segunda-feira, 6 de julho de 2015

Flagrantes da I-n-t-e-r-s-u-b-j-e-t-i-v-i-d-a-d-e


 PLOTAGEM de CORAÇÕES 


Em alto mar de Almirante, o cisne branco flutuava impávido sobre o manto azul naquela fria manhã com sol de outono. No passadiço, o taifeiro (experiente no rancho, mas leigo em navegação) perguntou ao Comandante da Fragata: 
- Capitão! Veja lá à estibordo! Não é a barca do ciúme? 
- Não, meu caro e novato marujo. 
- O Sr. tem certeza? O que é aquilo então? 
- Veja bem. Nós estamos em águas internacionais. Pode ser uma embarcação de somalis. Ou então tráfico de pessoas. Quem sabe alguns vikings da modernidade tardia. 
- Mas Chefe...e a tal da barca do ciúme, como é?  
- Primeiro, saiba que ela não é barca. Na verdade, o ciúme se desloca sob a linha d’água, tem caráter de obscuridade, movendo-se nos sete mares através de um submarino, entende? 
- Mais ou menos...o Sr. pode me explicar melhor? 
- Claro. Mas preste bastante atenção, pois não é todo mundo que consegue ter uma visão como a minha. Até porque, ninguém é obrigado a pensar como eu, estou apenas a lhe dar uma das versões sobre os relacionamentos interpessoais, dentre tantas outras possíveis e impossíveis que existem no mundo. – o Comandante prosseguiu: 
- O ciúme, possui natureza de instrumento de destruição. Por isso, navega submerso. As pessoas não o veem, imune aos sonares ele emerge de repente durante um fato, um ato ou uma manifestação qualquer. Os marinheiros sabem que ele existe, mas é imprevisível sua aparição, em tempo e espaço. Importante, é mantê-lo longe, isto é, não criar situações favoráveis ao seu ataque. Digo ataque, pois ao redor de seu periscópio, há um sem número de armas, voltadas inclusive para o alvo-relacionamento. Ele é teleguiado por alguém que não sabe navegar. Incapaz de compreender o que seja uma frota, uma composição, quando surge na superfície atira para todos os lados, fazendo do viver uma batalha, uma guerra contra inimigos inventados a esmo. Acaba acertando em todos os outros navios que estejam na área, das mais diversas nacionalidades, por consequência abalroando o principal, o navio comandante-em-chefe da Esquadra. Abissal, soturno, subsiste por fazer valer sensações como insegurança, medo, desconfiança, desesperança, incredulidade e, no fundo, desamor. Pode-se perfeitamente chamar de desamor, pois o ciúme vai na contramão do amor, tentando destruí-lo, até que um dia consegue, àqueles que permitem sua aproximação. 
- Mas como fazer para evitá-lo, Comandante? 
- É apenas uma questão de consciência, caro marujo. Prospecção, perspectiva, na qual se projeta um futuro bem próximo a partir do presente, imaginando tudo aquilo em termos de navegação, feito consequência de uma nau cujo casco foi atingido pelas balas do ciúme. A questão principal é a prevenção, ou seja, impedir que ele entre em seu território nacional. 
- E o que fazer por aqueles que pilotam este submarino? 
- A princípio, tentar ajudá-los. Na lei do mar, qualquer embarcação à deriva deve ser resgatada. Receber ajuda, conduzir integrantes até o próximo porto, mas não para reparos e volta à atividade: deve-se encostar de vez o submarino, inutilizando-o. Então, arrumar outro barco, de superfície, para que as pessoas que ali estavam enclausuradas possam navegar ética e salutarmente, e desta vez sem armamento algum. 
- Puxa. Obrigado pelos ensinamentos, Capitão! 
- Não me agradeça, Taifeiro. Coisas de ciúme, não se encerram em teoria. Elas devem ir além das teses, para poder se agradecer a si mesmo mas somente na praticidade da vida. É no navegar que você precisa reconhecer tais perigos. E saber lidar com eles: identificação, resgate, auxílio e reencaminhamento. Tudo porque é coisa de interpretação, de ambos os lados. Isso compete a cada um. Suas experiências são apenas suas. O seu aprendizado, também. 
- Mas por que o Sr. me contou tudo isso então? 
- Eu não sei ao certo. É que há tempos eu não sinto mais ciúme. Já vi muitas galeras naufragadas neste mundo. Não quero poluir o solo oceânico e não gostaria que alguém o fizesse. Leonardo Boff nos fala da crise ambiental/ecológica, eu a estendo para o ambiente relacional. Esta liberdade que me invadiu por não ter ciúme, não me faz correr o risco do amor. 
- O Sr. Nunca amou, Chefe? 
- Eu não sei ao certo. Só sei que quem ama de verdade, navega em total e absoluta Paz. Da mesma forma de quem não ama. Sobre as águas da vida, não há espaço para sentimentos intermediários, desviados ou sem rota, desorientados. Ou tudo, ou nada. O que não for assim, está fadado ao naufrágio. 
- A minha namorada morre de ciúme quando eu embarco, Chefe. O que eu poderia dizer pra ela? 
- Diga que ela não morre. Ela apenas está por afogamento matando seu relacionamento. Que ela mergulhe nas profundezas, e veja quanta riqueza absurda e infelizmente perece no fundo do mar... 






Nenhum comentário:

Postar um comentário