sábado, 5 de novembro de 2016

Conto Sem Canto



Ela. 
Quem é ela? Eu não sei. Não pude desvendá-la. Vi e ouvi muito pouco, sequer a toquei. O conhecer, respeita uma gama de sentidos. Não sou superficialista, jamais responderia tal questão sobre alguém que desconheço. E o tempo resolve. Faz de sua tarefa principal, a transformação, uma espécie de alforria social. Sua ação bem engendrada e gradiente, vai aos poucos nos fornecendo instrumentos para melhor lidar com as pessoas que encontramos e as que perdemos. É assim, simplesmente ou não, como queira enxergar. Mas essa que você vê e me pergunta, já não é mais ninguém. Agora sim, uma ficção. Um ser imaginário, produto de um mundo extremamente realista, paradoxo este que me alimenta sem comida. Fosse eu roubar coisas do passado ou do nada, seria real e perderia a graça como as biografias não autorizadas. Sou um homem, mas não por necessidade tenho uma mulher fictícia em meus textos. Como ela não existe, eu não sei por que razão ela vem. Não é necessário saber. Invento uma criatura, sem corpo nem imagem, e a faço correr pelos campos dos meus textos. Geralmente está nua. Nem eu a desejaria, posto que inexiste, já disse. Às vezes, criamos coisas impróprias na vida, só para acalmar ou agitar as nossas próprias coisas. Dar-lhes um sentido. Sem nome nem endereço, ela passeia por aqui. Minha última companhia, a mulher que eu não amaria. Sei disso, mas não escrevo, isso. Toda ficção, precisa de outra personagem que não o protagonista. Do contrário, a solidão seria monótona em demasia. Ninguém leria, a mulher que, por não existir, eu não amaria. A vida de escritor é limpa e crua, mas não é uma vida cosmética: é insípida, inodora e incolor. Não a arte da palavra, mas o coração do autor...  



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