Acidente ou Probabilidade?
Sábado típico na cidade imprevisível das pessoas
atávicas. Direito de ir e vir. Ausência de ementa, conflitos sobre o asfalto
parecem gametas em inseminação artificial, poucos desembocam na justiça para
reprodução. O ligeirinho atravessado no cruzamento do 1º DP sem um pedaço da
lataria, imaginar o que sobrou da estrutura da vítima, já não mais ali entre os
curiosos, a turba hematófila. Um ônibus da J. Araújo trancando o caminho na curva
da Dr. Faivre – aquela que ninguém sabe pronunciar ainda. Mas era porque outro
ônibus da mesma empresa não ficou bem colocado em sua pista lá na frente. Dois
Jotas A. é demais para uma corrida só. Alguém da Chácara Strapasson abriu
repentinamente a porta do utilitário estacionado assustando o carro da frente.
Na calçada, uma franguinha usando roupas como em Floripa 35º. As gordinhas
adoram esse invernico, desfilando com suas calorias somatizadas no frio recente
ocorrido no outonico. Um old-magia dentro de sua BMW queimando combustível
fóssil sem prever o futuro próximo da humanidade, ele pode, ele acontece, ele é
gente que faz, não importa o quê. Solano avisou o casalzinho de um Celta que a
porta de traz estava aberta, o motorista assustou-se, estava bolinando a moça
no sinal: Jesus guiava o carro, no próximo culto alguns trocados pagariam a
penitência pelo pecado cometido. Solano, que recém comemorara cinquentenário,
ia buscar alguém no centro, de carro. Quarta-feira passada, uma mocinha
ofereceu-lhe lugar no ônibus: dez anos em uma frase, o tempo não para nem voa,
ele assola. Pedestres ainda andam na via, motoristas ainda ocupam calçadas. Os motoqueiros
daqui não chutam espelhos, preferem seguir menos errantes. Soraia, a irmã de
Solano aguardava a carona enquanto terminava de fumar o primeiro maço do dia,
antes do almoço, na justificativa de abrir seu apetite. Ela entrou no carro,
ele quase vomitou com o dor da fumaça, impregnada nos cabelos, bela e
ineficazmente tingidos de louro. Pense num cinzeiro embaixo de uma almofada ambulante,
era ela, a irmã de Solano, que aguardava sem saber, o dia de ser a sua vez no
SAMU. As ruas não mais têm cheiro de gasolina, elas têm uma textura reptiliana,
cujo atrito desanima sair de casa. Vivêssemos então na beira-mar, onde não
existem sapateiros. Aluízio, o pretendente para o qual Soraia se preparou,
tentava naquela manhã em sua casa, remover de seu púbis uma feridinha teimosa
que adquirira com a vizinha no condomínio onde morava, há meros três meses
pensava ele, negando-se a reconhecer que seria oriunda de uma noitada com
prostitutas a cinco anos atrás, sem preservativos. Acidentes ou probabilidades?
O comportamento das pessoas em trânsito, a saúde de um jovem casal e de outro iminente,
mais que adulto, como tudo isso se desenvolve? Está escrito, aonde? Vai se
adaptando, como? Tem um tempo certo para se conhecer alguém, quando? O destino
paira realmente sobre todos, por quê? Sinal vermelho para as perguntas, que
circulam irregularmente pela cidade sem habilitação. É preciso muito mais que
habilitação para se conduzir as coisas. Solano, também não sabe o que é..
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