segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Tribuna Inestoica



 A DEGRADAÇÃO DAS PÉTALAS 
O mundo subjetivo de cada um de nós, vem paulatinamente sendo invadido pelo pragmatismo da notícia, fragmentada de propósito e sem quaisquer indícios de reflexividade. Somatizamos a contemporânea violência social externa, transformando-a em medo permanentemente incubado nas lacunas do nosso vulnerável organismo, criando um mecanismo imuno-tecnológico de defesa visceral, sempre alerta, acionado contra tudo e todos que aparecem em nossa frente. Lacunas que se formaram pelo abandono dos valores fundamentais, princípios e virtudes. Perdemos o discernimento, pois tudo é igual, imoral ou enjoa. Depois de criada nossa bondosa e analítica cartilha, todo e qualquer superveniente é o mal em suas mais variadas formas de existência. Interesses, desejos, vantagens e coisas do gênero, são o gatilho imediato e conclusivo até para respostas que não foram perguntadas. Se são flores, têm espinhos. Se é um copo d’água, é impura. Se for um agradecimento é mentira, se é elogio há intenção ou se for apenas nada, deve ser alguma coisa. Uma batalha invisível de um só guerreiro, cuja defensiva é potencialmente cruel também diante de ataques que não acontecem. Aculturação da pós-modernidade tardia, pelo importado estilo norte-americano de levar as relações civis em tons bélicos. Inventamos inimigos num front imaginário que montamos sobre as barreiras de nossa vida hermética e resolvidamente pronta. Sim, os relacionamentos entre os indivíduos são conflitos de natureza possessória, como são as guerras no equivalente macrocosmo supranacional. Toda menção será castigada, a partir de sua má interpretação, tergiversar sobre e diagnosticar mesmo que sem elementos, argumentos, sinais nem sintomas. O isolamento fronteiriço diante do perigo eminente das esquinas imposto pela (des)comunicação, caracteriza os lares como casamatas, em que todo peregrino ao redor ou até léguas distante é inimigo, mesmo se ele lançar apenas um olhar para o nosso mundo prontificado de coisas, gente e ofícios. Não há mais espaço para a sensibilidade, para a alteridade muito menos para a fraternidade, coisas geometricamente incabíveis em nossa estante de figuras admissíveis e ornamentais, considerando lixo antiestético não reciclável até as latas dos poetas, fatalmente passíveis de banimento, como aconteceu com aquele que um dia, ouvia-se da janela entreaberta. Somos infantaria, armados de desconfiança, objetivismo e vigilância. Cuidado, não se aproxime, podem acabar contigo, é o lema social em vigência, pauta pseudo-pedagógica da (des)informação. Pois corre no ar e nos espaços algorítmicos o alto risco de contaminarem o seu intocável status quo, turbando suas estruturas ou burlando sua paz adquirida não importando se natural ou artificiosamente, tampouco forma ou conteudo da mesma. Foi assim que o novo envelheceu, amordaçaram a palavra e torturaram o sentimento. Mundo abstrato das escolhas, nós queremos é confrontar. Não nos interessa se o processo não é devido ou legal, tampouco justo, temos competência para acusar, julgar e sentenciar. As novas amizades, prestes a virar tipificação, elencadas portanto no rol das loucuras e ameaças, como crime nos códigos que ressuscitamos do medievo passado que condena todos que não os nossos ao estigma de estranhos. Tudo isso e eu aqui na praça, com uma flor nas mãos e apenas iria embora...então, depois do susto que eu não criei, levantei-me, fui até a fonte central e coloquei a flor na água...ela acompanhou a corrente, passando a girar em círculos, até desaparecer no espaço...porque a complexa vida urbana nos tempos de hoje não comporta mais gestos, pensamentos ou atitudes que se assemelhem ao simples ofertar de uma flor. As pétalas e os valores humanos, dissolvendo-se na correnteza dos descaminhos racionais pela inversão dos seus sentidos, eu aprendi. Não se releva, porque amanhã tem sol, dias melhores de felicidade e eu, lamentavelmente mas por educação, esquecerei daquela praça...  

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