. Pensei que encontraria algumas telas que eu pudesse admirar, paisagens a contemplar, mas não pensei num amor que eu pudesse amar, identificar como acontece com as estações. Talvez esta falta de ambição tenha sido meu calvário ambiental. Quando vi portais, não havia chaves que eu conseguisse transpô-los. Quando vi caminhos, faltavam as vicinais a acompanhar. Quando olhei para o sol, ofusquei minhas esperanças, todas elas. Desde cedo aprendi a lidar com as ausências. De pessoas, de parentes, de amigos, de recursos, tranquilidade e alegrias. Tive que me reinventar algumas vezes, adaptando-me à sobrevivência compulsória. Paralelamente a este meu mundo tangencial, não houve lástimas, jamais reclamei algo além das indignações sociais. Aceito feito aprendizado, o sofrer positivo do não chorar. Guardo minhas lágrimas, para as emoções advindas da coisa humana, tal qual o cego que tem audição apurada, ocorre com minha sensibilidade, em relação a escassez de afeto. Natureza compensando destinos. E o pior, é que isto é lindo demais. Uma outra forma de beleza, a que eu sinto; nem sempre, é claro. Então, na janela dos meus olhos não há cores, tampouco primárias, que pudessem atrair a mais ingênua dentre as aprendizes das educações artísticas. Acompanho corpos pelas ruas, hoje já sem a pretensão do olhar, muito menos o desejo orgânico: em milésimos de segundo, alguém passa por mim e ninguém se vê. O que eu teria para dar, eu escrevo. São palavras, que vagueiam pelas noites do meu pensamento, como as estrelas fazem no céu reservadamente durante o dia. Se eu as juntasse em algumas frases, montaria uma grinalda de aro. Iria até a praia, lançaria ao oceano. Lá, não passa ninguém, ninguém arriscaria escutar toda essa minha voz terçã. Ainda dá tempo de fazer isso, pois também cedo descobri que o meu horizonte concorre exatamente sobre a linha da beira-mar. O que eu ainda não sei é se, uma vez livres na plenitude furta-cor de nosso litoral, os meus cães irão voltar... 


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