segunda-feira, 6 de abril de 2015

Contos Falesianos



PALAVRA SEM FIM 
Ando na beira do precipício. Minhas manifestações me empurram para o abismo. Mas eu resisto equilibrando com maestria a minha loucura de caminhar assim, entre palavras. Elas não estão no solo, elas estão soltas feito móbiles ou dentes de leão suspensos no espaço. Porém, elas bem me sustentam. Atravesso noites e dias, mares e montanhas, dores e alegrias, sóis e tempestades, amores e desamores, tudo suportado sobre as minhas velhas palavras, que sempre formam novas frases: sendo assim, elas não são velhas, são na verdade outras palavras. Uns andam dentro de automóveis, outros movem-se através de relacionamentos e há muitos que se deslocam por intermédio de seus ofícios. Eu, passo longe disso. Porque nada disso me conduz, eu sigo através do que eu sou. Mesmo assim, distante, há gente me pedindo ajuda ultimamente. Ofereço-a com prazer, sou solidário. Decerto, eles têm medo de caminhar à margem de si mesmos, afastando-se do núcleo tradicional e conservador, é o receio de que os limites possam ser rompidos, e eles tenham que abraçar a chance de se transformar. Eu nunca me demorei em meu centro. Lá eu já conheço, o que eu quero é viajar, centrifugamente. Fronteiras, aduanas, alfândegas, cá estou eu, um nômade por excelência, sempre a passear. Aqui o clima é mais intenso, as cores são mais diversas, as perspectivas são mais claras. Não há tanto sonho: estou bem mais perto do amanhecer. Ouço ruídos de toque de alvorada. Lembro-me da Marinha, e do cerimonial à bandeira que eu oficialmente conduzia ao nascer do sol. Hoje não mais o sargento, quem arria sou eu. A cada rajada de vento, a cada voo de pássaro, cada música lenta, cada turbilhão de palavras chegando, sempre faço uma nova saudação à vida. Não preciso de uma vegetação humana, ou de uma fauna mineral. Eu só preciso escrever. Escrever me mantém no beiral. Na iminência de tudo o que eu quero, de tudo o que eu não posso e de tudo o que eu mereço. Já me desprendi de todas as coisas, já me desapeguei de todas as mulheres, hoje eu sou livre para escrever o que quiser, sobre quem quiser, sem razões nem emoções explicativas ou justificantes. Estou além do nada, onde de coisa nenhuma se depende. Livre em demasia, vou até mais uma linha, outro despenhadeiro: não tenho vertigem, não tenho sentimentos, posso cair sem me machucar, falecer sem morrer: transcender. Penso que já sou parte do elemento água. Estou liquefazendo o meu jeito de amar... 


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