sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

O Homem no Subsolo




Eu nunca senti dor de dente. Disseram uma vez que os gemidos de quem sente, são uma espécie de prazer, interpretei como um desafio à inconsciência da causa. Nunca emiti gemidos de dor. Minhas dores, foram outras, sem manifestação sensorial exteriorizada. Talvez a maior delas, tenha sido a indignação frente ou distante daqueles que não me foram dignos. Não que devessem ser dignos de me proporcionar algum prazer, mas simplesmente por educação. Neutralidade, às vezes pode ser um ato cordial. Diferente da indiferença, que por si só revela a crueza do tanto faz, o desprezo pela naturalidade de um gesto simples. Eu nunca esperei nada de ninguém. Meu erro, foi sempre fazer a mais do que devia, daí os desencontros. Há pessoas que não compreendem uma boa ação, um auxílio, um vasinho, um bicho de pelúcia, uma palavra ou duas poesias. Inversão de valores, eu sei, os filósofos pós-modernos já me disseram. Não que eu seja antigo. Apenas é, que eu não sou daqui. Minha conduta é tão diferente, que espanta toda gente. Mesmo que eu não me repita, a criatividade assusta o presente. Dessa gente que desvia do meu olhar, que troca de assunto, que nada pergunta, só faz contar. São os que me veem como fruto de superfície, já concebido, pronto para ser consumido, mas em outra cultura alimentar. Outro tipo de mente, não promove qualquer tipo de vínculo. Sou elemento terra, de profundidades, ainda não germinei. Jamais brotou amor deste meu coração, tudo não passou de semente. E lá no fundo onde eu moro, todos têm medo de passar. Precavido, não ouso sair à luz do jardim dos cegos, que não têm olhos para mim. Minha cor é incógnita, nem eu mesmo saberia qual seria depois que florisse. Portanto, nem eu mesmo saberia, quem eu seria, depois quando amasse. Ser olhado, escutado, tocado, desejado e amado reciprocamente, são coisas para muito além de um simples jardim deslocado num bairro de uma metrópole vertical e caótica. Essas coisas não brotam por aqui. Aqui, a dimensão é liquefeita. Os elementos não se misturam, não se harmonizam, nem se norteiam. Resta-me o consolo da loucura, de imaginar que poderei um dia, acompanhar uma nova rota do sol no mesmo céu de outro lugar. Um lugar, que para serem felizes, as pessoas não tenham que ter um jardineiro para cuidar, uma chuva para esperar ou alguém para amar. Pode ser ali, ou bem para lá, o lugar onde não haja culto ao prazer. Onde os gritos que se ouvem, são os sons conscientes e muito bem arranjados das cantigas de paz...  



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