segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Contos de Adenauer




Lembrancinha de Natal  -  "Alvorada Boreal" 
Ela tinha algo a ver com o sol. Mas não se pôde saber o que era, a história foi interrompida. Quando entrava na sala, parecia que se abria uma janela ao invés da porta. Cachos dourados, a marca característica daquela moça, mulher, menina, pessoa. Detalhe fundamental, que só os observadores mais abissais são capazes de descobrir, relevar. O que não significa levar para determinado lugar, apenas considerar e guardar num canto do tempo, sem qualquer envolvimento. Rosto de anjo, temperamento de gárgula: um deslize contrário, e ela explodia em voz alta sua indignação. Ou não. Se fossem uns passos a favor, provocava de imediato um turbilhão de risadas, mais gostosas que as inspiradoras de Ivan Lins. Uma agradável companhia, principalmente quando ia junto com a nata da turma coalhada matar aula no barzinho do bairro de cima. Ela foi seduzida por outro colega deles, militar, chefe de tribo, era o cacique Papa-aluna: durou o que era preciso. Voltando, ele, nosso co-protagonista, procurava sentar perto dela, não ouvia muito bem e queria aproveitar de pertinho aquela alegria que ela ofertava sem saber da força que tinha. Ele não prestava muita atenção na cor dos seus olhos, a coisa ficaria muito natureza e ele adorava praia, conhecia o seu lugar e sabia que não seria ali. Ela, um certo alguém diferente (por destacar-se no meio da comunzada), era tipo de gente que não está no mundo apenas de paragem. Aquela sensação de incerteza sobre o que ela iria demonstrar quando se aproximassem dela, também era interessante. Não demorou, e ele encontrou o jeito que a fazia sorrir. Fosse nos assuntos, nas estorinhas, nas piadas, nos desenhos, o humor rolava fácil. Mas o que mais lhe alegrava, era a explosão. A mesma que calava os professores durante sua explanação, ela quebrava a aula sem dó, era engraçado. Claro, que tal pessoa virou poesia para ele, algumas. Daquelas em que só se escreve enquanto há convivência. Ela gostou de uma, pois tinha a ver com suas luzes, tinha bastante dela naquela inspiração. E não há inspiração mais livre do que a que vem sem desejo. Destituída de atenção, de vínculo, de vontades, de sentimento, pode se construir algo mais fluídico, mais leve, mais desprendido, com desapego total. E foi assim, do começo ao fim, quando ela deu ouvidos ao desalinho, que eles se afastaram. A adequada inserção social dos escritores é coisa rara, quase não há quem os compreenda, os interprete corretamente, sem achar que não há nada por trás, além da poesia, ou outro gênero. A poesia, que não é roupa porque anda nua. A poesia, que não é arma porque não tem gatilho. A poesia, que não é instrumento porque não possui objetivo. A poesia, que foi-se embora lá naquela hora do passado acompanhada da aurora, deixando agora que a prosa relembrasse ao lado da alvorada, um tempo que foi dourado. Quando as coisas boas da vida se vão, ela deixa de ser verso e passa a ser coloquial. E foi assim, tão breve quanto o fogo, que seus caminhos se cruzaram com algum sentido mas sem direção. Pois as escolhas, são o leme da nossa história. Há colegas na vida da gente, cuja marca permanece gravada. Não por aquilo que não aconteceu ou que tenha ocorrido, mas simplesmente pelo jeito diferente de ser, estar, passar ou demais verbos infinitivos. Uma grande baixinha cor de ouro, guardava em si também lágrimas cinzentas. Uma experiência de vida difícil, de luta, de mãe sozinha, trabalhadora, estudante, de moça, mulher, menina, pessoa que dorme tarde e acorda cedo para (sobre)viver. Ele pensava escondido: "será que ela tem algum lazer"? Ele não conheceu as outras porções dela, mas ficou registrado na história, que passou por ele uma grande pessoa. Pela frente das grandes pessoas, vêm os enormes sorrisos. Num mundo tão fechado, oculto e falso, somente os bons entendedores sabem reconhecer um enorme sorriso. E os sorrisos dourados, são dignos de registro. São raríssimos, são rapidíssimos e são evanescentes para os bons entendedores, os poetas, escritores. Estes, nasceram não para viver as coisas boas da vida, e sim para escrevê-las. Não conheci o hemisfério norte, nem a conheci, sei muito pouco sobre o sol. Mas certamente hoje, onde ela estiver, há muita luz. Em qualquer ponto cardeal, lá estará, impetuosa e sorridente, nossa estelar colega boreal...   


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