O Passado em Gerúndio
Quando foi o meu
ontem. Pergunta sem interrogação, não fazem jus as coisas certas, determinadas,
pouco inexatas. Traço no tempo, com a régua presente, feita de madeira-de-lei
ateia. Uma ponta porosa na outra mão e lá vou eu, riscar no papel, uma data divisória
para o passado. Seria a partir de um fato, ou de suas consequências, não sei.
Como isolar tanta coisa que já aconteceu e principalmente aquilo que se perdeu
naquela época. Mas não ocorre mais, então é preciso separar, melhor ainda
extinguir. Passado é contêiner plural de carga, cabe muito além de nossa
capacidade cumulativa, mesmo quando involuntária. Mas... e a linha, onde está.
Ponto inicial, traçados e desenhos tentados, soluções de continuidade
interrompem o fim. E o recomeçam. Recomeçar um fim... que coisa mais
mirabolante. É dificílimo, marcar a folha em branco. No fundo, é apenas simbólico,
eu sei. Porque todos ainda guardamos sem naftalina algo que já se foi. E principalmente,
fazemos isso com algo que (ainda) não veio. O gosto, o beijo, o calor. Tudo o que
teve ou não oportunidade para chegar, mas não deu certo, perdeu sua chance.
Época, é uma fatia do tempo em que as chances podem acontecer. Depois disso,
seria estranho, démodé. Por isso, recomenda-se que não tenhamos muitos
armários, despensas, garagens, baús. Menos ainda, papéis que absorvam feito
mata-borrão, tintas extintas. Uns, oferecem enes grandezas de indiferença a
esse tipo de coisa. A não sensação, gera o mais bobo dos mistérios, que é o
bem-estar depois do primeiro ato. Mas a indiferença, dona do teatro, fecha a
cortina do silêncio. É a forma simples e fugidia de isolar a possibilidade. É a
forma clássica e erudita de espantar o medo de amar..
oração ao tempo / caetano / bethânia
oração ao tempo / caetano / bethânia
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