O ultimo morador tinha uma cruz na
parede do quarto. Foi embora, ficou o sinal. Não se sabe se a marca deve-se à
sua fé, muito menos fé em quê. Quatro demãos não foram suficientes para remover
o símbolo cravado na alvenaria. Aquele plano vertical do cômodo já estava mais
escuro que os demais, deixou-se assim. Poucos anos, e não se vê mais o sinal. O
atual morador, ou não carrega nenhuma cruz, ou simplesmente não tem fé. E se
não tiver mesmo, nem se pergunta em quê. O tempo foi o agente responsável pelo
sumiço da imagem. O tempo que o inquilino passa ali, naquele imóvel. Pois ele não
olha para as paredes, tem se fixado na janela. Esta, uma porta também simbólica,
para o amanhã. É através dela que a luz da alvorada chega. Que o som dos
pássaros vem da rua. Que os sonhos se vão para o mundo. A janela é dinâmica, criativa,
possível. Ela não representa sofrimento, sacrifício, pesos nas costas, coisas assim. Acreditar na
dor como pressuposto para a felicidade, é crer na necessidade de libertação. O problema
é que os moradores não sabem onde estão presos, consequentemente, do que é que eles precisam na verdade se libertar. Inventaram dogmas, os quais
arrebatam fiéis impondo o medo capital para os desgarrados hereges. Aquela cruz
foi para outra casa, um outro CEP para a mesma crença. Arrastou todos os medos junto. Bastava ele ter olhado para
a parede oposta, que a janela lhe traria muito mais que a fé. Porque além dela,
há o mundo. Além da cruz, existe apenas outro quarto, uma sala ou um banheiro. Talvez, aquilo
em que cremos ou deixamos de crer, seja o nosso obstáculo. Precisamos rever os
nossos conceitos sobre o amor. Este, não precisa de que alguém acredite nele. Nem na
parede esquerda, nem na direita. É algo central, que começa no meio do quarto e
vai em direção ao teto do mundo. Porca miséria, as lajes haveriam de ser todas
invisíveis. E as telhas deviam ser todas transparentes. Talvez assim, houvesse
mais amor circulando pelo espaço, inclusive dos céticos...
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