MEU QUARTO
feriado nacional. pessoas reunidas, almoços, passeios e
atividades mil, alguns descansos, eu não. eu permaneço em meu quarto. meu
quarto, que não é um lugar no espaço. meu quarto é um estado, um modo e também
um aglomerado de instantes que se infinita acabando com os limites do tempo.
ele é a minha dimensão particular, com a característica de ser indeterminado,
não cabendo qualquer coisa que se individualize. tudo que há em mim, ou no meu
quarto, está relacionado com tudo o que eu sou, o que eu fui e o que pretendo
ser, somando-se a isto todos os nãos, os nuncas e os jamais. é um portal
imaginário a partir de onde eu realisticamente cultivo meus valores, rego meus princípios, podo minhas condutas. são coisas que não se confinam, nem se
demarcam, muito menos se restringem. ao contrário, ele é volante, móvel,
itinerante, nômade como eu. lá, ou aqui, tanto faz, é minha garagem de
palavras, minha estação de sensações e ainda meus trilhos de expressão. tudo isso
sem comportar sentimentos. só porque nossos sentimentos não dependem da gente.
por isso não há cadeiras em meu quarto. não há chão, predomina o céu. não há
paredes, predomina o cosmo. não há portas, predominam os caminhos. mas tem um
sem número de janelas que são placas indicando estes caminhos. meu quarto me
acompanha onde eu for. meu quarto foi de onde parti para o mundo, que fica
dentro dele. plano de escrever, que é desenhar a vida que eu não vivo. pintar
com as cores mais vibrantes o elegante black-tie de todos os meus mais queridos
silêncios. meu quarto não é a minha vida, mas sim aquilo que eu considero que
ela seja. por isso, eu nunca estou só. pela natureza da ideia, há sempre alguém
indeterminado me acompanhando. pode ser que seja a solidão. pode ser que seja
deus. pode ser que seja alguém...
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