quinta-feira, 30 de julho de 2015

Crônica Cotidiana 25




Dizem que ele comprou a padaria com dinheiro desviado. Também que ele tirou a sua loira de um outro coitado. Sujeitinho complicado esse, que parece não obedecer caminhos naturais na vida. Não costuma olhar nos olhos dos clientes quando nos atendimentos. E hoje não respondeu a um bom dia. A máxima “só se ofenda se a ofensa partir de quem você gosta”, não teve lugar neste episódio, banal eu sei. Não me ofendi, apenas perdi a vontade de comprar pãezinhos ali. Digamos que escolhi outra paragem para adquirir gomos frescos de trigo assado, filhotes de bengala. Quem trabalha com o público, deve respeitá-lo. Além disso, no geral, as pessoas não têm consciência do que significa a contrapartida de uma saudação matinal, vespertina ou noturna. É muito mais do que um gesto de educação. Sua ausência, pode abalar relacionamentos, destruir casamentos ou seja, coisas muito mais importantes do que afastar negócios. Por outro lado, pode reforçar laços, unir afetos. Quem nunca se encantou ou mesmo já se apaixonou com um simples "bom dia"? Outra vez, em plena tarde de garoa, a loira "dele" estava chorando em frente ao estabelecimento. Falava soluçadamente ao telefone, desviando as lágrimas da fronte logo que se jogavam das pálpebras encharcadas. Bonita ela, de corpo. Lembrar que ela trocava de parceiros naquele lugar impublicável, onde se conheceram: difícil crer que era assim. Mas corpos não escondem desatinos, beleza não exclui safadeza, embora fofocas possam ser notícias vez em quando. O baixinho devia na praça, impedido até de entrar em alguns lugares. Vou chamá-lo de Angico. Ela, de Desejada. Angico é um daqueles que seduz fêmeas com sonhos de materialidade. Desejada, é uma daquelas que são conduzidas por estes subtipos de sonhos. Juntou a sede com a ansiedade de beber. Precisavam ser alguém na vida. Dado o golpe, foram rosetar entre mussarelas, confeitos e artefatos de farinha e açúcar. Um cafezinho da hora, para disfarçar e erotizar freguesia menos avisada. Outro dia, sentei ali para traçar um misto quente com preço de pizza grande, e lhe perguntei se ele se chamava Angico; disfarçou com medo de minha barba, talvez eu fosse - na sua temerosa mente - um policial civil ao seu encalço. Depois da negativa, deu voltas e mais voltas como um cavalo desembestado na pista de um Jockey Club alienando-se aos pedaços. Respostas que não respondem, estão se disseminando feito endemia por todos os cantos e baias das cidades e dos campos, resta-nos a praia. Saí dali pela última vez, tal qual se deu com o Mercadorama onde nunca mais pisei, por outro motivo. E provavelmente pelos mesmos motivos o sonho deles (Angico & Desejada) se desfará, num dia qualquer do futuro anunciado, coisa típica de consequência órfã de boa causa. É. Tudo isso por causa de um bom dia a menos. Mas o problema é meu, por ainda não saber reconhecer estes seres filhos-da-puta, os quais nem merecem cumprimento. É que eu vivo sozinho, os poucos que encontro, poderiam através de suas saudações, desviar a minha solidão do meu próprio pensamento. E eu reclamando que Angico desvia da ética...  


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