sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Música em SOL / encerramento do ano musical


Daíra Saboia, a grata companhia
          no ingrato ano que se foi..






phOTOCALIGRAfIA





O Homem no Subsolo




Eu nunca senti dor de dente. Disseram uma vez que os gemidos de quem sente, são uma espécie de prazer, interpretei como um desafio à inconsciência da causa. Nunca emiti gemidos de dor. Minhas dores, foram outras, sem manifestação sensorial exteriorizada. Talvez a maior delas, tenha sido a indignação frente ou distante daqueles que não me foram dignos. Não que devessem ser dignos de me proporcionar algum prazer, mas simplesmente por educação. Neutralidade, às vezes pode ser um ato cordial. Diferente da indiferença, que por si só revela a crueza do tanto faz, o desprezo pela naturalidade de um gesto simples. Eu nunca esperei nada de ninguém. Meu erro, foi sempre fazer a mais do que devia, daí os desencontros. Há pessoas que não compreendem uma boa ação, um auxílio, um vasinho, um bicho de pelúcia, uma palavra ou duas poesias. Inversão de valores, eu sei, os filósofos pós-modernos já me disseram. Não que eu seja antigo. Apenas é, que eu não sou daqui. Minha conduta é tão diferente, que espanta toda gente. Mesmo que eu não me repita, a criatividade assusta o presente. Dessa gente que desvia do meu olhar, que troca de assunto, que nada pergunta, só faz contar. São os que me veem como fruto de superfície, já concebido, pronto para ser consumido, mas em outra cultura alimentar. Outro tipo de mente, não promove qualquer tipo de vínculo. Sou elemento terra, de profundidades, ainda não germinei. Jamais brotou amor deste meu coração, tudo não passou de semente. E lá no fundo onde eu moro, todos têm medo de passar. Precavido, não ouso sair à luz do jardim dos cegos, que não têm olhos para mim. Minha cor é incógnita, nem eu mesmo saberia qual seria depois que florisse. Portanto, nem eu mesmo saberia, quem eu seria, depois quando amasse. Ser olhado, escutado, tocado, desejado e amado reciprocamente, são coisas para muito além de um simples jardim deslocado num bairro de uma metrópole vertical e caótica. Essas coisas não brotam por aqui. Aqui, a dimensão é liquefeita. Os elementos não se misturam, não se harmonizam, nem se norteiam. Resta-me o consolo da loucura, de imaginar que poderei um dia, acompanhar uma nova rota do sol no mesmo céu de outro lugar. Um lugar, que para serem felizes, as pessoas não tenham que ter um jardineiro para cuidar, uma chuva para esperar ou alguém para amar. Pode ser ali, ou bem para lá, o lugar onde não haja culto ao prazer. Onde os gritos que se ouvem, são os sons conscientes e muito bem arranjados das cantigas de paz...  



quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

2017, por um destro qualquer..





Resenha De Um Homem Só




Calor. Dormir não vai dar certo. Vim escrever, sobre esse mundo errante que me cerca. Como se eu fosse o centro, coisa que nem de mim eu sou. Penso que sou orbital, em volta do mundo real. Eu é que ando ao redor dos centros das coisas. Perambulo, vago, peregrino. Já fui tangente, paralelo e até cadente. Mas sempre há uma espécie de obstáculo entre mim e o mundo. É invisível, mas eu sinto. Redoma transparente ao meu redor, impedindo o acesso à vida normal. Reinventar quase tudo, eu preciso. O fiz com o trabalho, deu certo. Mas com as pessoas, não. Com os afetos, menos ainda. Eu sou a exceção de Aristóteles, digamos que um marginal social. Eu não gosto das coisas que as pessoas gostam. Não aprovo suas condutas, seus comportamentos e costumes, das suas ideias eu discordo. Dos seus hobbies, seus esportes, pratos e paladares. E principalmente, da forma que eles fazem quase tudo. Não há elo que me faça rever alguém; os elos precisariam estar pré-estabelecidos, não os atei no anteontem, incompatibilidades, escolhas distintas. Em contrapartida, revejo-me todo dia, quando escrevo. Eu, sou a minha sociedade. Visito-me, converso comigo, dou-me presentes, passeio sozinho. Almoço sozinho, cozinho, arrumo e limpo a casa onde moro. Falo com pouca gente, educadamente. Meus amigos e parentes foram embora, de outros eu parti. Restou quase ninguém, eu diria umas quatro pessoas. Dois cachorros grandes. O restante, uma multidão de colegas. Memória já esquecida, das partes da história que não se escreve. Leve, assim sou eu. E quanto mais eu escrevo, mais leve me sinto. Mais fundo em meu abismo eu chego, mais luz me aparece. Se eu não escrevesse, eu não seria ninguém. Talvez nem as quatro pessoas eu tivesse. Provavelmente eu seria obscuro e frio. Frio. A única temperatura capaz de adormecer um escritor. Dois iguais se anulam. Dentro de mim, há gelo. Por isso eu transpiro, eu choro e escrevo. Se tivesse mais alguém por perto, talvez esse alguém me aquecesse (e eu dormisse, normalmente). Talvez me desse carinho, ouvidos, respostas e companhia. Amor, até. Aí então, eu não precisaria escrever. Eu, simplesmente, viveria... 

- Porque escrever, é sobreviver do lado avesso. 


terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Sessão Mochilão




O fim da estrada.
Não há um fim dessa estrada,
    é só a fronteira do país..


Pensa que tua vida é uma floresta
E tua sobrevida é caminhar
Ora abrir picadas
Ora descansar
Árdua tarefa
E tão mais difícil será
Se mais peso carregares
Em forma de medo,
Ou em forma de morte
Porque o desamor,
É só um cantil funcional...


Nas fotos mais bonitas da natureza
Repara que não aparecem seres humanos..


Na subida da montanha
O facão dentro da mochila
Um tropeço,
Virou cruz fincada no caminho..
Todos têm facas, lâminas
Nem todos sabem usá-las...


Preciso da mata
Das cachoeiras, rios
Da bicharada ao longe
Ou à espreita
Quem sabe um animal me olhe
E não me julgue como os daqui..


Tão bonita
Atravessando a pinguela da Casa do Ipiranga..
Perdida por ali?
Nada,
Eu é que me desencontrei há tempos,
    da beleza convencional...


O Cadeado não tem mais forma
Foi o tempo,
Que o transformou em serra..


Cadê a onça?
Está por perto
Veja as pegadas na beira do rio
Não há medo
Medo é coisa de cidade...


Dez minutos, intervalo
Para o próximo trem
Duzentos metros de ponte
Sobre um despenhadeiro,
Outro hotel da morte
Que nenhuma sorte vai deixar de reservar
Basta a maestria no caminhar..


Estrada de ferro
Ascendente francês ajudou construir
Sinto-me em casa
No tempo em que havia famílias...


O rio gelado nos pés
Ou sou eu,
Que ainda guardo calores inúteis...


Na floresta
É onde a mente se encontra com a gente
Ela vai à frente
Guiando até o lugar..


Num túnel
Em total escuridão
Acenda ao menos sua consciência
Ela é a bússola
Muito pouco utilizada à luz do dia..


Um aclive negativo
Obstáculo maior,
    não há como voltar
Assim é a vida.



PHotoesia


A cana queima
No canavial incendiado
A noite em combustão
Lua que treme na paisagem
A palha arde em fogo
Chorando sobre a pele do solo..
Tudo isso parece eu
Impossível colheita
De um sentimento doce
Que a vida,
    dona do engenho
Manda atear...




segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Contos de Adenauer




Lembrancinha de Natal  -  "Alvorada Boreal" 
Ela tinha algo a ver com o sol. Mas não se pôde saber o que era, a história foi interrompida. Quando entrava na sala, parecia que se abria uma janela ao invés da porta. Cachos dourados, a marca característica daquela moça, mulher, menina, pessoa. Detalhe fundamental, que só os observadores mais abissais são capazes de descobrir, relevar. O que não significa levar para determinado lugar, apenas considerar e guardar num canto do tempo, sem qualquer envolvimento. Rosto de anjo, temperamento de gárgula: um deslize contrário, e ela explodia em voz alta sua indignação. Ou não. Se fossem uns passos a favor, provocava de imediato um turbilhão de risadas, mais gostosas que as inspiradoras de Ivan Lins. Uma agradável companhia, principalmente quando ia junto com a nata da turma coalhada matar aula no barzinho do bairro de cima. Ela foi seduzida por outro colega deles, militar, chefe de tribo, era o cacique Papa-aluna: durou o que era preciso. Voltando, ele, nosso co-protagonista, procurava sentar perto dela, não ouvia muito bem e queria aproveitar de pertinho aquela alegria que ela ofertava sem saber da força que tinha. Ele não prestava muita atenção na cor dos seus olhos, a coisa ficaria muito natureza e ele adorava praia, conhecia o seu lugar e sabia que não seria ali. Ela, um certo alguém diferente (por destacar-se no meio da comunzada), era tipo de gente que não está no mundo apenas de paragem. Aquela sensação de incerteza sobre o que ela iria demonstrar quando se aproximassem dela, também era interessante. Não demorou, e ele encontrou o jeito que a fazia sorrir. Fosse nos assuntos, nas estorinhas, nas piadas, nos desenhos, o humor rolava fácil. Mas o que mais lhe alegrava, era a explosão. A mesma que calava os professores durante sua explanação, ela quebrava a aula sem dó, era engraçado. Claro, que tal pessoa virou poesia para ele, algumas. Daquelas em que só se escreve enquanto há convivência. Ela gostou de uma, pois tinha a ver com suas luzes, tinha bastante dela naquela inspiração. E não há inspiração mais livre do que a que vem sem desejo. Destituída de atenção, de vínculo, de vontades, de sentimento, pode se construir algo mais fluídico, mais leve, mais desprendido, com desapego total. E foi assim, do começo ao fim, quando ela deu ouvidos ao desalinho, que eles se afastaram. A adequada inserção social dos escritores é coisa rara, quase não há quem os compreenda, os interprete corretamente, sem achar que não há nada por trás, além da poesia, ou outro gênero. A poesia, que não é roupa porque anda nua. A poesia, que não é arma porque não tem gatilho. A poesia, que não é instrumento porque não possui objetivo. A poesia, que foi-se embora lá naquela hora do passado acompanhada da aurora, deixando agora que a prosa relembrasse ao lado da alvorada, um tempo que foi dourado. Quando as coisas boas da vida se vão, ela deixa de ser verso e passa a ser coloquial. E foi assim, tão breve quanto o fogo, que seus caminhos se cruzaram com algum sentido mas sem direção. Pois as escolhas, são o leme da nossa história. Há colegas na vida da gente, cuja marca permanece gravada. Não por aquilo que não aconteceu ou que tenha ocorrido, mas simplesmente pelo jeito diferente de ser, estar, passar ou demais verbos infinitivos. Uma grande baixinha cor de ouro, guardava em si também lágrimas cinzentas. Uma experiência de vida difícil, de luta, de mãe sozinha, trabalhadora, estudante, de moça, mulher, menina, pessoa que dorme tarde e acorda cedo para (sobre)viver. Ele pensava escondido: "será que ela tem algum lazer"? Ele não conheceu as outras porções dela, mas ficou registrado na história, que passou por ele uma grande pessoa. Pela frente das grandes pessoas, vêm os enormes sorrisos. Num mundo tão fechado, oculto e falso, somente os bons entendedores sabem reconhecer um enorme sorriso. E os sorrisos dourados, são dignos de registro. São raríssimos, são rapidíssimos e são evanescentes para os bons entendedores, os poetas, escritores. Estes, nasceram não para viver as coisas boas da vida, e sim para escrevê-las. Não conheci o hemisfério norte, nem a conheci, sei muito pouco sobre o sol. Mas certamente hoje, onde ela estiver, há muita luz. Em qualquer ponto cardeal, lá estará, impetuosa e sorridente, nossa estelar colega boreal...   


sábado, 24 de dezembro de 2016

Prognosticando





Contos Sem Natal



Pluvial 
Eu pedi a chuva. Meu presente na véspera dos outros. Veio, ganhei. Um cheiro inigualável que dizem ser da terra, eu duvidarei até o fim. O corpo passeia nu no pátio da casa vazia. Banha-se languidamente da água do céu. Não há frio, se o calor da minha solidão é lava que ebule. A cada contato, algo solidifica ao redor. São os pensamentos que saem à natureza, tomando forma de respostas que eu não tinha. A pele, os pelos, o pulso e o pênis, excitam-se como se houvesse companhia. Um mosaico de transformações de estados físicos e mentais. Eu devia fazer mais isso, sair de mim, fluir assim. Neste fim de tarde cinematográfico, mesmo que para um curta-metragem, piso nos ladrilhos espalhando gotas como pequenas marolas marinhas. Ninguém vê, ninguém sabe. A liberdade individual toma forma de felicidade, por um tempo indeterminado. Ou enquanto durar a chuva, ou enquanto eu estiver nu. Antes disso, imagino o ano que se foi, assim como o sol daquele dia. Nada a continuar levando para o vindouro, além da experiência. A quase poesia, o quase livro, a quase morte. A chuva aperta, passo as mãos pelos cabelos, rosto, lavo os meus olhos. Abro a boca, um gosto ácido, mas natural. Não engulo a chuva, ela me devora, com a cachoeira de saliva das nuvens da boca cinza do céu. Céu que tem olhos azuis, e que às vezes dá a cor para o mar. Fecho os meus olhos, a natureza me digere e nesse escuro imaginário eu vejo o futuro, próximo. A solidão continuará, a poesia vai se transformar e a cidade já não cabe mais em mim. Seguirei bem, dentro daquilo que escolhi. No fim da chuva, me perguntei por que as pessoas entristecem com o fim das suas relações amorosas. É porque elas temem. Temem olhar para trás e temem imaginar o amanhã. Ocupam-se apenas do presente. Aquelas que só consideram o tempo atual, têm dificuldades amorosas. Temem a própria nudez, as variações de temperatura, sol e chuva. Tolas, fizessem como eu, justamente o contrário: agora, depois de horas, tenho plena consciência de que não está chovendo. A chuva de hoje à tarde já passou. E não será a última, eu sei muito bem. A diferença entre mim e elas, aquelas pessoas, é que eu não preciso esperar e não procuro pela próxima, também nem lamento a chuva que se foi. A chuva, por sua natureza e por ser única, é justa comigo e com tantos outros. Mas aquelas pessoas, necessitam da estabilidade do clima e de previsões alheias. Como se o amor fosse uma grandeza temporal. Que nada, o amor é apenas a nudez do pensamento. A cor branca se desfez junto com a água e por causa do vento. A vida é anil, como sempre foi... 



sábado, 17 de dezembro de 2016

Quebrando a Vidraça em 5












É bom parar de escrever
Quebrar a corrente d’água
Que verte de mim
Para lugar nenhum
Preciso entender,
Que já sou nenhum,
    nesse lugar..


A axila coça
No pescoço, a asfixia
Sensações opostas,
Neste fim de corpo que já nem ardia..


Não há vento
Folhas tremem,
Pelo movimento sísmico da terra
Vibrando a árvore delas..
Meus olhos, no vazio
A inércia em coração
Vida vegetal, minha
Trocamos de mundos...


O domingo vazio
Deu a volta na semana.
     e chegou ao sábado
tenho dois domingos
ou mais tempo,
para preencher ausências..


Para não se fazer algo,
Arranja-se uma desculpa...
Desculpa,
É um motivo esfarrapado..


Contos de Dominação




Trocando os Presentes 
E não é que ele chegou perto da sua aposentadoria. Não se fala que ele “está no fim da vida”, não temos controle algum sobre o crivo de cada chance, aquilo que chamam tempo. Olhou para trás, uma bela carreira profissional. A falta de filhos, a ausência de parentes, a presença de pouquíssimos amigos, uma velha para chamar de sua e muitos valores em espécie acumulados no banco do país. Imóveis alugados, em praia longe, para que os daqui não frequentassem, assim orientou a velha (que sempre foi velha, desde seus 14 anos). Tão velha que há mais de década se mandou da forçosa ou conveniente relação que mantinham à morosos 25 anos. Uma geração inteira desperdiçada pela pseudocompanhia. Sem necessidade, Cruélia foi tentar a sorte no norte, já que aqui no sul o marasmo da vida suficientemente levada ou melhor, da rotina farta pela qualidade de vida – leia-se conforto, alimentação, emprego e estabilidades – havia atingido limites da paciência: ela queria algo novo. Com esforço, conseguiu, e fugiu. Modesto ficou aqui, a cruzar fins de semana a só e sem sol, olhando as paredes, tomando vinhos caros e dedilhando seu pênis como compensação de ausências, que na verdade eram inexistências. Um monólogo estendido no tempo. Com sua amada longe – mesmo que não merecesse tal título em função dos mais de dez anos sem praticarem sexo e cinco dormindo em quartos separados enquanto morava nesta cidade – ele resolveu parar e olhar para trás. A frustração de não ter tido filhos arrebentou as comportas depois dos 50, começou a sair da boca para fora, típico vazamento, mas era. A filha de Lázaro dá ordens lá de cima. Comanda os passos dele por aqui, limitando suas incursões na própria família, da qual ela quer que ele fique distante. Um boneco, ventríloquo, seria isso mesmo o nosso Modesto? Pior do que isso, porque bonecos são de plástico, ele é humano. Em tese, teria todas as condições de se rebelar, digo, para ser feliz. Tem, tais condições, mas não as utiliza. É a submissão, em nome dos interesses de Cruélia, disfarçados de preocupação com o servo, mas que na real era com seu patrimônio. Ele fingia que não via, a história da mulher que era tia e só ele não sabia. Sem poesia, foi levando a vida no cabresto. Sem música, no silêncio. Sem arte alguma, na solidão. Mas com ele, é o pior tipo de solidão: aquele onde se inventa alguém que já existe para dizer que existe amor. Assim, não é uma solidão criativa, produtiva, libertadora, que até se ele quisesse, lhe permitisse encontrar alguém digno de companhia. Não. É a solidão que alguns chamam de servidão, um substituto artifício preenchendo espaços de naturalidades. É de causar indignação tal situação que já virou solidez, já fechou portas e páginas de casa e livro dele. A mãe, idosa, esperava-o para mais um Natal. Mas desta vez, Modesto não vai, pois Cruélia clama por ele lá perto do Equador. Mais para tirá-lo triunfalmente da família na data importante, do que pela sua companhia. Ele vai, todo faceiro, passar as festas com sua chefe, diretora, presidente, seja lá o que for em se tratando de poder. Note-se ainda, que ele não vai apenas porque é mandado, mas também, porque quer. Nunca, o livre-arbítrio deixará de estar presente. O destino inexiste, o que existe são as pessoas que desviam seus caminhos no sentido errado. Dá pena? Não sei...pena da mãe dele. Mais uma vez o conservadorismo e a omissão derrotaram os valores conceituais da humanidade, beirando a covardia. Viaja-se atrás do não sei quê, conduzido por um argumento sem combustível, que ele deixa no km 1 da estrada que abandonou. “Ela precisa de uma força”, alegou ele escrito num papelzinho moderno que chamam de mensagem. A mãe chorou, a família lamentou, o cachorro nem latiu, quando Modesto entrou no avião rumo à ilusão, na contramão de sua felicidade. Não há o que se fazer com pessoas que aderem voluntariamente ao auto-engano. Só nos resta, o lamento. Tanto mundo a ser conhecido por aí, e ele vai mais uma vez direto para o cárcere. Parece que a pior prisão, é a do lado de fora da cadeia. Lá dentro, há uma pena a ser cumprida por ordem legal. Aqui fora, a ordem é imoral. Coitado de Modesto. Tantos aniversários e ainda não aprendeu que o sol nasce no leste. "Senhor passageiro, o senhor já apertou os seus cintos...há tempos..."   



quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

PHotoesia


A dor,
    não se escreve
Aquilo que se lê aqui,
    ou ali, quiçá lá
É nada diante da dor
A dor,
Ela nunca sai do corpo
Nem da alma
E ninguém pode vê-la,
    ouvi-la, sabê-la
E ela não é remediável, 
    nem curável
Porque ela é essencialmente, 
    existencial
Intangível e por isso,
A dor não se mede
Apenas é sentida
Porção difícil da vida
Conduzi-la sem amor...







quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Um Rio Verde




Inauguração de Supermercado 
Digno de registro. Mesmo que todos os blocos de notas estejam fechados, guardados, quase embalados, foi momento se abrir as mãos e deixar algo escrito. Aquilo que parecia um detalhe, se agigantou no peito da vida, vice-versa. Quarta-feira de uma manhã de mormaços tipicamente curitibana, ele atendeu ao convite deixado no portão de casa, para o evento de inauguração. Da periferia da cidade, o mercadinho cresceu e veio se instalar num bairro intermediário. Concorrência para o hiper ali perto? Não interessa, ele chegou bem e veio com tudo, o rio já está correndo, quase no mar da mesma cor. Antes de abrirem-se as portas, o padre lá dentro fez uma pequena e morosa missa, com suas desculpas por esse pleonasmo. Gente simples, os donos. Daqueles que acreditam na fé divina, ele não conseguiu. E que também não doam seu sobrenome à rede, não são egocêntricos. Nove sésamos fora, o povo adentrou o local. A maioria era de idosos, uns cinco de férias e de bermudas e ele, com horário reservado naquela manhã. Mas por que fez isso? Consumista, aproveitador de boquinhas...nada, apenas a praticar seu senso coletivo. Ver e sentir a população e suas reações em novo lugar para um antigo costume. E os velhinhos se atracaram sobre os comes e bebes. Ele foi conhecer a loja. Paraíso para os enólogos. Os churrasqueiros, e mais outros tipos de hobbies. Preço bom. Limpeza, decoração, organização, distribuição, iluminação, espaços, variedade, um lugar legal para quem curte fazer compras, ou melhor, fazer rancho para alimentar-se em casa e aos seus. O microfone enaltecia os clientes, o bairro, a cidade, o negócio, o princípio daquilo. Funcionários, alguns perdidos diante da emoção do primeiro emprego. Dezoito caixas à disposição. O concorrente, na véspera, significativamente baixou o valor e aumentou a quantidade de suas ofertas, sabe que vem bom combate por estibordo. Pessoas alegres. Ele, simbolicamente, comprou pãezinhos. Míseros R$0,83. Outra hora, outro dia, voltará para fazer carrinho, ou cestinha, lá sabemos. Gente comendo bolo, estava uma delícia, era de damasco. Tinha até pizza, devorada pela italianada imigrante. Já os polacos preferiram fatias de cracóvia. Os alemães, abocanharam os sanduíches. Um pouco de cafezinho 3 corações, e ele foi para o estacionamento no subsolo, cujo caminho estampava nas paredes retratos da cidade antiga. Na mão esquerda, o pacote com os pães. Na direita, algo que justifica esse texto, perante alguma razão que se aproxima embora ele não saiba, só desconfie. Um presente que recebeu na entrada, nunca havia ganho algo assim na vida, tão estranho se sentiu naquele momento único. Ficou envergonhado e perguntou para a moça do mercado se homens recebiam aquilo, ela sorriu e lhe ofertou nas mãos: uma rosa vermelha...foi aos cinquenta e dois anos, que ganhou sua única flor, então ao seu alcance. Indo para casa pensando em chorar, desistiu. Resolveu agradecer sussurrando a ninguém. E pensou como são felizes as mulheres que ganham rosas. E como é triste a tradição dos homens não receberem rosas, como se as flores fossem uma espécie de herança ligada ao sexo, feminino, sem chance de mutação. Quantas besteiras carrega a humanidade conservadora. Quanto tempo perdido, quantos perfumes sonegados, quanta cor escondida...quanto gesto e carinho negado...enfim, quanto amor latente. O copo com água, o lugarzinho na sala e o degredo. Pois quando a gente ganha uma rosa, o mundo pode e deve se acabar em silêncio. 

*Uma rosa é como um sentimento: não importa quanto tempo dure. sempre há tempo suficiente para ela ser vivida...






sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Limpando a Garagem




Não tenho mais o que falar
Digo,
     escrever para mim mesmo
     neste mural aberto no espaço
Agora é hora
Do silêncio que apavora
Assusta e cala-me a boca
Boca das minhas mãos
E não mais se ouvirá,
    movimento sobre o papel
    movimento sobre o teclado
Não por medo
Mas por respeito ao segredo
Essa porção teimosa
    em guardar o que não há...


Veludo?
Veludo cotelê
Cashmere
Flanela, cacharrel, linho
Tecidos antigos,
    eu ouvia falar
Talvez tenha vestido, todos
Só não me vesti de amor
Tecido interno
Que reveste o coração,
    dos que temem andar nus
    ou,
    sozinhos...


Respiração
Inspiro e expiro
Não faço nada
Respirar é ação
È mecanismo involuntário de sobrevida
Ato-reflexo...
Inspiração
Sinto e reflito
Não escrevo nada
Inspiração não é ação
É mecanismo involuntário de afeto
Ato-contínuo...
Piração
Amo e desamo
Escrevo tudo
Piração é movimento
É mecanismo curvilíneo
Auto-engano...


“Te amo muito”,
Ela escreveu uma vez
Ou vive dizendo por aí
Mal sabe ela,
Que pouco ama
E se ama pouco,
Nada ama
Mente às vezes
E se mente, engana
Não se pode amar muito
Nem pouco
Nem se pode falar de amor
Por isso,
Só escrevo sobre quem não ama
Talvez sobre ela,
    que gosta
Mas se engana...


A falsidade
É um tecido bonito
Que se desfaz integralmente
    na primeira lavada..
Mas tem mais no armário
Agulha e linha
Sempre tem
Só não tem,
    banho...


No carrossel do Nossa Senhora Esperança
Eu ia lá para ver a vida passar
Tão rápida quanto eu pudesse imaginar
Era mentira, descobri bem depois
Tive todo o tempo do mundo
Para ser feliz
Até para amar
Mas não apareceu ninguém,
   que pudesse,
   brincar comigo de adulto...


Os padres do Medianeira
Batiam na gente
Prova de que deus
É apenas uma convenção
Para os religiosos,
    sobreviverem,
    iludirem e até matarem,
seus próprios seguidores
seus fiéis
os ateus
e todo mundo que se aproximar
Querendo ou não,
Da mentira,
Que é a principal docente da violência..


Não faço poesia
Apenas transformo a agonia
Em frases sem rima
Como aquela prima
Que não sabe casar
Não consegue amar
E se ilude nas horizontais
Ela da cama
Eu da folha,
Ambos,
    na lama...


Cães que não querem mais ração
Não cozinho nem pra mim
Faço para eles, polenta e macarrão
Que triste fim,
Dos animais em solidão...


Poesia, se incompleta
No fundo da garagem fica
Dias e tempos
Até o sábado de faxina
Junta, lê, termina
E coloca num recipiente apropriado
Lixo que jamais seria lixo
Para se evanescer pelo ar da rua
Como se tudo que ficasse bem guardado,
Completo,
Também não tivesse o mesmo destino...


Já escrevi coisas boas
Mas não sou de todo bom
Tem porção em mim indigesta
Esta,
Que varre as palavras do chão
Frases do não
Como se fosse reciclável
O silêncio de nós dois...


Limpei a garagem
Vou sair de casa
Se voltar,
    estará tudo limpo
Se não,
    ninguém precisará limpar...