PLOTAGEM de CORAÇÕES
Em
alto mar de Almirante, o cisne branco flutuava impávido sobre o manto azul naquela
fria manhã com sol de outono. No passadiço, o taifeiro (experiente no rancho, mas leigo
em navegação) perguntou ao Comandante da Fragata:
-
Capitão! Veja lá à estibordo! Não é a barca do ciúme?
-
Não, meu caro e novato marujo.
-
O Sr. tem certeza? O que é aquilo então?
-
Veja bem. Nós estamos em águas internacionais. Pode ser uma embarcação de
somalis. Ou então tráfico de pessoas. Quem sabe alguns vikings da modernidade
tardia.
-
Mas Chefe...e a tal da barca do ciúme, como é?
-
Primeiro, saiba que ela não é barca. Na verdade, o ciúme se desloca sob a linha
d’água, tem caráter de obscuridade, movendo-se nos sete mares através de um
submarino, entende?
-
Mais ou menos...o Sr. pode me explicar melhor?
-
Claro. Mas preste bastante atenção, pois não é todo mundo que consegue ter uma
visão como a minha. Até porque, ninguém é obrigado a pensar como eu, estou
apenas a lhe dar uma das versões sobre os relacionamentos interpessoais, dentre
tantas outras possíveis e impossíveis que existem no mundo. – o Comandante
prosseguiu:
- O
ciúme, possui natureza de instrumento de destruição. Por isso, navega submerso.
As pessoas não o veem, imune aos sonares ele emerge de repente durante um fato,
um ato ou uma manifestação qualquer. Os marinheiros sabem que ele existe, mas é
imprevisível sua aparição, em tempo e espaço. Importante, é mantê-lo longe,
isto é, não criar situações favoráveis ao seu ataque. Digo ataque, pois ao
redor de seu periscópio, há um sem número de armas, voltadas inclusive para o
alvo-relacionamento. Ele é teleguiado por alguém que não sabe navegar. Incapaz
de compreender o que seja uma frota, uma composição, quando surge na superfície
atira para todos os lados, fazendo do viver uma batalha, uma guerra contra inimigos inventados a esmo. Acaba acertando em todos os outros navios que estejam na
área, das mais diversas nacionalidades, por consequência abalroando o
principal, o navio comandante-em-chefe da Esquadra. Abissal, soturno, subsiste
por fazer valer sensações como insegurança, medo, desconfiança, desesperança,
incredulidade e, no fundo, desamor. Pode-se perfeitamente chamar de desamor,
pois o ciúme vai na contramão do amor, tentando destruí-lo, até que um dia
consegue, àqueles que permitem sua aproximação.
-
Mas como fazer para evitá-lo, Comandante?
-
É apenas uma questão de consciência, caro marujo. Prospecção, perspectiva, na qual
se projeta um futuro bem próximo a partir do presente, imaginando tudo aquilo
em termos de navegação, feito consequência de uma nau cujo casco foi atingido
pelas balas do ciúme. A questão principal é a prevenção, ou seja, impedir que
ele entre em seu território nacional.
-
E o que fazer por aqueles que pilotam este submarino?
-
A princípio, tentar ajudá-los. Na lei do mar, qualquer embarcação à deriva deve
ser resgatada. Receber ajuda, conduzir integrantes até o próximo porto, mas não
para reparos e volta à atividade: deve-se encostar de vez o submarino,
inutilizando-o. Então, arrumar outro barco, de superfície, para que as pessoas que
ali estavam enclausuradas possam navegar ética e salutarmente, e desta vez sem armamento algum.
-
Puxa. Obrigado pelos ensinamentos, Capitão!
-
Não me agradeça, Taifeiro. Coisas de ciúme, não se encerram em teoria. Elas devem
ir além das teses, para poder se agradecer a si mesmo mas somente na
praticidade da vida. É no navegar que você precisa reconhecer tais perigos. E
saber lidar com eles: identificação, resgate, auxílio e reencaminhamento. Tudo porque é coisa de interpretação, de ambos os lados. Isso
compete a cada um. Suas experiências são apenas suas. O seu aprendizado,
também.
-
Mas por que o Sr. me contou tudo isso então?
-
Eu não sei ao certo. É que há tempos eu não sinto mais ciúme. Já vi muitas galeras
naufragadas neste mundo. Não quero poluir o solo oceânico e não gostaria que alguém o fizesse. Leonardo Boff nos fala da crise ambiental/ecológica, eu a estendo para o ambiente relacional. Esta liberdade que
me invadiu por não ter ciúme, não me faz correr o risco do amor.
-
O Sr. Nunca amou, Chefe?
-
Eu não sei ao certo. Só sei que quem ama de verdade, navega em total e absoluta Paz. Da mesma forma de quem não ama. Sobre as águas da vida, não há espaço para sentimentos intermediários, desviados ou sem rota, desorientados. Ou tudo, ou nada. O que não for assim, está fadado ao naufrágio.
- A minha namorada morre de ciúme quando eu embarco, Chefe. O que eu poderia dizer pra ela?
- Diga que ela não morre. Ela apenas está por afogamento matando seu relacionamento. Que ela mergulhe nas profundezas, e veja quanta riqueza absurda e infelizmente perece no fundo do mar...
- A minha namorada morre de ciúme quando eu embarco, Chefe. O que eu poderia dizer pra ela?
- Diga que ela não morre. Ela apenas está por afogamento matando seu relacionamento. Que ela mergulhe nas profundezas, e veja quanta riqueza absurda e infelizmente perece no fundo do mar...
Nenhum comentário:
Postar um comentário