domingo, 5 de junho de 2016

Crônica Cotidiana 31




Estuário Paradigma 
Estandartes e tantas cores. Corpos seminus desfilando suas taras. Marchinhas para manter bêbados em pé. Um salão para confetes, serpentinas e vômitos, uma pista, rua-avenida, alameda, qualquer plano, qualquer piso. E a sempre fuga do presente. Quando ela não ganha adereços do tempo, diz-se fora-de-épóca. Todo dia é dia de fugir do tempo. Todo tempo é tempo para fugir do cotidiano. A festa de fevereiro justifica e autoriza tais disparadas, as quais se dão em direção ao nada. Hoje, três meses depois da diáspora oficial, ainda vemos gente fugindo de suas realidades. Deslocam-se para a periferia de suas vidas, escolhendo um cantinho para pensar melhor sobre elas. Melhor assim, do que se tornar mais um dependente químico aguardando internação compulsória. Um texto acéfalo, agregando carnaval, alcoolismo e existências, todos fora de hora. No fundo, ele quer falar de medo. Quem tem medo, ou se encolhe ou foge. Aos encolhidos, meus sentimentos. Aos retirantes, um salve. Pois a fuga sã, não é fuga, é libertação. Libertar-se de suas próprias amarras. Uma capital cheia de cordas, esse é o nosso habitat. Onde passamos o resto do ano sem festas, sem cores, sem nudez nem libido. Sem tolices musicais, sem chão para prostramos. Sem justificativas que amenizassem nossos medos. Medo, é a morosa necessidade de ação frente alguma coisa importante. Miscelânea, mas é assim mesmo que funciona a sobrevida. Paula foi para o litoral tentar resolver seus dilemas, a natureza era soberana a tudo, precisava restaurar contacto com ela. Lá, os problemas ficavam menores, mais baixos, mais magros e passíveis de soluções. Eis que ela levou Alvarinho a tiracolo no pensamento. Não sabia mais o que fazer com ele. Ele aliviava seus desejos, trazia o gozo lá do centro de sua cidade-estado. Até que um dia o clímax passou a ser artificioso, perdeu sentido, razão de ser, sobrou a carne e mais nada. Como na imagem de duas peças de boi sobrepostas na vitrine do açougue. Ela queria algo mais que uma troca de secreções. Começou a entender que ela era objeto do deleite dele, por mais carícias que ele fizesse, amigo que se dissesse, parceiro a quem recorresse, seu amante extra-oficial. Uma espécie de contrato sinalagmático, gerando obrigações e deveres para ambas as partes: “dê-me, que te tomo também”. Tola, depois do amor mecânico mandava o malandro travestido de companhia para outro quarto, e ficava sozinha em sua cama relaxando, revisitando sua memória, aportando em seu futuro, não sem deixar de criar um vácuo no presente, expoente de solidão. Não mesmo, chega de rotina. Sexo, não é só pênis e vagina. Deve haver outro caminho que conduza ao prazer. Um caminho onde o medo não passe de uma fantasia colorida. Deve haver outros prazeres! Sim, um prazer legítimo, de brilho definido, num outro nível de vínculo! Eureca, a viagem e o Santo Graal. Basta de ser Paula. Alvarinho nem imaginava que a partir daquele exílio, teria de se converter a Onan. Ela voltou de lá, disposta a ser uma nova pessoa. Antes, faziam dela apenas mais uma mulher...uma mulher a mais...uma mulher qualquer...faziam. 



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