quarta-feira, 1 de abril de 2015

GELEIA GERAL



 ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES PARTICULARES 
 - PAPO DE JACARÉ - 

Domingo de mormaço à beira-mar, sem Zé Ramalho por perto nem seu peixe de asas. Uma salada etária formou-se instantaneamente, tinha nego dos 15 aos 50, foram jogar o esporte bretão nas areias de Caiobá, aquele jeito chique de renomear Matinhos. 
- Vamos. 
- Não. 
- Porra meu, vamos! 
- Já disse que não, obrigado. – e fui abrindo uma latinha gelada estendido na cadeira de praia sob o guarda-sol. 
- Mas cara, tá todo mundo lá, agora só falta você! 
- Não curto Rita Lee, pra mim só era rock’n’roll quando era Os Mutantes, exceção faço à boa “Coisas da Vida”. 
- Larga de ser besta e vem jogar bola! 
- Ademais, Excelência, estou com meu joelho avariado, não se esqueça disso. 
- Foda-se, eu to com minha coluna que tá um S e to nem aí. 
- Então só falta mais um O e outro S pra você começar a gritar socorro. 
- Chega, cansei. 
- Que bom. Bom jogo, que eu vou ficar aqui olhando o mar. – ninguém sabe que eu não olho o mar, eu verdadeiramente o contemplo. 
Algum piá de bosta deixou uma lata quase inteira de Budweiser morrendo na areia. Cervejas desperdiçadas morrem, ou melhor, são mortas. Os criminosos canalhas nem velam seus corpos de alumínio. Fora de temporada, o movimento é fraco, mas até que havia gente pra cá do horizonte. Depois de um gole profundo, fechei os olhos e comecei a meditar profundo sobre alguém. De repente: 
- Ah, você tá aqui né? 
- Não, eu nem cheguei! To atrasado, não saí do apartamento ainda. 
E a polaca prima dos meus amigos polacos sentou-se ao meu lado, a amiga dela ficou de pé, pois a justificativa do meu joelho tinha fundamento, entenderam minhas razões. Abriu outra cerveja e começamos a rolar um papo quase ideal para exemplificar a interatividade ideal da existência humana, quase porque faltou o sol. Um sarro a mulher. 
- Por que você não foi jogar bola? 
- Porque eu prefiro curtir a praia. Conversar, como agora. É bem melhor do que transformar colunas vertebrais em letras do alfabeto ou joelhos em eisbein sem chucrute. 
- Pare tudo! Você tá é velho e com medo de rejuvenescer. 
- Olha, minha nega...meu motor é 5.0, quem anda comigo não reclama. Não fosse o joelho, você estaria agora lambendo a latinha... 
- Por que lambendo, seu porco? 
- Porque têm mulheres que a língua não para. 
- Ahahah. – como são ótimos os diálogos interpessoais ao vivo, presenciais, in loco, onde não há espaço para crimes onomatopeicos. Sobram aforismos, avivam-se axiomas, é outro nível de vínculo. 
- E então, viu como o Geraldo tá alegre? 
- Pois é. Mas ele é assim, o que prejudica, é aquela mulherzinha dele. Te digo isso como notícia, não pense que são fofocas. – meu argumento, já "trintenário".  
- Também acho – disse a prima -  ela não tem nada a ver com ele. 
- Além disso, mora no nordeste há 5 anos, não trepam há 15. Desculpe-me por outra notícia. 
- O quê? Sério? Ah, se fosse comigo... – um leve susto (porque a gente não tá acostumado a ouvir isso) por um momento pensei que Sophia devia ser uma máquina de phoder homens, mas logo “despensei”: 
- Penso que o relacionamento deles é puramente sucessório, tem a ver com herança e mais nada. 
- Você tá certo. – ela falou tomando mais um gole. 
- Viajaram no ano novo pro Peru e ela nem abriu o forno. 
- Aahahahahaha...ahahahaha! – ela engasgou-se com a cerva e a risada, deu um peido e eu fingi que não vi. Eu adoro falar besteiras, adoro gente rindo. Desviei do incidente: 
- Por isso que ele fica “querendo” menininhas, impõe faixa de idade tipo “pra mim até 28 no máximo”, porque ele sabe que é impossível, daí a certeza de “não traí-la”, deixando no ar o discurso da mudança que nunca vai acontecer, sabe como? 
- Explique melhor, Estefânio. – eu me chamo Estefânio, mas não sou de Mônaco, onde eu me chamaria Stephan. Esse “aportuguesamento” de nomes estrangeiros é uma aculturação de lascar. Jeremy...fica Jeremias. Michael fica Maicon. Raimond é Raimundo, Sebastian é Bastião, Bryan vira Braian. Dolly vira Ovelha, Demon vira Aécio, Playboy vira Beto, Shana vira Buceta e por aí vai... 
- É assim mesmo: o requisito da pouca idade é uma fuga, querendo parecer que ele mudaria a própria situação, uma falsa condição para que ele tomasse atitude e abandonasse a velha companheira que nem companhia faz. 
- E o sexo, como é que ele faz com o sexo, meu Deus? 
- Bem, a gente tenta ajudar. Eu falo pra ele sair da casinha, o cara tem grana, que vá gastar na noite, na balada, no sereno, de dia na praia, viajar, novas possibilidades...mas é difícil. 
- Acho que ele precisa inovar. Talvez apresente uma amiga minha, mas ela é muito tarada. Vive naqueles clubes de swing, sabe? 
- Nunca fui, mas não sou contra. Não tenho nenhum preconceito. Você já foi num? 
- Ah, então...kikiki (eu não disse?)...já...já fui num. Pra falar a verdade, em dois. Melhor ainda: fui nos três, resta um que ainda não conheço. Mas eu nunca fiz nada lá, viu? – pensar se um dia eu iria escutar alguém falando “sim, vou lá todo mês...danço, beijo, agarro, pego, lambo, chupo, dou e meto tipo bicho": NINGUÉM confessa o que faz lá dentro, TODOS são anjos, até porque nem caberia ficar falando por aí tal intimidade, mas não precisa bancar beata ou pastor com ovelhinhas, por favor... 
- Legal, você é aberta. (quis dizer cabeça). 
- Êeeeeepa, aberta nada, já te disse que fui lá só pra ver! 
- Eu não falei o contrário, disse no sentido de que você curte uma experiência diferente, isso é legal. Relação que fica só no papai-e-mamãe acaba no papai-empregada, mamãe-mecânico, papai-colega de trabalho, mamãe-chefe no serviço, papai-cunhada, mamãe-médico das crianças, etc... 
- Ah, sabe que deu vontade, mas eu me segurei. 
- Tirou a roupa pelo menos? 
- Credo, seu tarado! 
- Ah tá...e se eu perguntasse se você se arreganhou até liberar o botão, você me chamaria de quê? 
- Meu Deus, Estefânio, você tá azul hoje hem? 
- É...e você? Fez segundo grau aonde? Num convento? E faculdade num mosteiro, né dona Madre Tereza? 
- Ahahahaha...não....é que essas coisas a gente não fala por aí assim, na telha. 
- Hum, sei. Mas nem precisa falar, só acho besteira ficar dizendo que não fez nada se eu nem te perguntaria qualquer coisa dessas, se fez isso ou deixou de fazer aquilo. Até parece que é proibido ir lá e virar 'Seu Boneco". 
- Virar "Seu Boneco"? Que é isso? 
- Ir pra galera. Mandar ver no 'uhulll' (fiz mímica de alguns "exercícios" 'calientes'). A amiga dela já tava 'se molhando': eita fetichezinho barato, heim... 
- Ah...eu vi umas coisas legais lá...mas eu nunca faria. 
- Tipo? 
- (a polaca começou a avermelhar) Tipo...não sei como dizer. 
- Deixa que eu digo: foi no quarto dos buracos na parede? 
- Eu vi....nossa, que estranho aquilo? Você já foi lá? 
- Já disse que não. Eu vendo paredes com buracos. Brincadeira. 
- Ahahahaha...sabe...na pista, tinha um casal trepando. 
- E daí? O que de diferente havia nisso? 
- Sei lá né. Na frente dos outros... 
- Você queria que todo mundo fosse numa casa de swing pra ficar dentro de quartos fechados sem ninguém ver? Isso tem outro nome: m-o-t-e-l ! 
- Tem razão. Mas eu vi o quarto escuro, o tal de Darkroom. 
- Quê que tem lá? 
- Quem entra não vê quem pega ou tá pegando. Só vê antes de entrar. Você encararia uma dessas? 
- Nem que eu quisesse. Tenho hiperplasia prostática, além de preventivo, meu lado gay é lésbico e não gosto de vomitar em público. 
- E têm os quartos que você dentro não vê quem tá lá fora.  
- Voyeurismo puro. 
- Só. 
- Li uma entrevista com o dono do Desiree. Ele disse que lá não é lugar para recuperar casamentos falidos. E só para reavivar relações já estabelecidas, sólidas. 
- Puxa...interessante isso. 
- Tive um professor que conheceu uma professora lá. Casaram-se, tiveram filhos. 
- E agora? 
- Agora divorciaram-se. 
- Por quê? 
- Porque o sexo é um complemento. Ele precisa ser compreendido como uma relação. Ele não é ponte que liga, ele é barco que conduz. 
- Você é poeta, Estefânio? 
- Não. Meu papo é de maré: sou um filósofo amador, sem boteco profissional. 
- Hum...voltando: você não acredita que pode brotar amor do sexo? 
- Não sei. Pode ser que sim. Mas é um amor insustentável, basta aparecer outro alguém e tudo acabar como começou. 
- Como assim? 
- O sexo excita pessoas. O amor excita perspectivas...
Acabou o jogo, o povo voltou. Geraldo saindo da água e Sophia me disse assim: 
- Estefânio, o Geraldo tá chegando. Diz alguma coisa pra ele, vai! 
- Não tenho nada a ver com a vida dele, já o aconselhei há muito tempo, nada adiantou, não me meto. 
- Você é um homem ou um rato? Se os amigos não disserem nada, quem vai ajudar ele? Fala, cacete! 
- E aí Geraldo, ganharam o jogo da piazada? 
- Sim. Piá só corre. Os experientes é que sabem jogar direito. – não me aguentei, jogo sujo, ataquei com um plágio do Drumma: 
- “Sozinho no escuro qual bicho-do-mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar, sem cavalo preto que fuja a galope, você marcha, Geraldo! Geraldo, para onde?" – perguntei olhando pra ele. 
Ele ficou atordoado, não disse nada. Pegou uma cerveja e não conseguia abrir. Sophia abriu pra ele. Desconversei de novo, ficou como se eu tivesse colocado em seu bolso um recado, em sua pasta uma nota, em sua página uma mensagem, em sua cabeceira um alento, em sua janela uma estrada. Fomos todos embora, conversando sobre uma mulher ou um crime. A tarde morreu, a noite viveu e o dia nasceu. Geraldo atravessava o tempo com a pior dúvida que um ser humano pode carregar consigo: saber se o seu sentimento é ou não é amor. Todo o resto do mundo - incluindo Nice, a amada prescrita de Geraldo - sabia que não era amor, pois era um amor Servil, e amores servis não são amores, são outra coisa qualquer que merece ressuscitar os envolvidos. O mesmo vale para os "amores" por conveniências. Ele é o único pai de sua interrogação. Enquanto houver dúvida, há consolo que serve como leite para essa cria. Mas não há perspectivas. Porque nunca haverá passado. Só um presente que se eterniza pelo medo de transformar o tempo. Assim caminha Geraldo... 


 Moral da estória: “Às vezes, recorremos às outras palavras para dizer aquilo que alguém não quer escutar.” 

 música incidental: "Coisas da Vida" / Rita Lee & Roberto de Carvalho 
 (Geraldo tinha que ouvir isso) 







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