O
Homem que Carregava Brancos
Sem
malas, recipientes, envelopes, nada disso. Levava, dentro de si mesmo. Um sem
número de brancos, folhas de papel, para todos os tipos de impressão. De
situações que levassem ao registro, ou seja, de alguma coisa que passasse e
marcasse sua vida a ponto de merecer isso. Então, tudo era passível de ser anotado.
Melhor, foi deixar para as coisas mais importantes. Mas o espaço foi passando e
a coisa não mudou. Memória alva, límpida, sem sinais visíveis de relevâncias de
toda espécie. Um tom amarelado já encobria as bordas, anunciação de uma vida
sépia. Olhar pra trás e ver que as cores não permaneceram, tudo evanescia, vida
vento, longe daqui. Ao redor, um vazio de reciprocidade alguma. Seu buraco
negro era microcosmicamente branco. Os tais intervalos, eram na verdade uma
extensão do nada, incursões do quase arriscando loucuras sobre a retidão das
certezas, tão imutáveis quanto as rochas seculares. E como dizer eu aquilo era um peso,
impossível de tão sustentável. Impossível de tanta liberdade, que chegava a
questionar-se se realmente era livre mesmo, ou mera representação de outro tipo
de prisão, a solidão. Do lado de sempre, a solidão sempre foi a
certeza-em-chefe, comandante de seus despertares e locomoveres sobre os dias de
glória parda. A consciência muda e a carne em repouso, permitiam momentos de
revolta orgânica em que se excitava com imaginações ao cabo de produzir visco
igualmente branco. Sob a água do chuveiro, o único calor externo de sua
existência, aquele líquido se diluía do corpo, desfazendo-se ao longo de seu
pênis já de volta à inércia sentimental. Enfim,
muito branco para apenas duas mãos a mudar caminhos. Sua transformação consistia
em arranjar palavras sobre anteparos incolores, brincadeira de criança pobre. Mas
não se pode comparar: crianças pobres carecem de tudo. Ele, um adulto cuja pobreza
era apenas relacional. Ele, um homem que nem copiava. Incrível, pois era tanto branco que ele não temia as madrugadas.
Que ele se iluminava de conscientizações. E que por isso tudo, ele não sabia falar
de corações. Corações têm outro matiz. Este homem, apenas carregava brancos...
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