sexta-feira, 31 de julho de 2015

Furtando SINOPSES

Em Algum Lugar do Presente 

Eu e o filme. Troquei palavra final, depois de revê-lo, depois de décadas. Uma ficção que não traz a certeza de ser uma ficção. Deixa no ar a sensação de sonho, realidade em paralelo. A estória de um amor perdido no tempo, e seu eterno conflito com o espaço, dimensões que pedem acordo em comum para felicitar vidas. Vamos embarcar. 


Ele resolveu atravessar um portal, em razão de um sinal que começou a interpretar desenfreadamente. Conseguiu. Lá, encontrou alguém que lhe esperava. E foram felizes o quanto se permitiram. Entre a rapsódia e algumas lágrimas, tentei me transformar em protagonista de minha história. Existiu um grande amor em minha vida? Os amores do passado, algum deles poderia ter sido chamado de grande amor? Creio que não. Se houvesse, talvez ainda existisse, mesmo que distante ou ausente. Amores menores, isso sim. Que talvez não pudessem ser denominados amores. Há aqueles, que fazem da ilusão o tal grande amor. Outros, do interesse. E também existem os que nada fazem, como eu. Apenas, não viveram o seu grande amor. Ouvi uma pergunta, se eu esperei um dia que algum grande amor aparecesse em minha vida. Respondi que não. Que isso não se espera. Quem espera, pode fazer de qualquer coisa um grande amor, até mesmo a partir de uma ilusão. Então, como vivem os que não viveram e que não vivem um grande amor? Não estamos sós: vivemos acompanhados da solidão. A natureza, sábia, não nos abandonou. Mas como explicar as lágrimas durante o filme? Simples, devem-se à sensibilidade. Não temos ninguém, mas possuímos sensibilidade, desta vez reconhecida na emoção dos outros. Não choramos por nós, e sim pelo drama, alheio. Nem é questão de se colocar no lugar das personagens. Somente envolver-se com o enredo, a fotografia e a música do filme, acompanhando o desenvolver de uma arte que não vivenciamos. Quando insistiram na pergunta de que se eu ainda queria amar alguém um dia, eu calei. Calei pelo coração mudo. Meu coração silencia quando inquirido sobre as coisas da consciência. A minha razão, é soberana. Eu nunca despertei reconhecimento nas mulheres que cruzaram meu caminho, mesmo tendo elas não me conhecido direito. E essa falta de reciprocidade, criou em mim uma resistência, uma defesa, uma desesperança neste sentido afetivo. Por isso, as mulheres que eu conheço não sabem de mim. Eu escondo, entre tantas outras coisas boas, que não tenho sentimento, deixando para revelar isso apenas depois da incompatibilidade revelada. Eu ainda não sei bem o que é essa tal reciprocidade. Se eu soubesse, talvez eu não me emocionasse nos filmes de desamor. Talvez eu fosse à praia, andar ao seu lado de pés descalços na areia beirando o rasinho do mar. Talvez eu dançasse com ela na sala noturna uma suave música ao vinho. Talvez nos entregássemos aos abraços e aos beijos e aos atos sobre as horizontais. Talvez tanta coisa acontecesse, que eu ignoraria tempo e espaço. Uma condição que não me afasta da realidade. Porque eu, eu não sonho um grande amor - aliás, 'grande amor' é uma torpe redundância, basta se referir a amor e pronto, o que não for amor é apenas sentimento, não cabe ser grande ou pequeno. Já sei que não vim para amar, tampouco para ser amado. Mas isso não é um drama. Meus desenredos servem até como comédia. Mas eu tentei. Se não tive êxito, não foi por omissão. Estou feliz. Mesmo que em nenhum lugar do passado eu pudesse reencontrar alguém que eu não amei. Mesmo que em nenhum lugar do presente, exista alguém que pudesse vir a ser um grande amor para mim. Ter consciência disso, é abraçar a natureza do destino. Este, também não me abandonou: trouxe-me a poesia e a música para companhia. Juntando com a solidão e mais dois cães, já somos seis. É muita gente para que eu reclamasse de alguma coisa, qualquer coisa. A vida é tão bela, tem janelas e portas, pássaros e florestas, mares e horizontes, sóis, luas e algumas chuvas...Deixo então que os filmes falem por mim a linguagem que eu não domino: sou o menos indicado para falar disso. As lágrimas? Foram as notas do piano que trouxeram. Não se sabe se a estória do filme foi um sonho dele. Eu sei, que não há lugar no tempo da minha história onde se encontre meu amor. Ele nunca existiu. Ele não existe. Talvez, eu também não... 

RACHMANINOFF RHAPSODY” >> Somewhere in Time 




quinta-feira, 30 de julho de 2015

Autorretrato Simbólico





Crônica Cotidiana 25




Dizem que ele comprou a padaria com dinheiro desviado. Também que ele tirou a sua loira de um outro coitado. Sujeitinho complicado esse, que parece não obedecer caminhos naturais na vida. Não costuma olhar nos olhos dos clientes quando nos atendimentos. E hoje não respondeu a um bom dia. A máxima “só se ofenda se a ofensa partir de quem você gosta”, não teve lugar neste episódio, banal eu sei. Não me ofendi, apenas perdi a vontade de comprar pãezinhos ali. Digamos que escolhi outra paragem para adquirir gomos frescos de trigo assado, filhotes de bengala. Quem trabalha com o público, deve respeitá-lo. Além disso, no geral, as pessoas não têm consciência do que significa a contrapartida de uma saudação matinal, vespertina ou noturna. É muito mais do que um gesto de educação. Sua ausência, pode abalar relacionamentos, destruir casamentos ou seja, coisas muito mais importantes do que afastar negócios. Por outro lado, pode reforçar laços, unir afetos. Quem nunca se encantou ou mesmo já se apaixonou com um simples "bom dia"? Outra vez, em plena tarde de garoa, a loira "dele" estava chorando em frente ao estabelecimento. Falava soluçadamente ao telefone, desviando as lágrimas da fronte logo que se jogavam das pálpebras encharcadas. Bonita ela, de corpo. Lembrar que ela trocava de parceiros naquele lugar impublicável, onde se conheceram: difícil crer que era assim. Mas corpos não escondem desatinos, beleza não exclui safadeza, embora fofocas possam ser notícias vez em quando. O baixinho devia na praça, impedido até de entrar em alguns lugares. Vou chamá-lo de Angico. Ela, de Desejada. Angico é um daqueles que seduz fêmeas com sonhos de materialidade. Desejada, é uma daquelas que são conduzidas por estes subtipos de sonhos. Juntou a sede com a ansiedade de beber. Precisavam ser alguém na vida. Dado o golpe, foram rosetar entre mussarelas, confeitos e artefatos de farinha e açúcar. Um cafezinho da hora, para disfarçar e erotizar freguesia menos avisada. Outro dia, sentei ali para traçar um misto quente com preço de pizza grande, e lhe perguntei se ele se chamava Angico; disfarçou com medo de minha barba, talvez eu fosse - na sua temerosa mente - um policial civil ao seu encalço. Depois da negativa, deu voltas e mais voltas como um cavalo desembestado na pista de um Jockey Club alienando-se aos pedaços. Respostas que não respondem, estão se disseminando feito endemia por todos os cantos e baias das cidades e dos campos, resta-nos a praia. Saí dali pela última vez, tal qual se deu com o Mercadorama onde nunca mais pisei, por outro motivo. E provavelmente pelos mesmos motivos o sonho deles (Angico & Desejada) se desfará, num dia qualquer do futuro anunciado, coisa típica de consequência órfã de boa causa. É. Tudo isso por causa de um bom dia a menos. Mas o problema é meu, por ainda não saber reconhecer estes seres filhos-da-puta, os quais nem merecem cumprimento. É que eu vivo sozinho, os poucos que encontro, poderiam através de suas saudações, desviar a minha solidão do meu próprio pensamento. E eu reclamando que Angico desvia da ética...  


quarta-feira, 29 de julho de 2015

Poema Cachoeira


 LADO DE FORA 



 "Cinco centímetros a mais" 


 de wide screen 
 de e-mail 
 de curriculun vitae.. 

 de cama 
 de cobertas 
 de armário.. 

 de porta-retrato 
 de sofá 
 de chuveiro.. 

 de bife 
 de mamão 
 de couve.. 

 de garagem 
 de quintal 
 de janela.. 

 de altura 
 de cabelos 
 de jornal 
 de pau.. 

 tivesse cinco centímetros a mais 
 talvez eu te conquistasse 
 ou não 
 talvez, 
 se eu tivesse 
 eu pensaria em mais cinco 
 totalizando dez centímetros 
 seria muito para mim 
 demais para ti 
 pois a convenção dos tamanhos 
 é mera desculpa para justificarmos 
 toda distância 
 toda negação 
 e qualquer forma de amor... 


 AVESSO 



 "Sublimação" 

 O que sai de mim 
 Quer chegar em ti 
 Mas eu me desfaço 
 em gotas suspensas no ar 
 que pedem gravidade 
 pra alcançar teu leito.. 
 Lá, 
 já te sentes protegida 
 Não olhas pra dentro 
 porque estamos longe, 
 mas nem tão longe assim 
 do mar que nos invadiria... 



 - música incidental - 


segunda-feira, 27 de julho de 2015

Navegando em Continentes








Miss Celânea Três




 Dor abdominal que atravessa a manhã 
 Veio da madrugada, em clara escuridão 
 Fazer as honrarias da semana 
 Lancinante, 
 Obtusa, 
 Tão oca quanto um sentir que inexiste 
 Tão pálida minha face de reflexos 
 Dos olhares que não mereci por aqui... 
     Neste receptáculo de sensações 
     Eminentemente corporais. 


 Cólicas masculinas 
 Prenúncio de disease 
 Je suis malade 
 Ou meu viver não passa de um eterno confundir 
      Um misturar, 
      de línguas 
      que não beijei... 


 sou tomado de assalto 
 ao teclado armado 
 pela criminosa Poesia 
 em toda segunda-mercado 
 projetis silenciadores miram a consciência 
 matam-me um pouco mais 
 a cada semana, 
 e assim renasço 
 depois do tempo perdido sem escrever... 


 a mulata dos meus sonhos 
 mora no Rio 
 nem sei se ela existe 
 porque eu sou de Mar 
 e minha morena, 
 é minha completa realidade.. 


 queria ter um estilo 
 que me levasse às livrarias 
 cantinho em prateleiras 
 pilha central dos lançamentos 
 sem que ninguém comprasse 
 de tão bonito que é ver livros novos, 
 organizados, 
 vizinhos dos outros 
 ao lado de alguém que também, 
 escreve ao invés de viver... 


 o tempo traz a onda 
 mas a praia sou eu 
 ou uma gruta à beira-mar 
 onde há uma sereia a namorar 
 o marinheiro que se matou da vida 
 pela eternidade do encanto... 


 as flores choram 
 quando ignoram suas cores 
 não são sementes 
 tampouco herbário 
 são aromas 
 pois seriam amores... 


 o bolo de pão- 
 de-ló no frio 
 encolheu feito o piu- 
 piu na cueca 
 do polaco burro 
 que não sabe das coisas do tempo.. 


 que merda é essa 
 escrever pra ninguém 
 além de ser fundamental 
 e me fazer alguém... 


 vou só 
 gentes ficam pela estrada 
 porque ninguém quer saber onde vai dar 
 esse meu jeito de amar, 
 de amar sem dor. 
     Parecem querer o sofrer 
     E só depois chamar de amor... 
 Desçam mesmo 
 Tomem carona 
 Tomem no cu 
 E vão ler livros que prestem... 


 Sei muito bem falar de amor 
 Melhor ainda dizer como ele deveria ser 
 Mas do Amor não se fala 
 Dele nem se opina 
 Talvez, para ser amor, 
 Deva apenas ser vivido... 
     Vivê-lo sem falar ou achar 
     Só ter tempo para sentir... 


 Relação conflituosa 
 Não é relação, 
 é atrito.. 
 Por isso só admito 
 promover união 
 Com aquela Rosa... 





domingo, 26 de julho de 2015

Mundo EVANESCENTE...




 A Negra e o Botão 

 Ela passava na frente daquela casa. 
 Observava o homem no portão. 
 Rotina que a fez desejosa. 
 Queria arriscar mudança. 
 Tocou campainha, pediu informação. 
 Fingiu desfalecer ao sol. 
 Ganhou copo d’água no sofá. 
 Abriu os olhos da falsa artimanha. 
 Pegou na espada do seu salvador. 
 E se amaram porcamente ali mesmo. 
 Evangélica negou preservativo. 
 Fez-se rosa e lhe abriu o botão. 
 Como se atrás não houvesse perigo. 
 Como se acima estivesse a religião. 
 Dessas quando o sexo não tem sentido. 
 Dessas quando os amantes não têm união. 
 É bom para o momento. 
 Péssimo para o tempo. 
 Pessoas que continuam a busca. 
 E nem sabem o que procuram... 


Movimento Retilíneo Desuniforme







Palco Voador





phOTOCALIGRAfIA





quinta-feira, 23 de julho de 2015

Declamar é Viver / *plus


 O segundo idiota 
 Porque houve um primeiro 
 Que blindar um coração é profilaxia 
 Para atravessar a selva tropical da vida 
 E chegar no mar 
 Poder nadar 
 Até se libertar,
 Seja como for 
 Feito Alfonsina 
 Ou tal qual Caymmi... 


 "Poema Para Dorival Caymmi" - Rolando Boldrin + "Suíte dos Pescadores"  


quarta-feira, 22 de julho de 2015

Contos do Faz-de-Conta



O HOMEM QUE ROUBAVA DIÁLOGOS 
Ele não faz perguntas. Ele apanha uma pergunta no ar, e parte em disparada. Ele pega outra resposta no vento e esvanece, sempre em direção ao seu monólogo. Praticamente não tem ouvidos, sobressai-se em boca. Aborta as réplicas no ventre, que as tréplicas são anticoncepção. Qualquer interrupção, ele volta ao começo, como se ainda não tivesse iniciado a narrativa. Mas não é egoísmo. Nem maldade ou qualquer coisa assim. É tudo fruto do não sei quê. Um misto de receios da vida pregressa, medo presente e temor futuro, prevalecendo a hesitação, genuinamente atemporal. A independência como bandeira, não esconde a flâmula das justificativas: tudo termina onde há tempos já se acabou. Tudo gira em torno de um amor morto, mas ainda em sétimo dia, velamento eterno e paralisante social de seu ambiente meio. Por uma elegida causa do corpo já distante, tenta com insucesso explicar sua solidão. Um nexo inventado, é a mola mestra, a pedra filosofal, a norma fundamental que rege seu desordenamento de sobrevida. Do desperdício das novas possibilidades, da razão indolente, da repulsa ao sexo, do crivo a uma companhia verdadeira. Ignorar a realidade das coisas ou a importância da emoção, em prol de uma esperança bandida, já roubada, esvaziado foi seu coração. Não bastasse, a meliante levou a chave embora, cimentou portas e janelas, abandonando um ser em casamata na fronteira do deserto com o nada. Assim passa os dias, perdendo chances e experiências e amores e tantas outras coisas boas. Ele, um livro antigo. Ela, uma velhaca revista. Ele, submisso a ela, omisso a si mesmo. Padrão historicamente conservador de estar e nunca ter coragem de ser algo ou alguém, conviver com outrem ou sentir outra coisa. Daqui desta angular, a indignação. Indignação por ver tanto potencial em latência forçada, amordaçada, quase morta. Nem à sua frente, o mundo está ao seu lado e ele não quer reparar. Tem muito para sonhar. Tem tudo para viver. Mas o rio branco secou a grande água em sua alma. Recusa-se a beber oportunidades, goles de novidades, pluralidade e diversidade. Outra vítima da astúcia feminina quando voltada para o aniquilamento masculino. Assim está bom, diria um amigo seu, igualmente inerte de caminhos. Ótimo coração, boa pessoa, mediano homem, mero sujeito, péssimo amante. Péssimo por ser errante. Todos temos uma variante de descaminho. Pena, um engenheiro perecer engessado, fundado numa analítica ideia sem saber que é uma mentira. Por isso, não há diálogo que sobrevenha: só faz evitar o apontamento não apenas de novas direções, mas sobretudo de reais sentidos. Ele, tem na consciência emprestada, uma bússola. Quando pensa em amor, só vê o ponteiro norte. Ele não sabe que a bússola é seu minotauro. Não serei eu quem iria revelar tal fábula...