Calor. Dormir não vai dar certo. Vim
escrever, sobre esse mundo errante que me cerca. Como se eu fosse o centro,
coisa que nem de mim eu sou. Penso que sou orbital, em volta do mundo real.
Eu é que ando ao redor dos centros das coisas. Perambulo, vago, peregrino. Já
fui tangente, paralelo e até cadente. Mas sempre há uma espécie de obstáculo
entre mim e o mundo. É invisível, mas eu sinto. Redoma transparente ao meu redor, impedindo o acesso à vida
normal. Reinventar quase tudo, eu preciso. O fiz com o trabalho, deu certo. Mas
com as pessoas, não. Com os afetos, menos ainda. Eu sou a exceção de
Aristóteles, digamos que um marginal social. Eu não gosto das coisas que as
pessoas gostam. Não aprovo suas condutas, seus comportamentos e costumes, das suas
ideias eu discordo. Dos seus hobbies, seus esportes, pratos e paladares. E principalmente,
da forma que eles fazem quase tudo. Não há elo que me faça rever alguém; os elos precisariam estar pré-estabelecidos, não os atei no anteontem, incompatibilidades, escolhas distintas. Em
contrapartida, revejo-me todo dia, quando escrevo. Eu, sou a minha sociedade. Visito-me,
converso comigo, dou-me presentes, passeio sozinho. Almoço sozinho, cozinho,
arrumo e limpo a casa onde moro. Falo com pouca gente, educadamente. Meus amigos
e parentes foram embora, de outros eu parti. Restou quase ninguém, eu diria
umas quatro pessoas. Dois cachorros grandes. O restante, uma multidão de colegas. Memória já esquecida, das partes
da história que não se escreve. Leve, assim sou eu. E quanto mais eu escrevo,
mais leve me sinto. Mais fundo em meu abismo eu chego, mais luz me aparece. Se eu
não escrevesse, eu não seria ninguém. Talvez nem as quatro pessoas eu tivesse. Provavelmente
eu seria obscuro e frio. Frio. A única temperatura capaz de adormecer um escritor. Dois iguais
se anulam. Dentro de mim, há gelo. Por isso eu transpiro, eu choro e escrevo. Se
tivesse mais alguém por perto, talvez esse alguém me aquecesse (e eu dormisse, normalmente).
Talvez me desse carinho, ouvidos, respostas e companhia. Amor, até. Aí então,
eu não precisaria escrever. Eu, simplesmente, viveria...
- Porque escrever, é sobreviver do
lado avesso.
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