sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Crônica Cotidiana 50




Condomínio Serra do Mar. Bairro do Riacho Doce. Quantos nomes lindos podem batizar um inferno. Ou identificar pessoas diabólicas no registro geral. Isso tudo que propaga o mal pela terra, não havendo lugar distante, o troço é aqui mesmo, em rancho raso e no começo do mundo. As tais projeções religiosas, em moradas imaginárias, sucumbem à realidade pagã. A diferença para os boulevards e os maisons, é apenas estética. A mãe foi arrastada para fora do apartamento, o filho ficou com medo de sair na sala para ver o que estava acontecendo; quando viu, ela já se encontrava a sete palmos no terreno baldio ao lado do condomínio, com um braço para fora da cova encomendada. Ou não, a cova poderia servir para qualquer outro: deu no rádio. Hoje, no princípio do dia, o anúncio do fim de outra vida, a trigésima no ano, naquelas cercanias. A violência urbana não tem retratos, ela é a própria moldura que contorna a cidade e sua região metropolitana. Se mais de um já é sociedade, com três já pode deixar de ser civilmente organizada. Há uma certeza nova aquém do horizonte das montanhas subtropicais: a morte, agora é antecipada. Tanto que a vida tornou-se caso de sobrevivência e resistência, teimosia e paciência. Quase tudo que rima com violência. Esta, há tempos é o motor à combustão dos cotidianos desenfreados, não importando aonde vão. A notícia a estimula, o Estado a fomenta e papai do céu já se divorciou e foi-se embora dali. Inversão de valores, banalização de relações, seres acuados por irracionais opressores. Essa mania freudiana de se transferir responsabilidades ainda vai permitir à floresta, recuperar sua parte invadida pelos humanos, todinha, sem ficção qualquer. Um gesto, um grito. Um comportamento, uma omissão (como o caso de Jotapê, o filho da mãe). Tudo são formas de praticar a violência. O pé da serra está diabético, no sentido figurado, sobretudo ‘melitense’. Milhares de pessoas sem direitos se aglomeram naquele pardieiro errante, invasão vertical. Mas não têm, porque que foram roubados os seus direitos. Transformados em vantagens e regalias, para não falar absurdos ou abusos, carregando ainda o eufemismo de auxílios ou adicionais, gratificações extras ofertadas àqueles que deviam ter um mínimo de consciência do que deve ser a coisa pública. Feito Inarritú, dona Márcia devia cerca de cinco mil reais à uma das três facções que dominava o tráfico na região. Mas...qual região? Cocaína é coisa cara! Os consumidores moram naqueles outros condomínios, os boulevards e os maisons. Ela foi assassinada porque Big Jo, o filho da desembargadora, não pagou os muitos gramas que dela adquirira e consumira em sua festinha de aniversário no início do ano. Enquanto João Pedro distribui camadas entre os seus, João Paulo recusou-se a salvar a mãe dos credores. Tudo isso acontecendo normalmente ao pé da serra, já que o normal não precisa mais ser correto ou não. A lei dos homens e o código paralelo da sobrevivência incidem apenas sobre dona Márcia e João Paulo (Jotapê). Dra Gláucia e João Pedro (Big Jo), estão imunes a qualquer regramento. Traficante é uma palavra feia, precisa ser encarcerado. Usuário, é outro nome lindo que batiza... talvez fosse bom interná-lo... 



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