sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

O Estranho Caso da Lonômia Oblíqua



Sexta-feira 13. Qual o quê, superstição é coisa para impressionáveis. Passo em casa após o almoço, o vizinho conversa com um jardineiro sobre a poda de uma gigante árvore interna que continua a empurrar o muro. Brasileiros tentando ser preventivos. Dei a volta no terreno e fui escutar o papo dos dois, abrindo um portãzinho bem embaixo dos galhos da maldita: levei um choque. Em milésimos de segundos, procurei um fio desencapado, indignado como poderia um fio assim estar ali, mas o que encontrei foi ela, Dona Lonômia, literalmente lagarteando sob o sol, bem onde eu pus a mão. O choque aumentou e se transformou numa dor lancinante como se um bisturi lâmina 12 estivesse cravado no centro do meu polegar, a área de contacto com os espinhos mortais daquele verdadeiro animal, que não era apenas um bicho qualquer. De pronto, as falanges distais dos dedos da mão direita começaram a endurecer e amortecer, sinistro o negócio. E agora, Eduardo? A pressão aumentou, o coração disparou, o suor encharcou, e agora Eduardo? E agora, você? Você que é sem sobrenome, que zomba dos coxas, você que faz versos, que não é amado, protesta? E agora, Eduardo? Quem é você ou o quê você é capaz de fazer diante de sua própria morte? Quer sobreviver ou não? Fiz uma isquemia digital local, tentando impedir que a peçonha se espalhasse pelo organismo. O meu histórico com as butucas e os casos de conhecidos que no passado sofreram acidentes semelhantes, somado com meu tino preventivo por ter sido profissional da área da Saúde ainda ativo na entidade de classe, me levaram de imediato ao postinho do bairro. Fosse eu num hospital particular, levaria horas para ter que me submeter a um RX do dedo, uma tomo da mão ou até uma ressonância do braço, não sem sair de lá com alguns mls de um potente anti-histamínico na veia.. Não, os protocolos do SUS são mais indicados que os privados, sei disso. Eu diria que, numa escala álgica de zero a 10, era uma dor grau 8,5. Esse negócio de medir as coisas em graus, é para especialistas, eu apenas chutei. Bizarra dor. Meio centímetro pro lado, e a taturana passaria despercebida. Fiz cadastro na unidade de saúde básica, rapidinho. E rapidinho passei pela enfermeira da avaliação. A simpática polaca pediu para que eu a lembrasse de que estava ali, em função do movimento (que eu não vi nessa tarde), para que ela avisasse a doutora. Em 45 minutos, o quadro pseudo-anafilático passou, e minha pressão arterial de 14:9 já estava em 12:8 na primeira hora. Um lugar extremamente limpo, bom atendimento, eficiência no serviço. A médica me chamou, vestindo sob o jaleco, uma pequena saia, deixando de fora suas bem torneadas pernas, as nipônicas estão se libertando. Orientou-me que pegasse o cadáver (sim, eu matei a autora) da lagarta e levasse na UPA-Cajuru, que fica no Centenário, ou vice-versa, por razões epidemiológicas, eu sabia. A coisa certa, requer tempo, desprendimento e certa perda de dinheiro, fazer o quê, tudo pelo saudavelmente correto. Lá, nova avaliação e outra consulta. Já não coletam mais os animais, o belo caixão que eu preparei com uma embalagem de um perfume Antonio Banderas, foi com sua funesta e gosmenta ocupante envolta numa folha seca, para o lixo orgânico da sala 8. O médico, disse que nunca tinha visto uma daquelas (ainda inteira na foto do meu celular). Também falou que a notificação do Ministério da Saúde, poderia ter sido feita na Unidade Iracema, a primeira. Perguntei-lhe sobre a reação tardia ou mediata de anafilaxia, ele descartou a hipótese neste caso. Não peguei na farmácia popular a loratadina, deixei para quem não pudesse fazê-lo. Também nem a comprei na volta, talvez não fosse preciso. Uma das funcionárias disse que eu teria de coletar sangue, pois o veneno interfere no processo de coagulação. Não foi necessário. Nessa unidade, tinha guarda metropolitano armado. Saí de lá com várias conclusões. A saber. Apesar dos dois pequenos desencontros de procedimentos, o SUS é um programa de primeiro mundo, pena que gerido e com muita ingerência por pessoas avessas à coisa pública. Verifiquei na prática os princípios que outrora estudei sobre a lei 8.080/90. As consultas no SUS são mais demoradas que as consultas nos consultórios particulares que atendem os planos de saúde privados, falando no tempo de duração; o tempo de espera, é praticamente o mesmo. Impressiona o número de profissionais mulheres nos postos de saúde, e a falta de segurança em seu ambiente de trabalho no Capão da Imbuia, como ocorre nos outros postos que não os 24 horas. Há gente bronzeada no Cajuru, e também gente bonita. A maioria dos pacientes nas duas unidades, não era pobre; ser humilde, é outra coisa. O GPS me levou, voltei sozinho. A Rua da Trindade é uma rua comum, com veículos, motocicletas, gente bronzeada e gente branquela. Termina (ou começa) na Maurício Fruet. O Cajuru é um bairro sem crescimento vertical, a criminalidade de regatas não gosta de subir escadas, ao contrário dos criminosos de colarinhos-brancos, eles parecem combinar sua jurisdição. O saldo de ter feito a coisa certa, mesmo que contraproducente para mim, é dormir mais tranquilo, sem pensar na possibilidade de uma reação posterior, e por ter colaborado com os índices de saúde, as estatísticas da vigilância epidemiológica do município. Devemos ter mais cuidado aonde pegamos, encostamos, pisamos, pois pode ser território alheio, os animais e insetos ignoram o que seja IPTU, não possuem RG nem CPF. Tivesse eu uma área de contacto maior com o bichano, talvez eu não estivesse mais aqui em função de um edema de glote, o evento é fatal mesmo, se quantitativo. Aguardarei três dias para eventuais dores, náuseas, vômitos, sangramentos e/ou manchas escuras no corpo, creio que não virão. Coisas da natureza. Na ameaça do corte raso do condomínio de Dona Lonômia, ela ficou a postos em sua própria defesa, e obviamente dos outros ovos e larvas, os condôminos. Jogou-se lá do alto da ameixeira para gritar ao seu modo nos meus dedos (agora, o indicador formou uma pequena bolha, igual tem no Google) que os invasores somos nós, humanos. O homem avançou no espaço da floresta, as árvores estavam lá antes de ele chegar, para não dizer esbulhar. Estranho... borboletas hoje tão lindas, foram um dia lagartas tão cruéis. E ainda nomeadas "oblíquas", por que será, viverei sem querer saber. Dona Lonômia era coxa-branca, posto que era alviverde. Eu nunca zombei dos coxas-brancas... sério, quem fez isso foi José. Eu nunca acreditei em sexta-feira 13... sério, quem crê nisso é mariposa. Mas eu sempre respeitei o SUS... sério, quem o sucateia são os lobistas da medicina de grupo. Não resisti, apelei para a farmácia. A loratadina subiu, a bolha desapareceu, o céu se abriu... e agora, Maria? 


terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Estrela Cadentro




Noite de verão quase equatorial. Não basta dormir seminu, a madrugada pede por goles d’água. O pesadelo é a forma mais sutil do corpo avisar que está com sede. Seja de água ou de vida. Recebido o sinal, levanto em direção ao oásis gelado na casinha quente. Sempre, sempre, sempre. Olhando pela janela da cozinha, uma luz amarelo-ouro, no alto e à esquerda, treme ao vento descrente. Não é reflexo, é fonte própria, não artificial. Move-se, questão de centímetros. Enquanto a água queda do copo para seguir feito o curso de um São Francisco não anunciado dentro de meu organismo nordeste, a luz aumenta e enfraquece, intermitentemente. Um barulho, vou até a janela oposta e era nada além de uma poesia incidental, para não dizer ingerência perdida. A morte não existe, erudita donzela. Repito que a mato e aparece ainda maior. De volta ao vitral, passo alguns minutos em contemplação da luz. Até que ela some, para o sempre daquela noite. Saciado, ou não, retorno ao mundo horizontal do repouso obrigatório. Não sei se haverá sede no próximo luar. Nem se vou levantar às custas de um sonho ou de outro pesadelo. Mas sei que todas as noites ela estará lá. Aquela luz externa projetando-se no canto esquerdo da janela da minha cozinha no breu de todas as estações. Eu não a chamo. Mas ela não quer saber por que ainda brilha, ela ignora que ainda vem e jamais reconheceria que ainda chega. Lamento que somente eu, sei por que motivo ela vai embora... 


PHotoesia


Chama violeta
Rosáceo véu da noiva de sol
Que caminha para o altar poente
Névoa de alegria na gente
Que não há casamento no céu
Onde o noivado é constante
Dura lépido e diário instante
Assim como a felicidade
Sem riscos de que uma dormente inverdade
Não amanheça outro belo nascente...




Lança Curtas.






sábado, 7 de janeiro de 2017

Miscelânea 2017 - A




- quando a Poesia vai embora, e deixa isso aí:

O andarilho
Anda fora do trilho
Trilho feito pelos homens
Para que os homens não precisem andar...


O ano novo
É uma convenção mundial
Que aproveitarei agora
Para dizer o que eu já devia ter dito..
Mas eu não sou novo
Sei de mim
E vou apenas continuar,
A escrever o que eu deveria ter feito...


Você só tem medo de amar
Alguém que você não queira amar
O medo não é unilateral
Ele precisa de um referencial
Externo,
Não perigoso
E com um especial potencial amoroso...


Muitos falam da desnecessidade
De uma data especial para a revolução
Pior do que ter esperado essa data
É não ter a revolta em mente...


Um escritor de verdade
É aquele que já matou a curiosidade
Com um tiro na cabeça dela
Pois ele não depende que os outros o leiam
Ele apenas precisa escrever,
   ao invés de se matar imaginando..


Não sou parente dos poemas
Nobre e tradicional família
Barroca, árcade ou moderna
Que,
Com suas rimas ricas até alternadas
Com suas estrofes e sonetos
Seus versos brancos ou soltos
Fazem o povo deleitar...
Sou filho da poesia
Deito em cama fria
Escrevo sem sintonia
Um plebeu sem amor
Que pudesse me libertar...


sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

O Chato




Ele não gosta de muita coisa. De quadros tortos, por exemplo. Não pelo quadro em si, a pintura ou a moldura, mas seu alinhamento quando errado, o mínimo que seja, assim como na barra das calças. Sua pior chatice é o cheiro de fósforos, soa como alho diante de um vampiro. De alho também ele detesta, apesar de colocar um pouquinho junto com cebola no preparo do arroz. Ele passa longe, até corre se preciso quando toca RAP ou seus derivados alienados, aculturação demais para o gosto dele, pois vê a globalização com muitas ressalvas. Com homens, inimaginável o contacto (exceto no extinto futebol), dá ânsia de vômito só de pensar encostar, mas não é por machismo não, pois sempre beijou no rosto seus parentes próximos mais velhos. Manias? Um ou dois exemplos para cada sentido, tem mais, mas não cabe aqui. Caprichos, frescuras, simples besteiras? Provavelmente não, cada qual com seu jeito. Temos direito de nos repelir ao que não gostamos. Há outros campos também, não só na percepção sensorial. O chato odeia chats e sites de relacionamento. Mas o mais indigno deles, é mentirem sobre ele, acusando-lhe do que não fez, do que não falou ou do que deixou de fazer ou falar. Isso, o ejeta fora da casinha, que ele quase se perde no espaço. Sem violência, porque suas armas são as palavras. Por outro lado, os mentirosos são seres tão rastejantes, que nem merecem tais palavras, ou seja, saber da verdade. Ele veio ao mundo para repelir, com educação. Longe da perfeição, reconhece que poderia ter sido mais suave, mais passivo, mais tolerante, mais idiota pelo bem da convivência social. Justamente por não ser perfeito, é que ele escolheu agir assim. Tem pessoas que não merecem saber da verdade, embora ele a diga. Sua dúvida, é saber se passou por ele, alguém que merecia ter sabido. Não necessariamente a verdade segundo ele, mas conhecê-lo um pouco melhor para ter acesso ao seu mundo real. São as mentiras dos outros, que afastam, essa aproximação. A coisa é tão bizarra, que no fim ele agradece, pois quem dá ouvidos à gente má, não tem voz para transmitir o bem. Mais um gole de água mineral com gás, antes que chegue o carnaval sem graça. O chato, é chato à sua maneira. Os outros também são. O chato não chora quando a chuva chega. Cheio de chaves, o chato chama e chaveia seus cachorros, pega uns sanduíches, põe na mochila e tchau. Este chato, não incomoda ninguém. Vez, em quando, ele choraminga escondido em seu chateau. O chato é sozinho. Porque o chato tem consciência de que ele é apenas um dígrafo, jamais seria considerado um encontro consonantal...


Past In - tense



Um dia desses, acho que era de noite, eu li que o destino não existe, assim falava o escritor de um texto bem determinado. E eu gostei disso. E eu passei a acreditar nisso. Se eu quiser mudar meu rumo, eu posso, nada está escrito nas escrituras, até porque em tais escrituras ninguém escreveu sobre mim. Nem nas estrelas, há uma constelação em meu nome. Onde diabos estaria escrito que meu futuro seria de tal jeito? Pior, quem é que teria escrito? Qual o que! Esse negócio de destino é para os conservadores, aqueles que nada vislumbram além da realidade. O que será que sonham estes infelizes? Com rotinas? Não se pode sonhar com rotinas, os sonhos não servem para isso. Sonhos (acordados ou não) são para impulsão, movimento em direção ao que ainda não é real. Então eu fiquei mais tranquilo, por saber que as pessoas são mais fortes que o imaginário que lhes reservam, sem saber o que e nem quem reservou. Mas as pessoas não sabem que são ou que podem ser fortes. Por isso padecem no conformismo. Latentes, inertes, dormentes. Quando paira sobre nós a nuvem do destino, temos que agir. Sair debaixo onde estamos, via lateral, tangente, à francesa, de qualquer jeito. É a vida nos provocando. Pedindo a mudança. Nem que fique tudo igual, importa a tentativa. Vamos, mexa-se, faça aquilo que está aí na sua linha de partida. O que vier, virá. Um texto sem final. Porque o final, é de sua competência. Vá... ou venha... mas saia logo daí...



quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

D-e-v-e-r-a-n-e-i-o-s



Companhia? Um corpo novo. Por um. Mas não precisa ser novo, basta ser outro. E não pode ser dois ou mais, apenas um. Então, por um outro corpo que, para alguém, sempre será novo, não importa a idade. É isso que os maridos, uns maridos, querem. Umas esposas, idem. Que não fale muito, que aja pouco, que também não peça e nem traga coisas. Quase uma máquina, mas de carne e osso, o tal do corpo novo que ambos querem. Vê-se isso tranquilamente, nos mercados, nos parques, nas praias. Basta olhar nos olhos das pessoas, seus movimentos capitais. Nem os óculos escuros disfarçam. Claro que, se viesse junto algo mais, até a ponto de poder se trocar (isso mesmo, as pessoas trocam umas pelas outras), seria melhor, eles pensam assim. Mas eles e elas estão acostumados com o antigo. Já sabem das dores e dos ais, dos prazeres e dos uis. Têm a fórmula da briga, a da birra e a da volta, tudo anotado. De tanto praticarem isso, já não é preciso recorrer aos manuais, os memorex da relação, é automático, coisa de gente experiente, semiprofissional só porque isso não é profissão.
Os outros corpos, que para os nossos protagonistas são novos corpos, são velhos para o mundo. Conclui-se que depende do tempo de vista. Interessante nisso tudo, é a questão do conhecimento. O outro corpo que de tão sonhado e querido apareceu dentro de uma chance, que poderia ser apenas um acaso, mas transformado foi, e aí está: há de se conhecê-lo primeiro, ou pode-se encará-lo sem necessidade alguma de pré-requisito? Mas aproveite enquanto é tempo, vai que ele desaparece... então, é mergulhar de corpo e alma no outro corpo, para você, novíssimo em alma e corpo. Corpos velhos para o mundo se colidem mutuamente, só para ver no que vai dar. Não chega a ser um túnel de prótons, mas vai no mesmo sentido, experimental.
Mundo dividido, entre os que insistem com os velhos corpos e os que trocam para novos velhos corpos. E apostam neles todas as suas fichas (isso mesmo, as pessoas apostam em outras pessoas, como no turfe se aposta em cavalos, ou seja, relacionamentos também são "jogos de azar"), sem reserva alguma. Se não der certo, faz-se o mesmo para corpo ciclano. Se todos andassem nus, não haveria tanta superficialidade depositada no próximo. A nudez é fundamental. Nela, cabe o erotismo, mas não o sexo. Infelizmente, um dia o sexo torna-se velho, é quando aqueles corpos já se envelheceram um para o outro, repito, sem levar a idade em conta, mas a quantidade de colisões. De corpo e alma, todo mundo já sabe. O problema, é que nem todos reconhecem o que significa o envelhecer. Por isso a rotina, entre os velhos casais. Por isso os conflitos, entre novos casais. Parece uma garagem, depositária temporal de coisas e adereços.
Por que o bicho-homem se limita a tais desejos? Porque é incapaz de renovar-se a si mesmo, portanto não deve se esperar que renove relações envelhecidas. Outros, buscam a novidade, saciam parcialmente seus desejos, e depois voltam para o continuísmo. Estes, se julgam novos e partem em procura de semelhantes buscadores, é aquela gente que vive na caça, na floresta, sempre armada. E se acham, e se namoram, e se prometem e se acabam na mesmice do sempre. Trocar ou não trocar, eis a questão. Esse troço de ser, é para os filósofos, seres antigos que destoam da modernidade. Viva o mercado dos organismos ambulantes, cujo escambo é o negócio que mantém circulante o capital humano.
Essa é a minha mulher. Esse, é o meu namorado. Aquela, é a noiva dele. Aquele, é o amante dela. Proprietários em ação. Donos de corpos alheios. Inventaram papéis e chamaram de contratos civis para garantir legalmente a posse da mercadoria. E tem os casos da posse verbal. Cuidado, não se aproxime de ninguém. Os possuídos, às vezes não têm sinais da marca do dono. O ciúme, é o artifício sentimental como mediador dessas relações possessórias. O ciúme, é a insegurança nua que se veste de ciúme para que não vejam seu corpo feio, esquálido, ressecado, febril, caquético, o corpo nu da insegurança.
Pensar num mundo sem posse. Sem ciúme. É impossível. imaginar uma relação sem posse, sem ciúme, é plenamente possível! Quem sabe se não houvesse procura. Se o desejo fosse pelas almas e não pelos corpos. O que seria das relações de companhia? Nós estamos casados, estamos namorando, estão noivos, estão se encontrando. O que é mais difícil, mudar o verbo na cultura ou mudar a cultura do comportamento? 
Eu nada sei. Tenho comigo a serenidade de não procurar pessoas. Tenho comigo o absurdo de não sentir ciúme. Tenho comigo a utopia de sentir liberdade. E não tenho ninguém comigo. Nem por isso mudaria. Estou bem assim. Longe de todos, perto de mim. Não me bate saudade alguma, não sou refém de nenhum passado.  Não me bate arrependimento algum, não sou algoz de nenhum presente. Não me bate solidão qualquer, não sou esperançoso de todo futuro...
Moral da estória:
“Escrever sobre a solidão alheia, me deixa cada vez mais convencido sobre a importância da paz mundial...”   



segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

A Quinta Ilha




Gosto do mar em fúria. É bonito, não chegando a ser lindo, como é quando é de almirante. É a mesma natureza, apenas a se manifestar de outro jeito. Aquelas vagas enormes, espumando bem longe da areia. Navios balançam e não viram, o homem reconhecendo sua inferioridade perante ela, sua mãe. Uns, se preocupam mais com os containers, do que com a própria vida. Do alto do passadiço, visão de luta onde o adversário é o próprio ringue. Corações na boca, a morte está muito próxima, beijando o casco da embarcação. É a Física ganhando de lavada de qualquer outra ciência. O movimento vertical, entre cristas e vales, deixando cada vez mais próximo do céu, e na sequência, perto da terra. Mar, panela imensa, cozinhando o bicho-homem em banho-joão. Fúria, cólera, inúmeras proparoxítonas servem para ajudar a descrevê-lo assim. E se a natureza às vezes é assim, eu também poderia. Mas não consigo. Meu temperamento é equilibrado, não se vale de rampantes, ímpetos, iras. Sei que é bom, alivia, mas não dá. Não quero respingar em ninguém, nem afogar alguém. Passei um carnaval à beira-mar nessa base. Ele, o oceano, me avisava sobre o futuro; jovem, não compreendi tal anunciação. No continente, as quatro ilhas na frente na baía, e entre nós a revolução. Precisamos, todos, descobrir a diferença entre atenção e desconfiança. A primeira, é aviso que não vem de nós. A outra, é tarde demais. Por aqui, em terra um pouco mais firme, um novo ano de invenções. O ‘medalope’ a seis mãos foi a primeira. Nem medalhão, nem escalope. Um meio termo de mignon ao molho madeira, show de paladar, temperos diferentes e secretos, a turba adorou, foi o que disseram. Eu queria montar um restaurante litorâneo para elas, as duas crias. Mas elas não apreciam a beleza do mar revolto, preferem o cartesianismo e a calmaria da falta de correntezas na tradição planaltina. Meu futuro, é um eco do sinuoso presente: sozinho... sozinho... sozinho...


Tarde Demais? Não...há coisas eternas!....



Depois do final, fui reconhecer o talento do multi-artista Michael Jackson..
Música negra, me faz sei lá...
Blame It On The Boogie - Jackson Five /  cover by Lilu C





Desconexão



Nem todo texto tem inspiração. 
Às vezes, não é fruto de retorno daquilo que circula dentro do autor, retorno de uma emoção que veio de fora, e ali dentro se instalou.  
Talvez a maioria dos textos da cidade seja órfã. 
São palavras reunidas como numa quermesse, numa pastelaria, num shopping. 
E o bom é que reunir palavras, todo mundo pode. Mas nem todo mundo consegue acomodá-las no sofá de papel. 
São poucos os que conseguem fazer isso. Mas então... motivo... tradução... capacidade de trazer aos olhos alheios determinadas sensações, reproduzi-las... parece que a coisa vai se afunilando. 
À medida que se aprofunda na busca razão de um texto, vão se eliminando as chances de ser uma representação real, que é aquela dotada de emoção. A dobradinha, a dupla, o binômio razão/emoção, sempre presente no cotidiano humano. Ou não.
Venho, por meio desta e das próximas, tentar descobrir como é a vida de quem escreve sem inspiração. 
Sem ela, penso que não há o que dizer, transmitir, deixar na memória dos teclados, passar pela ótica dos curiosos, gravar na mente dos leitores ou fluir do interior dos próprios escritores. Um desafio à criatividade, nesta cidade.
É outro caminho. Um vazio como quando se entra num túnel extenso, caminhando por intuição em plena escuridão. 
Esbarro nas paredes, corto as mãos nas pedras laterais, tropeço nos dormentes dos trilhos, e nada vejo que pudesse me fazer escrever. Compreender que a vida é assim mesmo, movimentando-se em ciclos, ora expansão, ora contração. 
Coisa universal. Período de baixa, entressafra. 
Mas bato a cabeça num tronco suspenso no túnel, e imediatamente me corrijo: não há entressafra. 
Porque não haverá depois.
Não há inspiração. 
Não há sobre o que dizer. 
Nada vejo pela frente. 
Porque nada quero pela frente...


domingo, 1 de janeiro de 2017

"Os Especialistas"


Poema XX 
Pablo Neruda 
voz de Alex Ubago




Alucinação II



...e está tudo igual. A convenção do calendário jamais ultrapassará a realidade. Depois das badaladas, abraços, goles e votos na direção de outras realidades. O branco dominava o ambiente, pratos, copos e talheres em seus lugares, as pessoas nem tanto. Um convidado perdido, como sempre, resgatado de sua solidão para que não passasse a virada sem abraço, porque a solidão não abraça, ela fica imóvel em pé, olhando a TV, aquele falso retrato das alegrias dos outros. E ele, o convidado, que era ela, contava histórias engraçadas na tentativa de disfarçar o abandono 'reveillonesco', deu certo para quem não entendeu que aquilo era fuga: medo de silenciar. O jovem casal, no chão de mais um ano sem condição financeira de juntar duas escovas dentárias num só copo sob o mesmo teto, encarava com sorrisos o talvez agora vai; pensavam em sua profissão e na resistência que lhes mantinha incólumes diante da falta total de perspectivas para ascensão profissional em suas carreiras daquele jeito que estava, pois uma mudança seria ousadia demais, o desemprego é um fantasma feito de carne: medo de arriscar. Outro casal, mais jovem ainda, nem adentraram ao mercado de trabalho, o oásis da faculdade ainda não havia sido encontrado; seus sonhos eram maiores que o do primeiro casal, a vida não tinha lhes surrado ainda: medo de continuar. A adolescente preocupada com o ingresso no ensino médio, aulas também à tarde para satisfazer o ego ditador da mãe, que ignorava que aquilo seria desnecessário, já que a filha é uma excelente aluna, coitadinha, não merecia levar vida de cursinho já desde o primeiro ano; minidrama, que para ela é tormento: medo de começar. A divorciada sexagenária disparando gravidez para todos os lados, revelando um desejo de recomeço para ela mesma, com outro homem que não escolheu, talvez em outra cidade, outra vida que não aquela que lhe deu muitos amigos mas não ofertou-lhe companhia par; Freud explicaria: medo de recomeçar. E a dona da casa, octogenária, ouvindo mal e comendo pouco, já cansada por ter feito quase toda a comida e bem embalada na direção da cama pelo efeito do vinho; um tipo distinto de solidão: medo de encerrar. Enfim, sempre a mesma festa, alguns personagens diferentes, poucos, e os fogos coloridos brilhando no céu escuro daquela gente, na bela vista do apartamento ‘urbanóide’ (já que a palavra não existe mesmo, mantenho o acento que mataram). Um cachorro pequeno, outro convidado solitário se escondia em defesa contra os fogos que lhe atacavam 4 vezes mais que os humanos. Uma ceia de companhias e solidões. Mas será que solidão é apenas o fato de não ter ninguém para usar a mesma pasta dental? Ou pode se considerar solidão a escolha de não se querer ninguém tanto por isso ser anti-higiênico ou por simples livre-arbítrio? O que é essa porra de solidão afinal? É destino ou opção? Causa ou consequência? Escassez no mercado do amor ou consciência de que o amor é mercantil? É ausência ou falta ou nada disso? Não sei. Mais de um milhão e oitocentas mil pessoas, sem contar os quase três milhões da região metropolitana, e continua soberana a frase que Belchior lançou na eternidade “..e a solidão das pessoas nessas capitais...”. A música ensina os atentos. Eu aprendi, e sei dos lamentos. Seres humanos sozinhos, procuram se juntar porque a união entre eles, para eles, não é disfarce: é fantasia...



Mas é um dia de sol, coisa um tanto rara nos janeiros daqui. Não se fala das possíveis conquistas obtidas durante ao ano, aqui é só papo sobre a festa. Desta vez se esqueceram da lentilha e das romãs, mas tinha uvas e folhas de louro. O último 31 de 2018 aguarda novos pratos, novos vinhos e frisantes, um novo e velho indivíduo metropolitano abandonado, talvez outro cão, e aquelas mesmas pessoas, provavelmente. Quem sabe os mesmos sonhos, então reforçados. E o enigma da solidão. O quê, cada um fará da sua, com a sua, pela sua. Pois no final deste novo ano, as pessoas estarão novamente de branco. Elas usam branco, porque branco não é cor. Se não é cor, não é realidade. Novas roupas brancas. É o único jeito de fazer parte da reunião, sem demonstrar que passam o ano todo disfarçados, e que conseguem suportar o presente, somente em fantasia. Branco, a "cor" refletora universal de todas as outras, é a mais indicada para não revelar a escuridão do medo. As pessoas continuam pálidas: delegam aos fogos de artifício, as cores da vida...