segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Contos do Tempo















O Passado em Gerúndio 

Quando foi o meu ontem. Pergunta sem interrogação, não fazem jus as coisas certas, determinadas, pouco inexatas. Traço no tempo, com a régua presente, feita de madeira-de-lei ateia. Uma ponta porosa na outra mão e lá vou eu, riscar no papel, uma data divisória para o passado. Seria a partir de um fato, ou de suas consequências, não sei. Como isolar tanta coisa que já aconteceu e principalmente aquilo que se perdeu naquela época. Mas não ocorre mais, então é preciso separar, melhor ainda extinguir. Passado é contêiner plural de carga, cabe muito além de nossa capacidade cumulativa, mesmo quando involuntária. Mas... e a linha, onde está. Ponto inicial, traçados e desenhos tentados, soluções de continuidade interrompem o fim. E o recomeçam. Recomeçar um fim... que coisa mais mirabolante. É dificílimo, marcar a folha em branco. No fundo, é apenas simbólico, eu sei. Porque todos ainda guardamos sem naftalina algo que já se foi. E principalmente, fazemos isso com algo que (ainda) não veio. O gosto, o beijo, o calor. Tudo o que teve ou não oportunidade para chegar, mas não deu certo, perdeu sua chance. Época, é uma fatia do tempo em que as chances podem acontecer. Depois disso, seria estranho, démodé. Por isso, recomenda-se que não tenhamos muitos armários, despensas, garagens, baús. Menos ainda, papéis que absorvam feito mata-borrão, tintas extintas. Uns, oferecem enes grandezas de indiferença a esse tipo de coisa. A não sensação, gera o mais bobo dos mistérios, que é o bem-estar depois do primeiro ato. Mas a indiferença, dona do teatro, fecha a cortina do silêncio. É a forma simples e fugidia de isolar a possibilidade. É a forma clássica e erudita de espantar o medo de amar.. 

     oração ao tempo / caetano / bethânia 




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