...e está tudo igual. A convenção do
calendário jamais ultrapassará a realidade. Depois das badaladas, abraços,
goles e votos na direção de outras realidades. O branco dominava o ambiente,
pratos, copos e talheres em seus lugares, as pessoas nem tanto. Um convidado
perdido, como sempre, resgatado de sua solidão para que não passasse a virada
sem abraço, porque a solidão não abraça, ela fica imóvel em pé, olhando a TV,
aquele falso retrato das alegrias dos outros. E ele, o convidado, que era ela,
contava histórias engraçadas na tentativa de disfarçar o abandono 'reveillonesco', deu certo para quem não entendeu que aquilo era fuga: medo de silenciar. O jovem
casal, no chão de mais um ano sem condição financeira de juntar duas escovas
dentárias num só copo sob o mesmo teto, encarava com sorrisos o talvez agora
vai; pensavam em sua profissão e na resistência que lhes mantinha incólumes diante
da falta total de perspectivas para ascensão profissional em suas carreiras daquele
jeito que estava, pois uma mudança seria ousadia demais, o desemprego é um
fantasma feito de carne: medo de arriscar. Outro casal, mais jovem ainda, nem adentraram ao mercado de
trabalho, o oásis da faculdade ainda não havia sido encontrado; seus sonhos
eram maiores que o do primeiro casal, a vida não tinha lhes surrado ainda: medo de continuar. A adolescente
preocupada com o ingresso no ensino médio, aulas também à tarde para satisfazer
o ego ditador da mãe, que ignorava que aquilo seria desnecessário, já que a
filha é uma excelente aluna, coitadinha, não merecia levar vida de cursinho já
desde o primeiro ano; minidrama, que para ela é tormento: medo de começar. A divorciada
sexagenária disparando gravidez para todos os lados, revelando um desejo de
recomeço para ela mesma, com outro homem que não escolheu, talvez em outra
cidade, outra vida que não aquela que lhe deu muitos amigos mas não ofertou-lhe
companhia par; Freud explicaria: medo de recomeçar. E a dona da casa, octogenária, ouvindo mal e
comendo pouco, já cansada por ter feito quase toda a comida e bem embalada na
direção da cama pelo efeito do vinho; um tipo distinto de solidão: medo de encerrar. Enfim, sempre
a mesma festa, alguns personagens diferentes, poucos, e os fogos coloridos brilhando
no céu escuro daquela gente, na bela vista do apartamento ‘urbanóide’ (já que a
palavra não existe mesmo, mantenho o acento que mataram). Um cachorro pequeno,
outro convidado solitário se escondia em defesa contra os fogos que lhe atacavam
4 vezes mais que os humanos. Uma ceia de companhias e solidões. Mas será que
solidão é apenas o fato de não ter ninguém para usar a mesma pasta dental? Ou pode
se considerar solidão a escolha de não se querer ninguém tanto por isso ser anti-higiênico
ou por simples livre-arbítrio? O que é essa porra de solidão afinal? É destino
ou opção? Causa ou consequência? Escassez no mercado do amor ou consciência de
que o amor é mercantil? É ausência ou falta ou nada disso? Não sei. Mais de um
milhão e oitocentas mil pessoas, sem contar os quase três milhões da região
metropolitana, e continua soberana a frase que Belchior lançou na eternidade “..e a solidão das pessoas
nessas capitais...”. A música ensina os atentos. Eu aprendi, e sei dos
lamentos. Seres humanos sozinhos, procuram se juntar porque a união entre eles,
para eles, não é disfarce: é fantasia...
Mas é um dia de sol, coisa um tanto
rara nos janeiros daqui. Não se fala das possíveis conquistas obtidas durante
ao ano, aqui é só papo sobre a festa. Desta vez se esqueceram da lentilha e das
romãs, mas tinha uvas e folhas de louro. O último 31 de 2018 aguarda novos
pratos, novos vinhos e frisantes, um novo e velho indivíduo metropolitano abandonado, talvez outro
cão, e aquelas mesmas pessoas, provavelmente. Quem sabe os mesmos sonhos, então
reforçados. E o enigma da solidão. O quê, cada um fará da sua, com a sua, pela
sua. Pois no final deste novo ano, as pessoas estarão novamente de branco. Elas
usam branco, porque branco não é cor. Se não é cor, não é realidade. Novas
roupas brancas. É o único jeito de fazer parte da reunião, sem demonstrar que passam
o ano todo disfarçados, e que conseguem suportar o presente, somente em fantasia. Branco, a "cor" refletora universal de todas as outras, é a mais indicada para não revelar a escuridão do medo. As pessoas
continuam pálidas: delegam aos fogos de artifício, as cores da vida...
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