sábado, 24 de dezembro de 2016

Contos Sem Natal



Pluvial 
Eu pedi a chuva. Meu presente na véspera dos outros. Veio, ganhei. Um cheiro inigualável que dizem ser da terra, eu duvidarei até o fim. O corpo passeia nu no pátio da casa vazia. Banha-se languidamente da água do céu. Não há frio, se o calor da minha solidão é lava que ebule. A cada contato, algo solidifica ao redor. São os pensamentos que saem à natureza, tomando forma de respostas que eu não tinha. A pele, os pelos, o pulso e o pênis, excitam-se como se houvesse companhia. Um mosaico de transformações de estados físicos e mentais. Eu devia fazer mais isso, sair de mim, fluir assim. Neste fim de tarde cinematográfico, mesmo que para um curta-metragem, piso nos ladrilhos espalhando gotas como pequenas marolas marinhas. Ninguém vê, ninguém sabe. A liberdade individual toma forma de felicidade, por um tempo indeterminado. Ou enquanto durar a chuva, ou enquanto eu estiver nu. Antes disso, imagino o ano que se foi, assim como o sol daquele dia. Nada a continuar levando para o vindouro, além da experiência. A quase poesia, o quase livro, a quase morte. A chuva aperta, passo as mãos pelos cabelos, rosto, lavo os meus olhos. Abro a boca, um gosto ácido, mas natural. Não engulo a chuva, ela me devora, com a cachoeira de saliva das nuvens da boca cinza do céu. Céu que tem olhos azuis, e que às vezes dá a cor para o mar. Fecho os meus olhos, a natureza me digere e nesse escuro imaginário eu vejo o futuro, próximo. A solidão continuará, a poesia vai se transformar e a cidade já não cabe mais em mim. Seguirei bem, dentro daquilo que escolhi. No fim da chuva, me perguntei por que as pessoas entristecem com o fim das suas relações amorosas. É porque elas temem. Temem olhar para trás e temem imaginar o amanhã. Ocupam-se apenas do presente. Aquelas que só consideram o tempo atual, têm dificuldades amorosas. Temem a própria nudez, as variações de temperatura, sol e chuva. Tolas, fizessem como eu, justamente o contrário: agora, depois de horas, tenho plena consciência de que não está chovendo. A chuva de hoje à tarde já passou. E não será a última, eu sei muito bem. A diferença entre mim e elas, aquelas pessoas, é que eu não preciso esperar e não procuro pela próxima, também nem lamento a chuva que se foi. A chuva, por sua natureza e por ser única, é justa comigo e com tantos outros. Mas aquelas pessoas, necessitam da estabilidade do clima e de previsões alheias. Como se o amor fosse uma grandeza temporal. Que nada, o amor é apenas a nudez do pensamento. A cor branca se desfez junto com a água e por causa do vento. A vida é anil, como sempre foi... 



Nenhum comentário:

Postar um comentário