sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

O Estranho Caso da Lonômia Oblíqua



Sexta-feira 13. Qual o quê, superstição é coisa para impressionáveis. Passo em casa após o almoço, o vizinho conversa com um jardineiro sobre a poda de uma gigante árvore interna que continua a empurrar o muro. Brasileiros tentando ser preventivos. Dei a volta no terreno e fui escutar o papo dos dois, abrindo um portãzinho bem embaixo dos galhos da maldita: levei um choque. Em milésimos de segundos, procurei um fio desencapado, indignado como poderia um fio assim estar ali, mas o que encontrei foi ela, Dona Lonômia, literalmente lagarteando sob o sol, bem onde eu pus a mão. O choque aumentou e se transformou numa dor lancinante como se um bisturi lâmina 12 estivesse cravado no centro do meu polegar, a área de contacto com os espinhos mortais daquele verdadeiro animal, que não era apenas um bicho qualquer. De pronto, as falanges distais dos dedos da mão direita começaram a endurecer e amortecer, sinistro o negócio. E agora, Eduardo? A pressão aumentou, o coração disparou, o suor encharcou, e agora Eduardo? E agora, você? Você que é sem sobrenome, que zomba dos coxas, você que faz versos, que não é amado, protesta? E agora, Eduardo? Quem é você ou o quê você é capaz de fazer diante de sua própria morte? Quer sobreviver ou não? Fiz uma isquemia digital local, tentando impedir que a peçonha se espalhasse pelo organismo. O meu histórico com as butucas e os casos de conhecidos que no passado sofreram acidentes semelhantes, somado com meu tino preventivo por ter sido profissional da área da Saúde ainda ativo na entidade de classe, me levaram de imediato ao postinho do bairro. Fosse eu num hospital particular, levaria horas para ter que me submeter a um RX do dedo, uma tomo da mão ou até uma ressonância do braço, não sem sair de lá com alguns mls de um potente anti-histamínico na veia.. Não, os protocolos do SUS são mais indicados que os privados, sei disso. Eu diria que, numa escala álgica de zero a 10, era uma dor grau 8,5. Esse negócio de medir as coisas em graus, é para especialistas, eu apenas chutei. Bizarra dor. Meio centímetro pro lado, e a taturana passaria despercebida. Fiz cadastro na unidade de saúde básica, rapidinho. E rapidinho passei pela enfermeira da avaliação. A simpática polaca pediu para que eu a lembrasse de que estava ali, em função do movimento (que eu não vi nessa tarde), para que ela avisasse a doutora. Em 45 minutos, o quadro pseudo-anafilático passou, e minha pressão arterial de 14:9 já estava em 12:8 na primeira hora. Um lugar extremamente limpo, bom atendimento, eficiência no serviço. A médica me chamou, vestindo sob o jaleco, uma pequena saia, deixando de fora suas bem torneadas pernas, as nipônicas estão se libertando. Orientou-me que pegasse o cadáver (sim, eu matei a autora) da lagarta e levasse na UPA-Cajuru, que fica no Centenário, ou vice-versa, por razões epidemiológicas, eu sabia. A coisa certa, requer tempo, desprendimento e certa perda de dinheiro, fazer o quê, tudo pelo saudavelmente correto. Lá, nova avaliação e outra consulta. Já não coletam mais os animais, o belo caixão que eu preparei com uma embalagem de um perfume Antonio Banderas, foi com sua funesta e gosmenta ocupante envolta numa folha seca, para o lixo orgânico da sala 8. O médico, disse que nunca tinha visto uma daquelas (ainda inteira na foto do meu celular). Também falou que a notificação do Ministério da Saúde, poderia ter sido feita na Unidade Iracema, a primeira. Perguntei-lhe sobre a reação tardia ou mediata de anafilaxia, ele descartou a hipótese neste caso. Não peguei na farmácia popular a loratadina, deixei para quem não pudesse fazê-lo. Também nem a comprei na volta, talvez não fosse preciso. Uma das funcionárias disse que eu teria de coletar sangue, pois o veneno interfere no processo de coagulação. Não foi necessário. Nessa unidade, tinha guarda metropolitano armado. Saí de lá com várias conclusões. A saber. Apesar dos dois pequenos desencontros de procedimentos, o SUS é um programa de primeiro mundo, pena que gerido e com muita ingerência por pessoas avessas à coisa pública. Verifiquei na prática os princípios que outrora estudei sobre a lei 8.080/90. As consultas no SUS são mais demoradas que as consultas nos consultórios particulares que atendem os planos de saúde privados, falando no tempo de duração; o tempo de espera, é praticamente o mesmo. Impressiona o número de profissionais mulheres nos postos de saúde, e a falta de segurança em seu ambiente de trabalho no Capão da Imbuia, como ocorre nos outros postos que não os 24 horas. Há gente bronzeada no Cajuru, e também gente bonita. A maioria dos pacientes nas duas unidades, não era pobre; ser humilde, é outra coisa. O GPS me levou, voltei sozinho. A Rua da Trindade é uma rua comum, com veículos, motocicletas, gente bronzeada e gente branquela. Termina (ou começa) na Maurício Fruet. O Cajuru é um bairro sem crescimento vertical, a criminalidade de regatas não gosta de subir escadas, ao contrário dos criminosos de colarinhos-brancos, eles parecem combinar sua jurisdição. O saldo de ter feito a coisa certa, mesmo que contraproducente para mim, é dormir mais tranquilo, sem pensar na possibilidade de uma reação posterior, e por ter colaborado com os índices de saúde, as estatísticas da vigilância epidemiológica do município. Devemos ter mais cuidado aonde pegamos, encostamos, pisamos, pois pode ser território alheio, os animais e insetos ignoram o que seja IPTU, não possuem RG nem CPF. Tivesse eu uma área de contacto maior com o bichano, talvez eu não estivesse mais aqui em função de um edema de glote, o evento é fatal mesmo, se quantitativo. Aguardarei três dias para eventuais dores, náuseas, vômitos, sangramentos e/ou manchas escuras no corpo, creio que não virão. Coisas da natureza. Na ameaça do corte raso do condomínio de Dona Lonômia, ela ficou a postos em sua própria defesa, e obviamente dos outros ovos e larvas, os condôminos. Jogou-se lá do alto da ameixeira para gritar ao seu modo nos meus dedos (agora, o indicador formou uma pequena bolha, igual tem no Google) que os invasores somos nós, humanos. O homem avançou no espaço da floresta, as árvores estavam lá antes de ele chegar, para não dizer esbulhar. Estranho... borboletas hoje tão lindas, foram um dia lagartas tão cruéis. E ainda nomeadas "oblíquas", por que será, viverei sem querer saber. Dona Lonômia era coxa-branca, posto que era alviverde. Eu nunca zombei dos coxas-brancas... sério, quem fez isso foi José. Eu nunca acreditei em sexta-feira 13... sério, quem crê nisso é mariposa. Mas eu sempre respeitei o SUS... sério, quem o sucateia são os lobistas da medicina de grupo. Não resisti, apelei para a farmácia. A loratadina subiu, a bolha desapareceu, o céu se abriu... e agora, Maria? 


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