LIBERTEM MARIA
Nem uma. Nem duas, nem três.
Tenho visto muitas, mas muitas, mas muitas pessoas presas. Em pleno Estado
Democrático de Direito, o qual vale apenas em tese, teoria, papel, manual, discurso no que se refere aos seus relacionamentos.
Porque as pessoas estão vivendo presas. Não em celas ou em unidades prisionais,
elas estão presas num tipo de cárcere modificado: o seu próprio passado. Parece
não haver mais chances. Que não existem possibilidades, novidades, que tudo
remete à (falsa) segurança daquilo que já se foi, como se fosse seguro se
apoiar no que já não mais está. Se houve solução de continuidade, por que
insistir? Até que ponto recordar é
viver? Trazer tudo de volta, sentimentos que se foram em tempo e espaço,
tentando acomodar num cantinho de nosso hoje. Sei que isso é um pouco de tudo.
E também é bastante do nada ou do muito pouco que se vive no presente, pálido de sensações
importantes. Mas só por isso temos que voltar de ré ou na contramão até os dias
de outrora felicidade (ainda supondo que havia)? Ninguém pode suportar a atual realidade zen sem remeter
súplicas ao ontem? Onde está a força, a coragem, o discernimento, as demais
virtudes, o amanhã onde está? Por que
razão da manhã se faz a tarde, e desta a noite, todos os dias o mesmo recado da
natureza, se ninguém vê nem sente? Fico indignado com a falta de credibilidade em si
mesmo, no sentido de se pensar e querer dias melhores pra frente, coisa que não suporta
dias passados lá atrás. É muito pior voltar, por já se saber o que vai
acontecer no meio. Mas parece que o risco do regresso é calculado, o do futuro
não. Já se sabe o que houve por lá, ao contrário do surpreendente amanhã. Não
basta uma boa memória, uma boa recordação do que já era, há de se ressuscitar
forçadamente aquilo que foi bom, sem importar o que juntamente tenha sido ruim, pior ou 'desconstrutivo'. Minha indignação termina, pois não posso perder meu tempo com a
perda de tempo que os outros têm por perderem de conhecer o seu próprio futuro. A vizinha
voltou com o antigo namorado. Geraldo disse que queria fazer passeios com Nice
que há tempos se recusa em assumi-lo. Zé Roberto continua pensando na esposa que o
deixou há mais de dez anos. Soraia cultiva sua viuvez como se Pedro tivesse sido o
último homem da Terra. Estevão deita-se toda noite sem coragem para se
divorciar. Joelma não desiste de alguém que já se foi, mesmo sutilmente dispensado por ela. Rose não larga do amante que nunca a assumirá. Enquanto isso, Rafaela está pedindo o próximo em seu rodízio de gentes. E tantos outros. Muitas, mas muitas,
mas muitas pessoas presas. É tanta reminiscência fervendo que eu fui atingido
por uns pingos e tive que voltar e copiar o começo desse texto. Penso que a
sociedade está se desfazendo da sua ordem. Da sequência de passado-presente-futuro, ignorando que isso é um curso natural das vidas, sendo que voltar atrás é como se o espaço
intervisse no tempo: grandezas de dimensões distintas, imiscíveis, impossíveis. Eu
não sou assim. Caminho só, mas leve. Não admito levar em minha bagagem, pessoas
que não me consideraram na estrada, desistindo da minha companhia e vice-versa, questão de (falta de) empatia: não merecem que
eu volte atrás. Precisam, as pessoas, resgatarem sua noção de orgulho, seu senso de justeza, seus critérios de perspectivas, seus sonhos de esperança em algo realmente novo, livre e incomparavelmente melhor e maior: autocuidado, valorização de si próprio. Só porque quanto mais velho a gente fica, mais consciência tem daquilo
que é ou pode ser O OUTRO, bem separando do que sempre foi e será O MESMO. O passado, são livros. O presente, são estantes. O futuro, são páginas
em branco. Quanta preguiça desse povo ao meu redor escrever a sua própria história...(prefiro chamar de preguiça aquilo que na verdade é medo...é que às vezes eu sou paciente)
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