Condomínio Serra do Mar. Bairro do Riacho
Doce. Quantos nomes lindos podem batizar um inferno. Ou identificar pessoas
diabólicas no registro geral. Isso tudo que propaga o mal pela terra, não havendo lugar distante,
o troço é aqui mesmo, em rancho raso e no começo do mundo. As tais projeções
religiosas, em moradas imaginárias, sucumbem à realidade pagã. A diferença para
os boulevards e os maisons, é apenas estética. A mãe foi arrastada para fora do
apartamento, o filho ficou com medo de sair na sala para ver o que estava
acontecendo; quando viu, ela já se encontrava a sete palmos no terreno baldio
ao lado do condomínio, com um braço para fora da cova encomendada. Ou não, a
cova poderia servir para qualquer outro: deu no rádio. Hoje, no princípio do dia,
o anúncio do fim de outra vida, a trigésima no ano, naquelas cercanias. A violência urbana não tem retratos, ela é a
própria moldura que contorna a cidade e sua região metropolitana. Se mais de um
já é sociedade, com três já pode deixar de ser civilmente organizada. Há uma
certeza nova aquém do horizonte das montanhas subtropicais: a morte, agora é
antecipada. Tanto que a vida tornou-se caso de sobrevivência e resistência,
teimosia e paciência. Quase tudo que rima com violência. Esta, há tempos é o motor à
combustão dos cotidianos desenfreados, não importando aonde vão. A notícia a estimula, o Estado a fomenta e papai do céu já se divorciou e foi-se embora
dali. Inversão de valores, banalização de relações, seres acuados por irracionais opressores. Essa mania freudiana de se transferir responsabilidades ainda vai
permitir à floresta, recuperar sua parte invadida pelos humanos, todinha, sem
ficção qualquer. Um gesto, um grito. Um comportamento, uma omissão (como o caso de Jotapê, o filho da mãe). Tudo são
formas de praticar a violência. O pé da serra está diabético, no sentido figurado, sobretudo ‘melitense’. Milhares de pessoas sem direitos se aglomeram naquele
pardieiro errante, invasão vertical. Mas não têm, porque que foram roubados os seus direitos. Transformados
em vantagens e regalias, para não falar absurdos ou abusos, carregando ainda o
eufemismo de auxílios ou adicionais, gratificações extras ofertadas àqueles que deviam
ter um mínimo de consciência do que deve ser a coisa pública. Feito Inarritú, dona
Márcia devia cerca de cinco mil reais à uma das três facções que dominava o
tráfico na região. Mas...qual região? Cocaína é coisa cara! Os consumidores moram
naqueles outros condomínios, os boulevards e os maisons. Ela foi assassinada
porque Big Jo, o filho da desembargadora, não pagou os muitos gramas que dela
adquirira e consumira em sua festinha de aniversário no início do ano. Enquanto João
Pedro distribui camadas entre os seus, João Paulo recusou-se a salvar a mãe dos
credores. Tudo isso acontecendo normalmente ao pé da serra, já que o normal
não precisa mais ser correto ou não. A lei dos homens e o código paralelo da sobrevivência
incidem apenas sobre dona Márcia e João Paulo (Jotapê). Dra Gláucia e João Pedro (Big Jo), estão
imunes a qualquer regramento. Traficante
é uma palavra feia, precisa ser encarcerado. Usuário, é outro nome lindo que
batiza... talvez fosse bom interná-lo...
Nenhum comentário:
Postar um comentário