Inauguração
de Supermercado
Digno de
registro. Mesmo que todos os blocos de notas estejam fechados, guardados, quase
embalados, foi momento se abrir as mãos e deixar algo escrito. Aquilo que
parecia um detalhe, se agigantou no peito da vida, vice-versa. Quarta-feira de uma manhã de
mormaços tipicamente curitibana, ele atendeu ao convite deixado no portão de
casa, para o evento de inauguração. Da periferia da cidade, o mercadinho
cresceu e veio se instalar num bairro intermediário. Concorrência para o hiper
ali perto? Não interessa, ele chegou bem e veio com tudo, o rio já está correndo, quase no mar da mesma cor. Antes de abrirem-se
as portas, o padre lá dentro fez uma pequena e morosa missa, com suas desculpas por esse pleonasmo. Gente simples, os donos.
Daqueles que acreditam na fé divina, ele não conseguiu. E que também não doam seu sobrenome à rede, não
são egocêntricos. Nove sésamos fora, o povo adentrou o local. A maioria era de idosos,
uns cinco de férias e de bermudas e ele, com horário reservado naquela manhã. Mas
por que fez isso? Consumista, aproveitador de boquinhas...nada, apenas a praticar
seu senso coletivo. Ver e sentir a população e suas reações em novo lugar para um antigo costume. E os velhinhos se atracaram sobre
os comes e bebes. Ele foi conhecer a loja. Paraíso para os enólogos. Os churrasqueiros,
e mais outros tipos de hobbies. Preço bom. Limpeza, decoração, organização, distribuição, iluminação, espaços, variedade, um lugar
legal para quem curte fazer compras, ou melhor, fazer rancho para alimentar-se em
casa e aos seus. O microfone enaltecia os clientes, o bairro, a cidade, o
negócio, o princípio daquilo. Funcionários, alguns perdidos diante da emoção do
primeiro emprego. Dezoito caixas à disposição. O concorrente, na véspera, significativamente
baixou o valor e aumentou a quantidade de suas ofertas, sabe que vem bom
combate por estibordo. Pessoas alegres. Ele, simbolicamente, comprou pãezinhos. Míseros R$0,83.
Outra hora, outro dia, voltará para fazer carrinho, ou cestinha, lá sabemos.
Gente comendo bolo, estava uma delícia, era de damasco. Tinha até pizza,
devorada pela italianada imigrante. Já os polacos preferiram fatias de cracóvia.
Os alemães, abocanharam os sanduíches. Um pouco de cafezinho 3 corações, e ele
foi para o estacionamento no subsolo, cujo caminho estampava nas paredes retratos da cidade antiga. Na mão esquerda, o pacote com os pães. Na
direita, algo que justifica esse texto, perante alguma razão que se aproxima
embora ele não saiba, só desconfie. Um presente que
recebeu na entrada, nunca havia ganho algo assim na vida, tão estranho se sentiu naquele momento único. Ficou envergonhado e perguntou para a moça do mercado se homens recebiam aquilo, ela sorriu e lhe ofertou nas mãos: uma rosa
vermelha...foi aos cinquenta e dois anos, que ganhou sua única flor, então ao seu alcance. Indo para casa pensando em chorar, desistiu. Resolveu agradecer sussurrando a ninguém. E pensou como são felizes as mulheres que ganham rosas. E como é triste a tradição dos homens não receberem rosas, como se as flores fossem uma espécie de herança ligada ao sexo, feminino, sem chance de mutação. Quantas besteiras carrega a humanidade conservadora. Quanto tempo perdido, quantos perfumes sonegados, quanta cor escondida...quanto gesto e carinho negado...enfim, quanto amor latente. O copo com água, o lugarzinho na sala e o degredo. Pois quando a gente ganha uma rosa, o mundo pode e deve se acabar em silêncio.
*Uma rosa é como um sentimento: não importa quanto tempo dure. sempre há tempo suficiente para ela ser vivida...
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