terça-feira, 21 de julho de 2015

Contos sob a copa dos Sombreiros


 O Homem que Carregava Brancos 



Sem malas, recipientes, envelopes, nada disso. Levava, dentro de si mesmo. Um sem número de brancos, folhas de papel, para todos os tipos de impressão. De situações que levassem ao registro, ou seja, de alguma coisa que passasse e marcasse sua vida a ponto de merecer isso. Então, tudo era passível de ser anotado. Melhor, foi deixar para as coisas mais importantes. Mas o espaço foi passando e a coisa não mudou. Memória alva, límpida, sem sinais visíveis de relevâncias de toda espécie. Um tom amarelado já encobria as bordas, anunciação de uma vida sépia. Olhar pra trás e ver que as cores não permaneceram, tudo evanescia, vida vento, longe daqui. Ao redor, um vazio de reciprocidade alguma. Seu buraco negro era microcosmicamente branco. Os tais intervalos, eram na verdade uma extensão do nada, incursões do quase arriscando loucuras sobre a retidão das certezas, tão imutáveis quanto as rochas seculares.  E como dizer eu aquilo era um peso, impossível de tão sustentável. Impossível de tanta liberdade, que chegava a questionar-se se realmente era livre mesmo, ou mera representação de outro tipo de prisão, a solidão. Do lado de sempre, a solidão sempre foi a certeza-em-chefe, comandante de seus despertares e locomoveres sobre os dias de glória parda. A consciência muda e a carne em repouso, permitiam momentos de revolta orgânica em que se excitava com imaginações ao cabo de produzir visco igualmente branco. Sob a água do chuveiro, o único calor externo de sua existência, aquele líquido se diluía do corpo, desfazendo-se ao longo de seu pênis já de volta à inércia sentimental. Enfim, muito branco para apenas duas mãos a mudar caminhos. Sua transformação consistia em arranjar palavras sobre anteparos incolores, brincadeira de criança pobre. Mas não se pode comparar: crianças pobres carecem de tudo. Ele, um adulto cuja pobreza era apenas relacional. Ele, um homem que nem copiava. Incrível, pois era tanto branco que ele não temia as madrugadas. Que ele se iluminava de conscientizações. E que por isso tudo, ele não sabia falar de corações. Corações têm outro matiz. Este homem, apenas carregava brancos... 



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