sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Limpando a Garagem




Não tenho mais o que falar
Digo,
     escrever para mim mesmo
     neste mural aberto no espaço
Agora é hora
Do silêncio que apavora
Assusta e cala-me a boca
Boca das minhas mãos
E não mais se ouvirá,
    movimento sobre o papel
    movimento sobre o teclado
Não por medo
Mas por respeito ao segredo
Essa porção teimosa
    em guardar o que não há...


Veludo?
Veludo cotelê
Cashmere
Flanela, cacharrel, linho
Tecidos antigos,
    eu ouvia falar
Talvez tenha vestido, todos
Só não me vesti de amor
Tecido interno
Que reveste o coração,
    dos que temem andar nus
    ou,
    sozinhos...


Respiração
Inspiro e expiro
Não faço nada
Respirar é ação
È mecanismo involuntário de sobrevida
Ato-reflexo...
Inspiração
Sinto e reflito
Não escrevo nada
Inspiração não é ação
É mecanismo involuntário de afeto
Ato-contínuo...
Piração
Amo e desamo
Escrevo tudo
Piração é movimento
É mecanismo curvilíneo
Auto-engano...


“Te amo muito”,
Ela escreveu uma vez
Ou vive dizendo por aí
Mal sabe ela,
Que pouco ama
E se ama pouco,
Nada ama
Mente às vezes
E se mente, engana
Não se pode amar muito
Nem pouco
Nem se pode falar de amor
Por isso,
Só escrevo sobre quem não ama
Talvez sobre ela,
    que gosta
Mas se engana...


A falsidade
É um tecido bonito
Que se desfaz integralmente
    na primeira lavada..
Mas tem mais no armário
Agulha e linha
Sempre tem
Só não tem,
    banho...


No carrossel do Nossa Senhora Esperança
Eu ia lá para ver a vida passar
Tão rápida quanto eu pudesse imaginar
Era mentira, descobri bem depois
Tive todo o tempo do mundo
Para ser feliz
Até para amar
Mas não apareceu ninguém,
   que pudesse,
   brincar comigo de adulto...


Os padres do Medianeira
Batiam na gente
Prova de que deus
É apenas uma convenção
Para os religiosos,
    sobreviverem,
    iludirem e até matarem,
seus próprios seguidores
seus fiéis
os ateus
e todo mundo que se aproximar
Querendo ou não,
Da mentira,
Que é a principal docente da violência..


Não faço poesia
Apenas transformo a agonia
Em frases sem rima
Como aquela prima
Que não sabe casar
Não consegue amar
E se ilude nas horizontais
Ela da cama
Eu da folha,
Ambos,
    na lama...


Cães que não querem mais ração
Não cozinho nem pra mim
Faço para eles, polenta e macarrão
Que triste fim,
Dos animais em solidão...


Poesia, se incompleta
No fundo da garagem fica
Dias e tempos
Até o sábado de faxina
Junta, lê, termina
E coloca num recipiente apropriado
Lixo que jamais seria lixo
Para se evanescer pelo ar da rua
Como se tudo que ficasse bem guardado,
Completo,
Também não tivesse o mesmo destino...


Já escrevi coisas boas
Mas não sou de todo bom
Tem porção em mim indigesta
Esta,
Que varre as palavras do chão
Frases do não
Como se fosse reciclável
O silêncio de nós dois...


Limpei a garagem
Vou sair de casa
Se voltar,
    estará tudo limpo
Se não,
    ninguém precisará limpar...





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