quarta-feira, 22 de julho de 2015

Contos do Faz-de-Conta



O HOMEM QUE ROUBAVA DIÁLOGOS 
Ele não faz perguntas. Ele apanha uma pergunta no ar, e parte em disparada. Ele pega outra resposta no vento e esvanece, sempre em direção ao seu monólogo. Praticamente não tem ouvidos, sobressai-se em boca. Aborta as réplicas no ventre, que as tréplicas são anticoncepção. Qualquer interrupção, ele volta ao começo, como se ainda não tivesse iniciado a narrativa. Mas não é egoísmo. Nem maldade ou qualquer coisa assim. É tudo fruto do não sei quê. Um misto de receios da vida pregressa, medo presente e temor futuro, prevalecendo a hesitação, genuinamente atemporal. A independência como bandeira, não esconde a flâmula das justificativas: tudo termina onde há tempos já se acabou. Tudo gira em torno de um amor morto, mas ainda em sétimo dia, velamento eterno e paralisante social de seu ambiente meio. Por uma elegida causa do corpo já distante, tenta com insucesso explicar sua solidão. Um nexo inventado, é a mola mestra, a pedra filosofal, a norma fundamental que rege seu desordenamento de sobrevida. Do desperdício das novas possibilidades, da razão indolente, da repulsa ao sexo, do crivo a uma companhia verdadeira. Ignorar a realidade das coisas ou a importância da emoção, em prol de uma esperança bandida, já roubada, esvaziado foi seu coração. Não bastasse, a meliante levou a chave embora, cimentou portas e janelas, abandonando um ser em casamata na fronteira do deserto com o nada. Assim passa os dias, perdendo chances e experiências e amores e tantas outras coisas boas. Ele, um livro antigo. Ela, uma velhaca revista. Ele, submisso a ela, omisso a si mesmo. Padrão historicamente conservador de estar e nunca ter coragem de ser algo ou alguém, conviver com outrem ou sentir outra coisa. Daqui desta angular, a indignação. Indignação por ver tanto potencial em latência forçada, amordaçada, quase morta. Nem à sua frente, o mundo está ao seu lado e ele não quer reparar. Tem muito para sonhar. Tem tudo para viver. Mas o rio branco secou a grande água em sua alma. Recusa-se a beber oportunidades, goles de novidades, pluralidade e diversidade. Outra vítima da astúcia feminina quando voltada para o aniquilamento masculino. Assim está bom, diria um amigo seu, igualmente inerte de caminhos. Ótimo coração, boa pessoa, mediano homem, mero sujeito, péssimo amante. Péssimo por ser errante. Todos temos uma variante de descaminho. Pena, um engenheiro perecer engessado, fundado numa analítica ideia sem saber que é uma mentira. Por isso, não há diálogo que sobrevenha: só faz evitar o apontamento não apenas de novas direções, mas sobretudo de reais sentidos. Ele, tem na consciência emprestada, uma bússola. Quando pensa em amor, só vê o ponteiro norte. Ele não sabe que a bússola é seu minotauro. Não serei eu quem iria revelar tal fábula...    


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